Este período do ano — iniciado em junho e que vai até setembro, — é considerado a época em que Brasília se pinta. As cores dos ipês se misturam ao azul do céu, ofuscam o verde das árvores e combatem o cinza da cidade. Talvez você nem tenha saído de casa, mas com certeza viu um nas redes sociais. Ao mesmo tempo em que brotam da terra vermelha, os ipês desabrocham pelas telas dos celulares. Foi neste mesmo período colorido, há dois anos, que uma bióloga brasiliense decidiu criar o Ipês App.
Para quem passa e olha rapidamente, a planta oferece um frondoso buquê. Mas a beleza é efêmera. A florada dos ipês dura entre uma e duas semanas. Num dia, estão lindos. No outro, restam apenas os galhos secos, sem graça para uma foto. Foi a partir dessas frustrações diárias que Paula Sicsú, 34 anos, teve uma ideia. E se existisse um aplicativo que mostrasse o endereço e a quantidade de flores dos ipês?
"Eu ficava agoniada por não conseguir tirar uma foto, mostrar para alguém. Quando eu procurava a localização de algum, já não tinha mais flores nele", relembra.
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Mas a beleza curta tem motivo. Os ipês florescem no inverno, quando a umidade está baixa e o lençol freático mais fundo. Com sede e desesperada, a planta aprofunda suas raízes em busca de água. Quando já não tem mais energias, suas flores caem. Mesmo mortas, porém, as pétalas formam um tapete que colore o chão e afaga os pés de quem pisa.
"O aplicativo vai além de mostrar o tanto de flores, mostra se a pessoa pode ir de bicicleta até o local onde está o ipê, informa se é seguro para crianças, se há estacionamento, banheiro ou bebedouro e se é uma área onde é possível fazer piquenique", explica.
A ferramenta está disponível tanto para download para os sistemas Android e iOS. Com ele, o usuário pode identificar no mapa a localização exata das árvores e saber se estão floridas ou não. Também é possível filtrar as cores que desejar: amarelo, roxo, rosa ou branco, além de limitar o raio de busca.
Utilidade pública
A junção dessas informações só é possível porque o aplicativo é totalmente colaborativo. De acordo com a criadora, qualquer pessoa pode cadastrar, colocar foto e inserir todos esses dados. Para Paula, a planta é comunitária e fotografá-la é um hábito de Brasília. Por isso pensou em um tipo de Waze (nome do famoso aplicativo de navegação de veículos que instrui os motoristas sobre o movimento do trânsito nas vias das grandes cidades): "um Waze de ipês", frisou.
Hoje, estão catalogados mais mil ipês em todas as regiões administrativas e até no Entorno do Distrito Federal. Um número grande, mas que representa poucos décimos de todos os exemplares que há no DF. Segundo a Novacap, mais de 270 mil ipês colorem a cidade.
Não é à toa. "Brasília tem características climáticas e de solo que permitem que se plante espécies de praticamente qualquer lugar do mundo", avalia a doutora em ecologia e pesquisadora da UnB Carmen Regina Correia.
É isso que os fazem sobreviver em qualquer canto. Seja na calma da SQN 209, em meio à poluição dos carros no Eixão, em frente ao Jk Shopping, do lado do Estádio Bezerrão. E por aí vaí.
Os ipês são tímidos. Durante todo o ano ficam ali, verdinhos, escondidos no meio de tantas árvores. Até que, a partir de junho, entram em festa, numa abundância de cores. Primeiro vem o roxo, logo em julho os amarelos, em agosto os rosas e finalmente, os brancos fecham a temporada em setembro. Depois disso, deixam saudade: só voltam no próximo ano.
No aplicativo, as cores mais repetidas são roxo e amarelo, dos ipês que mais chamam a atenção dos brasilienses e dos polinizadores. Afinal, a flor é o órgão reprodutivo das plantas.
A ciência explica
Para sobreviver, a espécie evoluiu para ficar cada vez mais vibrante, florida e maior. A combinação perfeita para se destacar e atrair polinizadores, como abelhas, beija-flores e besouros.
"O polinizador traz o grão do pólen para fecundar a flor, que mais tarde vai formar uma semente. Depois de caírem, essas sementes vão dar origem a outra árvore", explica a pesquisadora. "A flor é um presente para nós, mas para a planta é uma necessidade".
No vai e vem do cotidiano, com olhos hipnotizados no trânsito ou celular, muitos brasilienses nem se dão conta das árvores. Só acordam quando veem a delicadeza de um ipê e decidem apontar uma câmera.
No Instagram, a hashtag da planta tem mais 359 mil publicações. A tag #iperoxo, que virou atração nas últimas semanas, tem 31 mil fotografias. Uma delas mostra o Congresso Nacional emoldurando dois ipês. Outra mostra a Catedral coroada com pétalas. Um cachorrinho aparece sobre um converter de flores.
"O principal objetivo é para as pessoas tirarem fotos. Mas o aplicativo também pode ser usado para um casal programar um passeio. 'Vamos fazer um piquenique embaixo [da planta]? Vamos!'", sugere a bióloga.
Hoje quem entra no app se depara com várias fotografias e um mapa do Distrito Federal. É possível curtir e, com uma régua, avaliar a florada. Mas nem sempre foi assim.
A ideia surgiu em 2020. Enquanto a pandemia ameaçava varrer a humanidade e todos tentavam se proteger de alguma forma, lá estavam eles. Alheios. Imbatíveis. Abarrotados de flores.
Paula saía para pedalar um momento, para esquecer o coronavírus. Pela Asa Sul, encantava-se com a beleza da espécie. Um amigo fez a programação básica e outro pensou no design. Aos poucos a ideia foi se tornando no que é o app hoje.
"No começo eu saí igual a uma louca, tentando registrar o máximo de ipês que via. Eu andava de carro e gritava 'Para aqui!, deixa eu tirar foto'. Também pedi ajuda para uns amigos catalogarem os que viam para não sair um ipê pelado", brinca, satisfeita com o êxito do app.
Quem quiser registrar os ipês roxos, por sinal, deve correr, pois a floração deles está chegando ao fim. Com a alta neste período do ano, o Ipês App pode sobrecarregar e sofrer com quedas. Paula, porém, pede paciência aos usuários.
"Eles são essenciais para alegrar essa época em que a gente sofre tanto com a seca de Brasília. Ver um ipê formoso dá um ânimo nesse mundo tão corrido. É algo da cidade que a gente tem que se orgulhar", enfatiza.
Meses de floração dos ipês
Roxo: junho e julho
Amarelo: julho, agosto e setembro
Rosa: fim de agosto
Branco: setembro
Fonte: Novacap
*Estagiário sob a supervisão de Hylda Cavalcanti
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