Seminário

Expansão da educação no combate ao feminicídio

Para além de palestras, debates e implementação de programas, o combate aos crimes contra mulheres exige investimento em políticas públicas que atendam toda a esfera social

Mariana Saraiva
Laezia Bezerra
Darcianne Diogo
postado em 21/07/2023 05:45
 Ben- Hur Viza representante do juizado de violência doméstica e familiar contra as mulheres do núcleo Bandeirante,  falando no evento
Ben- Hur Viza representante do juizado de violência doméstica e familiar contra as mulheres do núcleo Bandeirante, falando no evento "Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos", com moderação dos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre. - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Usar a educação como instrumento de conscientização é a proposta da integrante da Assessoria Internacional do Ministério da Mulher Rita Lima, que abriu o debate do segundo painel do seminário Combate ao feminicídio: Responsabilidade de todos, promovido pelo Correio, ontem. Para a, também, defensora pública é necessário abordar políticas que garantam a mudança estrutural.

“Não há como falar da mudança de cultura, que submete as mulheres a todas as formas de violência sem passar pela educação.” Ainda segundo a especialista, os números de feminicídio vêm de um histórico de desmoronamento de políticas públicas. “A ausência de equivalentes públicos da violência contra mulher é um prato cheio e faz com que pessoas e instituições reproduzam opressões contra a figura feminina”, afirma.

O Ministério das Mulher trabalha para reformular o ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher). “Esse canal passa por uma reformulação, para que, além de um espaço de acolhimento, seja um local de informação, até mesmo para vizinhos e amigos que queiram saber como denunciar uma vítima de violência doméstica”, enfatiza Rita.

Na avaliação da painelista, as políticas públicas precisam assegurar que os direitos humanos e das mulheres estejam no currículo das escolas. “É preciso fomentar um novo olhar sobre as mulheres, reconfigurar a nossa mente. Mas, para isso, é necessário transformar uma cultura de visão de mundo machista”, diz. Ela acredita que, como prevenção assertiva, é necessário uma mudança de olhar. “É preciso reconfigurar a nossa mente, para uma realidade que abandone o machismo estrutural”, completa.

“Ainda vivemos em uma sociedade muito machista e que reforça muitos estereótipos que submetem as mulheres a condições de objetificação, e de não autonomia, as mulheres são sub-cidadãs no Brasil. Porque temos direitos previstos em lei, mas que não consegue efetivar a igualdade perante a lei no nosso dia a dia e na efetivação das políticas públicas." 

Investimento

Sem investimentos não há como enfrentar o feminicídio no DF, é o que defende o juiz titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Núcleo Bandeirante, Ben Hur Visa.

"É imprescindível investir em educação. O Estado precisa trazer essa discussão para o ambiente escolar. Precisamos parar de enxugar gelo, em relação a violência doméstica, pois ela existe e não adianta passar o pano sem, de fato, não atingir um problema tão grave como esse que estamos enfrentando, que é a violência contra a mulher. Além disso, temos que saber onde estamos falhando como Estado e como sociedade", ressaltou.

De acordo com o juiz, o alto número de mortes de mulheres e de violência doméstica ocorridos no Distrito Federal só irá diminuir com uma política pública voltada para a conscientização e a educação, que permita a evolução da sociedade. "Se uma mulher é vítima de estupro, o primeiro questionamento feito à ela é porque estava vestida com roupas curtas, ou porque estava em um local ermo em determinada hora. Ou seja, quando há esse tipo de pergunta, você sutilmente atribui à mulher a culpa por ela ter sido estuprada”, pontuou.

Na avaliação do magistrado, investir em pesquisa é outra política importante para combater o machismo estrutural e mudar a forma como a mulher é vista pela sociedade. Pela pesquisa, segundo ele, é possível mapear o perfil do agressor, descobrir a motivação desses crimes e buscar meios de mudar a maneira como a sociedade enxerga a mulher.

O juiz cita que pesquisas apontam que 60% das mulheres assassinadas no Brasil têm entre 18 e 40 anos de idade, sendo que em 90% dos casos ocorreram dentro de casa. Diante disso, para ele, é necessário uma política séria de Estado, e não só de governo. “Precisamos de mais proatividade e não ficarmos só nos debates", destaca.

Há anos discute-se formas de combater a violência doméstica e o feminicídio. Palestras, seminários, implementação de programas específicos, criação de delegacias especializadas para a mulher, prisão, condenação, casas de abrigo e auxílios estão entre os métodos adotados na guerra contra esse tipo de crime, que proporciona um sofrimento coletivo. No entanto, a discussão em torno das medidas ainda é rasa, avalia Vera Lúcia Santana Araújo, integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e ativista da Frente de Mulheres Negras do DF, durante a segunda edição do seminário Combate ao feminicídio: Responsabilidade de todos, promovido pelo Correio.

Na avaliação da jurista, a implementação de medidas de enfrentamento ao crime contra as mulheres avançou, mas ainda não é suficiente. Pensar em educação, por exemplo, vai além dos ensinamentos ministrados à crianças, adolescentes e jovens no ambiente escolar. É preciso expandir. “Nossos netos e filhos estão aprendendo sobre o combate à violência, mas e as pessoas da minha geração? Os matadores de agora vão voltar para a escola para aprender? O que fazer para isso parar? Confesso que não tenho respostas, mas, seguramente, afirmo que as organizações sociais caminham bem nessas construções. Enquanto não houver mudanças. Se não tivermos um estado democrático que distensione o diálogo com a sociedade e promova educação no sentido da inter-relação, vamos continuar contando vítimas”, finalizou.

No discurso, Vera lamentou a dificuldade em debater sobre a violência de gênero, especialmente sobre o feminicídio, uma vez que, segundo ela, a sensação é de que os mesmos comportamentos adotados no século passado têm se repetido nos dias atuais. “A sensação de estar fazendo a mesma coisa é desestimulante. E aí, vem a pergunta: nada avançou? Construímos avanços, derrubamos a ditadura, mas muito das nossas outras desigualdades, de gênero, de respeito, essas não chegaram a se concretizar”, frisou.

Mesmo com os avanços, a sociedade apresentou um retrocesso, afirma a jurista. “Esse retrocesso que nos colocou uma cultura de política pública de fomento ao ódio, de uso das armas e que isso se comunica e transpassa nossas relações”, pontuou.

  •  Rita Lima assessoria internacional do Ministério das mulheres  falando no evento
    Rita Lima assessoria internacional do Ministério das mulheres falando no evento "Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos", com moderação dos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre. Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  Vera Lúcia Santana Integrante da executiva da associação brasileira de juristas pela democracia falando no evento
    Vera Lúcia Santana Integrante da executiva da associação brasileira de juristas pela democracia falando no evento "Combate ao Feminicídio: uma responsabilidade de todos", com moderação dos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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