Para pais e mães de pessoas com autismo, as dificuldades são inúmeras. Desde encontrar o atendimento médico especializado para os filhos até a inserção deles na escola, para que tenha um convívio com as demais crianças, as famílias lutam pela garantia dos direitos e por respeito. Além disso, com poucas informações sobre a população do Distrito Federal que tem o Transtorno do Espectro do Autismo (TEA), as políticas públicas voltadas para essas pessoas se tornam pouco eficientes. Nesse sentido, o Congresso Autismos em Foco, que se encerra hoje, lançará uma pesquisa para mapear pessoas com o transtorno.
Mãe de Samuel Braz, Janaína Souza, 42 anos, sabe bem dos desafios e das lutas que enfrenta para que o filho com autismo tenha os direitos resguardados. Professora com especialização na educação infantil, ela descobriu que o menino tinha TEA quando ele estava com cerca de 3 anos, mas conta que já desconfiava devido aos atrasos na fala. "Não sabia dizer ao certo o que era, mas percebia", recorda.
Ao saber do diagnóstico do filho, Janaína relembra que foi um momento difícil. O pai de Samuel, Isaías Braz, chegou a achar que o resultado estava errado. "Falei para mim que tinha que lutar pelo Samuel e não podia ficar nessa tristeza", comenta. A educadora destaca ainda que, após receber o laudo, notou com mais clareza as características do autismo no filho, que antes não eram percebidas. "Ele não brincava com funcionalidade, rodava no próprio eixo, ficava muito nervoso e chorando por muito tempo", detalha.
Esperto e brincalhão, o garoto de 8 anos é chamado carinhosamente de Samuca e faz várias atividades para o desenvolvimento dele, como terapias, fonoaudiólogo, musicoterapia e natação. Outro fator que ajuda muito no desenvolvimento do menino, segundo a mãe, é o irmão mais novo, Miguel, de 4 anos. "Chamo de irmãoterapia", brinca Janaína. Samuel também ama jogos de videogame e filmes.
Assim como Janaína, a psicóloga Yvanna Sarmet, 45, faz de tudo pelos filhos: Gabriel, 15 anos, nível 1 de suporte; Luíza, 7 anos, nível 2 de suporte; e o mais novo, de 4 anos, que tem altas habilidades/superdotação. Ela conta que Gabriel recebeu o laudo com 9 anos, enquanto a menina recebeu um diagnóstico ainda antes dos 3 anos. "Gabriel teve o diagnóstico mais tardio, pois suas dificuldades apareceram mais claramente quando o ambiente escolar e social se complexificou", relembra.
Morando em João Pessoa (PB) na época, a família optou por voltar para Brasília, pois teriam mais suporte familiar e profissional. "Os diagnósticos têm grande impacto na nossa dinâmica familiar. Vivemos rodeados de demandas por terapias e adaptações escolares, enfrentando discriminação e exclusão social", comenta Yvanna. "As pessoas, mesmo mais próximas, têm pouca informação de qualidade sobre o autismo e sobre como podem nos apoiar. É solitário ser família de crianças atípicas", diz a mãe.
Saúde e educação
Janaína notou um atraso na fala do filho quando ele tinha apenas 11 meses. Para saber o que realmente estava acontecendo com Samuca, ela procurou a pediatra e colocou o menino na escola para ver o desenvolvimento. "Depois que passou um tempo, vi que não estava avançando e fui atrás de ajuda de especialista", destaca. A mãe foi até a rede pública de saúde, onde recebeu os encaminhamentos médicos. "Graças a Deus, consegui atendimento rápido com uma neuropediatra no Hospital Regional de Taguatinga", conta.
Janaína descreve que um dos desafios é encontrar bons profissionais com um preço acessível. "O tratamento e as terapias são bem caras e de difícil acesso. Temos plano de saúde com coparticipação, então pago 50% desses valores, porque, com a pandemia, ele perdeu o vínculo de acompanhamento pelo SUS", comenta. Na área de educação, ela se diz a mãe briguenta da escola. "Temos que lutar pelos direitos dele para que ele seja acolhido e seja parte da escola", ressalta.
Samuel estuda na rede pública desde 2017 e faz aulas de reforço custeadas pelos pais. "Acredito que só o conhecimento e a informação vão diminuir os preconceitos, porque acho que as pessoas ainda estão despreparadas e não entendem todas as possibilidades de uma pessoa com autismo e como ela pode se desenvolver. Elas estão no mundo e precisamos nos adequar para incluí-las", enfatiza a mãe.
Entre os vários desafios, Yvanna ressalta as dificuldades financeiras, educacional e social. "Os melhores profissionais são caros e a gente quer o melhor para os nossos filhos", enfatiza. Para ela, as relações sociais na escola são muito difíceis e as crianças frequentemente sofrem preconceito, tanto dos outros alunos quanto dos adultos da equipe escolar. "É um dos meus maiores medos que meus filhos sofram violência na escola", comenta.
Luíza estuda na rede pública e está no ensino regular, em classe especial. "Tenho tido experiências positivas nesse contexto, por enquanto. O mais velho e o mais novo estão em escolas particulares", avalia a mãe. Yvanna é psicoterapeuta há mais de 20 anos e tem muita experiência no atendimento de crianças e adolescentes. Nesse sentido, ela começou a aprofundar os estudos sobre autismo e outras neurodivergências ao ingressar na Universidade de Brasília (UnB).
Segundo a Secretaria de Educação (SEE-DF), a rede pública de ensino tem 6.789 estudantes com TEA, matriculados em 606 escolas, atendendo os alunos com autismo tanto em escolas regulares, como nos Centros de Ensino Especial. A pasta conta com aproximadamente 460 Salas de Recursos em funcionamento. "O atendimento a estes estudantes inicia-se ainda na primeira infância por meio do Programa de Educação Precoce (PEP). O PEP atende crianças de 0 a 3 anos e 11 meses, por meio de ações educacionais visando o desenvolvimento global da criança e a promoção de potencialidades, favorecendo o processo de inclusão", destaca a secretaria.
Para os estudantes já inseridos nas unidades escolares comuns, a pasta tem duas possibilidades de atendimento: a classe especial e a sala de recursos generalista para os estudantes matriculados em turmas de integração inversa e classe comum inclusiva. Outro ponto destacado pela pasta é a sala de recursos generalista. O ambiente atende aos estudantes com TEA de forma complementar ao currículo da educação básica, além de promover condições de inclusão desses estudantes em todas as atividades desenvolvidas na unidade escolar.
No âmbito da saúde pública, a Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) informa que os atendimentos se iniciam na atenção primária em saúde para então serem encaminhados para as especialidades de pediatria, neuropediatria, centros especializados e ambulatórios de especialidades. Os centros incluem os Centros Especializados em Reabilitação (CER), Centro de Orientação Médico-psicopedagógica (COMPP) e Adolescentro.
Em relação ao COMPP e Adolescentro, os ambulatórios são especializados em saúde mental infantojuvenil, com acesso regulado pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS). O primeiro atende usuários de até 11 anos. Já o outro atende usuários entre 12 e 17 anos. Também existem os atendimentos dos ambulatórios de saúde funcional para todas as idades, que realizam atendimentos individualizados com especialistas em saúde — fisioterapeuta, fonoaudiólogo ou terapeuta ocupacional, porém não contam com atendimentos interdisciplinares.
Mapeamento
A capital sedia o primeiro Congresso Autismos em Foco. Iniciado sexta-feira, o encontro se encerra hoje. Com a necessidade de saber informações quantitativas e qualitativas sobre o TEA no país, o ponto alto do evento será o lançamento da pesquisa Mapa Autismo Brasil (MAB), que vai levantar dados sobre a população que tem o transtorno no DF. O evento ocorre no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) e as inscrições são feitas pelo Sympla.
Idealizadora do MAB e fundadora do Instituto Steinkopf, responsável pelo congresso, Ana Carolina Steinkopf começou a elaborar a ideia do mapeamento em 2021, quando estudava sobre a possibilidade de expandir o projeto de desenvolvimento para pessoas com autismo através da música. "Queria ampliar a capacidade de atender mais pessoas e esbarrei na falta de dados, então desenvolvi a metodologia da pesquisa do mapa para levantar essas informações", afirma. "A partir dos dados, é muito mais fácil fazer um bom planejamento de intervenção e pensar em estratégias para atender as necessidades dessa população", ressalta. Além do mapeamento, o evento conta também com palestras e painéis temáticos.
Saiba Mais
Mercado de trabalho
Na última quinta-feira, foi sancionada a lei que assegura a participação da pessoa com autismo em atividades de capacitação profissional, artísticas, intelectuais, culturais, esportivas e recreativas. O decreto implementa ações que identifiquem e desenvolvam nessa população os interesses delas.
A lei complementa a obrigatoriedade do governo do DF de proporcionar tratamento especializado. De autoria do deputado Eduardo Pedrosa (União), o projeto ainda enfatiza que o poder público deve realizar a coleta de dados e informações sobre autismo nos censos demográficos, incluindo sobre o mercado de trabalho para as pessoas com o espectro.
Congresso Autismo em Foco
Data: 21 a 23 de julho
Local: IDP - Via L2 Sul
Presencial e online
Sabia mais em @mab.autismo
Inscrições pelo https://www.sympla.com.br/congresso-autismos-em-foco__2039769