O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) faltou na reunião de elaboração do protocolo de segurança que tratava de uma manifestação na Esplanada dos Ministérios após os atos de vandalismo do 8 de janeiro. O ato, que estava marcado para 11 de janeiro, levou menos de 10 pessoas à área central de Brasília, mas mobilizou um gigantesco aparato policial jamais visto na Esplanada.
É o que revelam dados do Protocolo de Ações Integradas (PAI) de 11 de janeiro. Foi o primeiro encontro entre as forças após o 8 de janeiro. A maioria das pastas de segurança, trânsito e órgãos federais se reuniram. Nele, todos os órgãos necessários para a defesa dos Três Poderes estavam na reunião, como representantes do Senado, Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal (STF). O GSI, responsável pela segurança do Palácio do Planalto, não compareceu no encontro.
O clima de tensão tomava conta de Brasília e, apesar de o “ato” planejado para 11 de janeiro, intitulado Manifestação Nacional — Pela retomada do Poder, ter perdido potencial força, existia um temor para que os atos de 8 de janeiro não ocorressem novamente. A maioria dos manifestantes que depredaram as sedes dos Três Poderes haviam sido presos na manhã de 9 de janeiro, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar desse fato, a orientação sugerida no PAI para a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), por exemplo, era de que os militares fechassem a Esplanada e não permitissem que ninguém entrasse na Praça dos Três Poderes. Um dos pontos cruciais elencados pela SSP é que o Departamento Operacional da PMDF deveria incluir no sistema interno o planejamento operacional da corporação para essa manifestação.
Diferente do 8 de janeiro, a Força Nacional foi empregada, tendo que realizar uma linha de choque em apoio à PMDF. O GSI também recebeu atribuições, apesar de não estar presente na elaboração do protocolo.
No 11 de janeiro, além de estar sendo prevista para outras capitais do país, eram esperadas outras duas manifestações no DF. Uma seria de estudantes, na Praça do Buriti, e a outra de pessoas que queriam a saída do governador Ibaneis Rocha (MDB), em frente à Câmara Legislativa (CLDF). À época, o chefe do Executivo estava afastado e a segurança pública do DF estava sob o comando do ex-interventor federal, Ricardo Cappelli.
O Correio questionou se SSP enviou ou não o convite ao GSI, chefiado pelo ex-ministro general Gonçalves Dias. Em resposta, a pasta disse que não comenta sobre investigações em curso relacionadas ao 8 de janeiro. A reportagem perguntou ao GSI se as determinações do protocolo foram cumpridas, além de não estar presente na elaboração do documento. No entanto, não houve resposta. O espaço segue em aberto para manifestações.
Sem convites
O general G. Dias, ex-ministro-chefe do GSI, argumentou, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da CLDF, que o órgão não foi convidado pela SSP para a elaboração do protocolo das manifestações do 8 de janeiro.
Na mesma oportunidade, o general respondeu sobre ter aparecido em imagens do circuito interno do Planalto durante os atos. O ex-GSI se justificou em uma carta aberta a todos os distritais, atribuindo a culpa da ausência da reunião à SSP. G. Dias ainda esclareceu que não foi conivente com os atos golpistas.
Antes, a subsecretária de Operações, coronel Cíntia Queiroz, disse que enviou os contatos ao GSI, mas que o órgão responsável pela defesa do Planalto não respondeu.
Leia na íntegra a defesa de G. Dias na CPI do DF.
"Senhoras deputadas, senhores deputados,
Sou General de Divisão do Exército Brasileiro. Concluí a Academia Militar das Agulhas Negras na arma da Infantaria em 1975. Possuo cursos de Forças Especiais, de Comandos, de Guerra na Selva, de Paraquedista, Aperfeiçoamento de Oficiais, Curso de Comando e Estado Maior, Curso de Política Estratégia e Alta Administração do Exército e de Segurança Presidencial.
Entre os anos de 2003 e 2010, coordenei a segurança da Presidência da República.
Em 2011, como General de Divisão, comandei a 6ª Região Militar em Salvador, na Bahia.
Em novembro de 2022, fui convidado para assumir o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República.
Tomei posse em 1º de janeiro de 2023. Pedi afastamento do posto em 19 de abril último. Saí por causa da divulgação imprecisa e desconexa de vídeos gravados no interior do Palácio do Planalto durante a invasão ao prédio, em 8 de janeiro de 2023. Naquele dia foram cometidas agressões impensáveis à Democracia brasileira.
Eu era ministro-chefe do GSI, cabia a mim preservar a sede do Poder Executivo, o Palácio do Planalto.
No dia 8 de janeiro, defendi o Palácio Presidencial no meio de um levante antidemocrático.
Para compreender os fatos daquele domingo é preciso voltar no tempo: sexta-feira, 6 de janeiro. Era o último dia útil da semana em que o presidente da República havia tomado posse sob um clima de brutal tensão de segurança. E tudo havia dado certo.
A posse presidencial, no dia 1º de janeiro, transcorreu dentro da normalidade. Foi uma festa democrática.
Entre os dias 2 e 6 de janeiro, alguns ministros tomaram posse em seus cargos, medidas provisórias foram enviadas ao Congresso Nacional, parlamentares, governadores, chefes de Estado e integrantes dos Três Poderes circularam normalmente por Brasília.
Não houve um único conflito de segurança capaz de chamar a atenção do público.
Permanecia, contudo, a situação embaraçosa dos acampamentos de partidários do ex-presidente diante do Quartel General do Exército: algo que não deveria ter sido permitido, e o foi.
O Governo que assumia herdou a situação. Ela era incômoda, ilegal. Seja no Governo, seja no comando das Forças Armadas e das forças federais de segurança, estávamos decididos a pôr fim àqueles acampamentos.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal realizou uma reunião no dia 6 de janeiro com diversos órgãos e setores encarregados da segurança e da prevenção de distúrbios na Esplanada, e não convidou o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência para se integrar. Isso é público, já foi dito e descrito em reportagens.
Dia 6, portanto, já me encaminhando para encerrar o expediente no Palácio do Planalto, telefonei para o diretor-adjunto da Abin, Agência Brasileira de Investigação, o senhor Saulo Moura da Cunha. Troquei ideias genéricas sobre a segurança palaciana. Não falamos de nenhum esquema especial para o dia 8 de janeiro, domingo, porque não havia nenhuma informação que nos indicasse que ocorreria o que ocorreu. Deixei o Palácio do Planalto por volta das 18h.
O Sistema Brasileiro de Inteligência, SISBIN, que tem a Abin como órgão central administrador, tinha como canal oficial utilizado para a transmissão de conhecimentos de inteligência entre a ABIN e demais órgãos uma ferramenta chamada “Correio SISBIN”. Ela não estava sendo usada porque a comunicação vinha sendo feita por alertas de whatsapp.
A Abin havia adotado um grupo de troca de mensagens no qual estavam o CIM, CIAER, CIE, Assessoria de Inteligência de Defesa do EMCFA e a DINT/SEOP/Ministério das Justiça.
A partir do dia 6 de janeiro, depois que a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal montou a Célula Integrada de Inteligência e Segurança Pública do Distrito Federal, CIISP-DF, os alertas migraram para lá.
Entre os dias 2 e 5 de janeiro os relatos difundidos para a Célula Integrada não apontavam para a espiral de violência ou depredações que ocorreu. Ao contrário: diziam que o movimento se esvaziava.
Às 16h30 do dia 6 de janeiro o alerta de atualização das manifestações registrou o seguinte: (abre aspas): “em Brasília, foram bloqueados os acessos da Avenida do Exército. O Exército realiza operações de redisposição da estrutura de acampamento junto a manifestantes, nas proximidades do QG do Exército e da Praça dos Cristais. Não foram identificadas manifestações em outros locais da Capital”.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal assegurava que tudo estava sob controle. Que ações especiais eram desnecessárias. Aquele era o cenário no momento em que deixei o expediente. As operações de plantão estavam montadas.
Sábado, 7 de janeiro: passei todo o dia em casa, com a minha família, em Brasília. Não recebi nenhum alerta dando conta de uma escalada de anormalidades. Presumo que o Sistema Integrado prosseguiu com seus alertas, difundidos para a Célula de Inteligência montada pela Segurança Pública do DF, mas insisto: os alertas não chegavam a mim pelos canais oficiais estabelecidos. Naquela primeira semana de Governo eu seguia usando meu aparelho celular pessoal e meu aplicativo pessoal de whatsapp.
Domingo, 8 de janeiro de 2023: passei a manhã em casa. Do meio para o fim da manhã, troquei informações telefone e por mensagens com a coronel Cíntia, da Polícia Militar do DF. Ela me disse que estava tudo calmo. Também entrei em contato com diretor-adjunto da Abin, Saulo. Ele expressava certa preocupação. Por volta das 14h, inquieto e preocupado, pois assistia pela TV de manifestações e elas não batiam com o clima de controle que me havia sido descrito, decidi ligar para o celular general Penteado. Era o meu secretário-executivo no GSI, general Carlos José Assumpção Penteado, que havia ocupado o mesmo cargo na gestão do meu antecessor, o Augusto Heleno. O general Penteado me disse que estava “tudo normal”. Que estava “tudo tranquilo”, e que eu não precisava ir ao Palácio do Planalto. Porém, permaneci inquieto. Decidi ir até o Palácio.
Deixei a minha casa na região do Jardim Botânico, peguei a descida da QI 23 do Lago Sul, atravessei a Ponte JK. O acesso à Via N1 fechado, bloqueado. Desviei para a Via N2. Deixei o meu carro num bolsão de estacionamento. Peguei um carro disponibilizado pelo Tenente Coronel Alex, com motorista do GSI. A viatura levou-me à cancela Leste do Palácio do Planalto. O general Penteado foi ao meu encontro. Perguntei a ele o porquê de o bloqueio da frente do Palácio do Planalto, que deveria ter sido feito pela Polícia Militar do Distrito Federal, não havia sido montado. Aquele era o bloqueio do Plano Escudo do Planalto e tinha de estar montado. Não estava. Inclusive, cobrei dele, com um palavrão, o motivo de o bloqueio do Plano Escudo não ter sido montado. O general Penteado, que não deu resposta à minha pergunta. Saiu para montar o bloqueio de proteção, porque dei-lhe a ordem. Avistei, em meio à confusão, o General Feitosa, Secretário de Segurança e Coordenação Presidencial, o Coronel Wanderly, Diretor Adjunto do Departamento de Segurança Presidencial, e o Coronel Garcia, Coordenador Geral de Segurança das Instalações. Liguei então para o General Dutra, General Gustavo Henrique Dutra, que era o Comandante Militar do Planalto. Pedi ao General Dutra que mandasse de imediato para o Palácio do Planalto todo o reforço que tinha em mãos.
Ao desligar com o General Dutra, olhei na direção da Rodoviária e vi manifestantes começando a descer a pista do Ministério da Justiça, que é uma rampa. Assisti ao último bloqueio da PM de Brasília ser rompido antes de os vândalos chegarem ao Planalto. Aquilo não podia ter acontecido.
Na reunião do dia 6 de janeiro, para a qual o GSI não foi convidado, estabeleceu-se o Plano de Apoio Integrado, PAI. Ele determinava que deveria haver bloqueio e revista dos manifestantes na altura do Buraco do Tatu, onde fica a Rodoviária do Plano Piloto, quando o Eixo Monumental deixa de ser uma via eminentemente dos Poderes de Brasília e passa a se tornar a Esplanada dos Ministérios e depois deságua na Praça dos Três Poderes.
O bloqueio do Buraco do Tatu foi feito, mas, a revista prevista para ocorrer lá, não foi feita. Os manifestantes romperam o cordão de isolamento da PM e impediram a revista. Deveria existir, depois dali um bloqueio total que impedisse o acesso à Alameda das Bandeiras e à Praça dos Três Poderes, e ele aparentemente não existiu, ou foi tênue e inexpressivo.
Vi os manifestantes descendo do Ministério da Justiça para o Palácio do Planalto. Ao ultrapassarem a área do Estacionamento Oeste do Planalto eles encontraram uma tropa pequena do Batalhão da Guarda Presidencial, mas furaram esse bloqueio. Na avenida em frente do Palácio, a resistência da Policia Militar foi vencida.
A partir de então, passaram a agir como se tivessem uma coordenação e atuaram como se fossem cercar o Palácio. Eu assisti a tudo isso no térreo do Palácio do Planalto. Claro que tive ímpetos de reagir, de confrontar. Contudo, readquirindo o autocontrole, concentrei-me na minha missão: não deixar que devassassem o núcleo central do poder palaciano, o gabinete do presidente da República, que fica no 3º andar.
Eu estava desarmado e à paisana. Havia saído de casa sem saber que tipo e situação encontraria e jamais esperei encontrar aquela situação “Morrer se preciso; matar, nunca!” era o lema do Marechal Cândido Rondon, um dos patronos do Exército Brasileiro. É meu lema.
Concentrei-me em retirar os vândalos do Palácio o mais rápido possível. De preferência, claro, sem baixas e sem confrontos sangrentos. Só havia uma forma de fazer aquilo: de cima para baixo. Dei esta ordem aos oficiais que estavam no Palácio.
Era preciso alcançar o 4º andar do Palácio, o último, e descer evacuando os manifestantes. Isso foi feito.
Quando subi do 2º para o 3º andar, numa sala de reuniões contígua ao gabinete presidencial, encontrei uma senhora, uma mulher mais jovem e um rapaz. A senhora estava assustada. A mulher, neutra. O rapaz estava profundamente alterado. Tivemos algumas altercações, evitei a violência e conduzi todos eles e mais alguns para o local de acesso à escada que os levaria ao 2º andar. Eu havia determinado que as prisões fossem feitas no 2º andar.
Cuidei pessoalmente de manter indevassado o gabinete da Presidência da República.
Preservamos todo o 4º andar, as salas do gabinete pessoal do Presidente da República e bloqueamos o acesso aos anexos do Palácio. E repito: sem nenhuma gota de sangue.
No Palácio, foram presos 182 invasores que estavam nos corredores. E foram presos a partir de minhas determinações.
Quando a minha ordem para que efetuassem prisões já tinha sido dada, o ministro Flávio Dino, da Justiça, telefonou-me e pediu que eu fosse ao Ministério encontrá-lo. Escoltado pelo Coronel Rogério, desci as escadas, passei pelo 2º andar, pelo térreo, pela garagem e alcancei a minha viatura. Pela via N2, dirigi-me ao Ministério da Justiça. Fui comunicado que o secretário-executivo dele, Ricardo Capelli, seria nomeado interventor da Segurança Pública do Distrito Federal. Ressalto: enquanto estávamos no Ministério da Justiça, as prisões já estavam ocorrendo no Palácio do Planalto. Esses são os fatos.
Restauramos o controle público e institucional da Ordem, sem nenhum confronto que tenha posto em risco vidas humanas – nem do nosso lado, nem do lado dos vândalos.
Fiz tudo o que estava ao meu alcance. Estou à disposição dessa Comissão."
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