Seminário

Correio debate ações para enfrentar a onda de feminicídios; vídeo

Especialistas e representantes dos governos federal e distrital debateram medidas para combater a violência contra a mulher e sugeriram caminhos para evitar que mais vítimas sejam mortas covardemente por homens machistas

Arthur de Souza
Mila Ferreira
postado em 21/07/2023 06:00
Guilherme Machado:
Guilherme Machado: "É preciso romper esse silêncio e, sobretudo, dar um basta nesse crime deplorável" - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Com o objetivo de discutir formas de enfrentamento ao feminicídio e à violência contra a mulher, o Correio Braziliense realizou, ontem, o seminário Combate ao feminicídio: responsabilidade de todos. O governo do Distrito Federal (GDF) e o governo federal estiveram representados no debate pela governadora em exercício, Celina Leão (PP), e pelo o secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar; e pela secretária nacional de enfrentamento à violência contra mulheres do Ministério das Mulheres, Denise Motta Dal.

Celina Leão destacou a força-tarefa que está sendo implementada no DF para combater e lidar com as consequências do feminicídio. A Rede Distrital de Proteção aos Órfãos do Feminicídio será responsável por direcionar a atuação do poder público para promover suporte a crianças e adolescentes órfãos de mulheres vítimas desse crime, em ocorrências de violência doméstica e discriminação de gênero. Como parte das políticas de enfrentamento ao feminicídio, a ação determina as competências da rede distrital de promoção das políticas integradas de atenção e proteção aos órfãos no âmbito do Distrito Federal.

Celina informou que reestruturou a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam). "Criamos mais cargos, dando a robustez necessária para que os atendimentos possam ser feitos com mais efetividade. Saiu esta semana no Diário Oficial. Foi um reconhecimento à necessidade de mão de obra (para atender as mulheres)", anunciou a governadora em exercício. 

Para Celina, as políticas públicas sobre feminicídio devem ser de Estado, e não de governo. "É esse trabalho que precisamos repensar no nosso país", afirmou. A governadora ressaltou a importância de as mulheres denunciarem as violências sofridas. "Muitos desses crimes eram invisíveis antes de virarem feminicídios. Por isso, o registro da primeira violência é importante, pois, caso tenha antecedentes, o autor perde o direito de ser réu primário (e tem a chance de permanecer preso)", comentou.

"Precisamos mudar a cultura do nosso país. Os homens matam porque sentem que a mulher é coisa e propriedade deles, e se elas dizem não, (os homens) se sentem no direito de tirar a vida (delas)", lamentou. "Se seu vizinho está com som alto, você chama a polícia; por que você está escutando a mulher gritar e não chama também? É por conta da nossa cultura machista", argumentou Celina. "A lei mais importante que aprovamos na Câmara (dos Deputados) é a que obriga uma semana de combate à violência contra a mulher nas escolas. Dessa forma, teremos os filhos educando os pais, tios e avós", enfatizou a governadora em exercício.

Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Sandro Avelar destacou que combater o feminicídio é responsabilidade de toda a sociedade. "Somos um país machista e os números sobre as causas do feminicídio, muito tristemente, mostram isso. Oitenta e cinco por cento dos casos são praticados por ciúmes, sentimento de posse e a não aceitação do término de uma relação. Os outros 15% são praticados por misoginia", detalhou. "É algo que mostra um atraso, uma falta de cultura, e temos que repudiar com muita veemência", ressaltou o secretário.

Avelar lembrou que a questão do feminicídio, sob a ótica da segurança pública, tem que ser tratada tanto da forma preventiva quanto da repressiva. "Dos 21 casos (que ocorreram em 2023 no DF), todos os autores foram identificados e/ou presos", comentou. "Não existe impunidade, e essa mensagem tem que ser passada para tentar desestimular aqueles que pensam que, eventualmente, vão ficar impunes", complementou o gestor do órgão de segurança pública.

"Só a redução (dos índices de feminicídio) não é o bastante. Temos que chegar a zero para servir de exemplo. Enquanto não chegarmos nesse nível, não teremos nada a comemorar", avaliou Avelar. "Penso que o DF tem uma grande oportunidade de servir como um bom exemplo para o país na medida em que, aqui está tratando o feminicídio com transparência e com a seriedade que merece", comparou o secretário.

Sandro Avelar ressaltou ainda a importância de denunciar a violência contra a mulher. "Temos que ser parceiros para conseguir a mudança cultural. A polícia precisa ter a informação de que há uma vítima para que possa interromper esse ciclo", ressaltou. "Gosto de lembrar sempre que o feminicídio, em quase 100% das vezes, é fruto de um ciclo de violência que começa com xingamentos e um tapa, até chegar no assassinato. Temos que interromper isso", reforçou, detalhando que, em 65% dos casos, após a investigação, descobre-se que alguém tinha conhecimento da violência sofrida pela vítima.

Pacto nacional

A secretária nacional de enfrentamento à violência contra mulheres do Ministério das Mulheres, Denise Motta Dal, anunciou que o ministério tem trabalhado na reestruturação do programa Mulher Viver Sem Violência, que foi lançado em 2013 e extinto no governo passado. O programa foi relançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de março, e prevê a implementação de ações de enfrentamento à violência contra as mulheres.

O carro-chefe do programa é a implementação das casas da Mulher Brasileira, onde, no mesmo local, funciona a Vara de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça, a Promotoria Pública, e a Defensoria Pública, bem como atendimento social e psicológico, hospedagem por até 48 horas e o trabalho na área de autonomia econômica. "A integração desses serviços é fundamental, não só para facilitar a mobilidade física da mulher em situação de violência em busca de serviços, mas para que todas as áreas acompanhem o atendimento às mulheres, buscando melhores soluções e encaminhamentos", observou Denise.

A secretária pontuou ainda que, após a extinção do programa, algumas casas da Mulher Brasileira foram construídas com emendas parlamentares e que agora, com a retomada do projeto Mulher Viver Sem Violência, o Ministério das Mulheres, construirá, em parceria com o Ministério da Justiça, 40 casas da Mulher Brasileira. "Pretendemos que todas as capitais tenham uma. Atualmente, as casas estão em funcionamento em São Paulo, Boa Vista, Ceilândia, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza e São Luís", acrescentou Denise.

Denise informou que centros de acolhimento às mulheres, conhecidos como Centros de Referência da Mulher Brasileira, também estão em construção no Recanto das Emas, Sol Nascente, Sobradinho e São Sebastião. A secretária anunciou que o Ligue 180 está sendo reestruturado para que as mulheres que buscarem atendimento possam ser acolhidas de forma mais efetiva. "O 180 será não apenas um espaço de denúncia, mas também de acolhimento e obtenção de informação para ajudar a mulher a ser bem atendida e para que haja um monitoramento da solução que foi dada para aquele caso, após o registro da denúncia", finalizou a secretária.

Plataforma

O presidente do Correio, Guilherme Machado, ressaltou a importância de o jornal oferecer uma plataforma de debate para um tema tão preocupante. "Essas mulheres não podem ser esquecidas. O crime que retirou delas um direito elementar, o direito à vida, não pode cair na indiferença, na banalidade do nosso cotidiano e na ausência de empatia", disse. "As mulheres que morrem apenas por serem mulheres são vítimas de preconceito, do atraso, da incompreensão da sociedade e da ineficiência do poder público. É uma contradição que não podemos tolerar na terceira década do século 21", acrescentou.

Esta foi a segunda edição do evento, promovido pelo Correio com o objetivo de reunir autoridades e especialistas para discutir soluções para o enfrentamento do feminicídio. "Como veículo mais importante da capital da República, não podemos nos furtar da missão de contribuir para que Brasília enfrente mais esse desafio. Por essa razão, convidamos mais uma vez, e o faremos quantas vezes forem necessárias, autoridades e especialistas para apontarem soluções para esse problema complexo", destacou Guilherme Machado.

 


  • Celina Leão enfatizou que
    Celina Leão enfatizou que "políticas públicas contra o feminicídio devem ser de Estado e não de governo" Foto: Minervino Júnior/CB/D.A Press
  • A secretária Denise Motta destacou que
    A secretária Denise Motta destacou que "a cultura machista pode ser revertida" Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Sandro Avelar:
    Sandro Avelar: "Só a redução (dos feminicídios) não é o bastante. Temos que chegar a zero para servir de exemplo" Foto: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Confira no Instagram os melhores momentos do debate de ontem
    Confira no Instagram os melhores momentos do debate de ontem Foto: Produção
  • "Políticas públicas contra o feminicídio devem ser de Estado e não de governo", afirmou Celina Leão. Foto: Minervino Júnior/CB
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