CB.PODER

"Elas não são posse de ninguém", diz magistrado do DF Ben-Hur Visa

Para o juiz titular do juizado de violência doméstica e familiar contra as mulheres do Núcleo Bandeirante, muitos homens consideram suas parceiras como "propriedade" e isso, para eles, justifica abusos cometidos

José Augusto Limão*
postado em 27/07/2023 06:00
Para Ben-Hur, é espantoso o número de mulheres que continuam com companheiros violentos -  (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
Para Ben-Hur, é espantoso o número de mulheres que continuam com companheiros violentos - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

O debate sobre igualdade de gênero foi tema do CB.Poder — programa realizado em parceria entre Correio Braziliense e TV Brasília — de ontem. Aos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre de Souza, o representante do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres do Núcleo Bandeirante, juiz Ben-Hur Viza, destacou a importância de um trabalho educativo e preventivo nas escolas sobre violência doméstica. "A sociedade estabelece uma relação violenta entre homem e mulher, ainda que seja inconsciente. Ela [sociedade] tira a autonomia da mulher e entrega essa autonomia na mão do homem", ressalta.

Para o magistrado, é preciso fazer, a partir dos mais jovens, com que a sociedade entenda as questões de gênero existentes e passe a assumir uma postura  mais igualitária na relação entre homem e mulher.

Proteção

"Temos de mostrar para as meninas que elas têm esse direito de proteção", afirma. Nos casos do tipo que julga, Ben-Hur Viza relata ficar espantado com o elevado número de mulheres que permanecem na relação violenta. "O que faz um homem que um dia se disse apaixonado, declarou amor, levou flores, e a convidou para ir ao cinema, de uma hora pra outra passar a agredir essa mulher?", questiona.

O especialista deu como exemplo a situação de uma mulher que se casou e, após voltar da lua de mel, o esposo disse que as roupas dela eram de solteira, decotadas, curtas, com as pernas de fora. E que após o casamento precisaria se vestir como uma mulher casada. De acordo com ele, da mesma forma, muitos homens veem sua parceira como uma posse, o que pode, na cabeça dos agressores, justificar a violência doméstica. "Quando o homem, por exemplo, casa e acrescenta o sobrenome na certidão da parceira, para muitos deles é como se comprassem um carro, fossem no Detran e registrassem o veículo, passando a ser donos", afirma.

Gênero

Ben-Hur Viza conta que estudou profundamente sobre a questão e, no seu entendimento, a sociedade estabelece uma relação violenta entre homem e mulher, ainda que seja de forma inconsciente. "No simbolismo do casamento, por exemplo, o pai leva a filha até o altar e a entrega ao marido. Isso é muito simbólico porque mostra exatamente o que a sociedade pensa: que até o casamento o pai cuidou e depois, o marido é quem passa a cuidar da mulher". Dessa forma, segundo ele, a mulher vai se adaptando aos papéis de gênero que a sociedade define. 

O representante do Juizado elenca que esses papéis são reforçados desde a infância, a partir das histórias infantis que mostram o homem como príncipe encantado que aparece para salvar a donzela indefesa. "A mensagem que a mulher recebe é que ela necessita de um homem para se casar. E precisa manter esse casamento, em virtude de ser um pressuposto para sua felicidade", diz.

Ben-Hur fez uma outra análise, desta vez sobre a influência da religião na questão de gênero e violência doméstica. Para ele, os textos sagrados no decorrer da história foram interpretados em sua maioria por homens e isso também interfere. "Você não tem, por exemplo, uma papisa, você tem um papa. Você tem pouquíssimas pastoras e isso acontece também em outros segmentos religiosos. Em muitas audiências, os acusados interpretam erradamente as leituras religiosas para justificar seus atos. Precisamos entender que as regras sagradas precisam ser interpretadas em um contexto específico da época", enfatiza.

Para o convidado do CB.Poder, alguns indivíduos também não se sentem bem vendo mulheres ocupando cargos de destaque. "Uma pesquisa constatou que homens desempregados ficavam alcoolizados e agrediam mais suas parceiras porque, como não podiam ser provedores da casa, iam para a rua beber, como forma de anestesiar esse sofrimento. Quando a pessoa bebe, diminui a censura e evidencia seu lado violento", destaca. 

Mudança

Ao ser perguntado se acredita na construção de uma sociedade menos machista, Ben-Hur afirma que para mudar completamente o panorama, ainda falta muito a ser percorrido. "Quando trabalhamos nas escolas, digo para os jovens que as meninas não são obrigadas a entregar a senha do celular, nem a mandar pelas redes sociais fotos nuas para eles compartilharem com os colegas. Isso é uma falta de respeito deles como homens", revela. Em sua opinião, "o homem desde pequeno é desafiado a provar que é 'homem de verdade'". "O indivíduo, quando comparado a uma mulher, entende isso como algo pejorativo. É essa desigualdade, essa comparação negativa aos olhos do homem, que precisa ser mudada para que a mulher seja mais respeitada", ressalta.

*Estagiário sob a supervisão de Hylda Cavalcanti

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