Meio Ambiente

Monitoramento preserva ecossistema do Lago Paranoá

Ao contrário do que parece, não existe superpopulação de capivaras e jacarés na região do Paranoá. "O que vai definir o tamanho de uma população são os recursos disponíveis", destaca a pesquisadora Morgana Bruno, da Universidade Católica

Naum Giló
postado em 16/07/2023 03:55 / atualizado em 16/07/2023 07:20
De acordo com especialistas não 
há excesso de animais que vivem na orla do Lago Paranoá -  (crédito: Divulgação/Operações Lacustres/PMDF)
De acordo com especialistas não há excesso de animais que vivem na orla do Lago Paranoá - (crédito: Divulgação/Operações Lacustres/PMDF)

O Lago Paranoá, além de um espaço de lazer e esporte para o brasiliense, também é lar de centenas de espécies de animais silvestres e exóticos, muitos estão em contato direto com os visitantes da região. É preciso atenção a essas interações, que podem causar desequilíbrios e transmissão de zoonoses. Questionada pelo Correio, a Secretaria de Meio Ambiente e Proteção Animal do Distrito Federal (Sema) informa que coordena ações de monitoramento de populações de animais nativos e exóticos na região do corpo d'água. São programas que têm como objetivo produzir conhecimentos que subsidiam possíveis práticas de manejo e educação ambiental. 

Sobre ações de manejo, o Instituto Brasília Ambiental (Ibram) informou que emite autorização para essas práticas quando requisitado. Essas autorizações só são liberadas após a apresentação de estudo demonstrando a necessidade do procedimento, que deve ser executado por profissionais habilitados, vinculados às universidades e centros de pesquisas, que utilizam metodologias específicas relacionadas a cada estudo. 

Vida selvagem

O analista ambiental do Ibram, Thiago Silvestre, aponta que os monitoramentos são importantes porque o lago é um ecossistema vivo, que tem ligação com outros ecossistemas. "Apesar de ser artificial, é abastecido por outros cursos d'água, incluindo o córrego do Bananal, que nasce no Parque Nacional, onde há forte presença de vida selvagem, como capivaras, serpentes, jacarés-de-papo-amarelo, e é óbvio que esses animais vão chegar ao lago, onde há espaço para eles viverem", explica. 

Sobre os últimos monitoramentos, feitos em parceria com instituições científicas, Silvestre revela que o instituto tem obtido bons resultados. Um estudo concluído em maio de 2022 demonstrou que não há ocorrência de caramujos africanos na região. Outro, finalizado em outubro do mesmo ano, monitorou a presença de capivaras no lago e indicou que a população do roedor está estável. "A saída é a união entre a força da ciência e o Poder Público, para não ficarmos batendo cabeça em busca de soluções para eventuais problemas", destaca. 

Ainda sobre os monitoramentos, Silvestre explica que o trabalho é de suma importância para o levantamento de espécies e a criação de novas áreas de conservação. "Os monitoramentos podem ser provocados por entes externos, como o Ministério Público, por exemplo, ou feita como estratégia de conservação pelo Ibram. No momento, a demanda mais urgente é a conscientização da população sobre o contato com os animais silvestres e sobre o que é o manejo".   

Manejo 

A pesquisadora Morgana Bruno, da Universidade Católica de Brasília (UCB), ressalta que ações de manejos só são indicadas após a conclusão de estudos que comprovem a necessidade do trabalho. "O indicado é que tenha um monitoramento para observar as variações no ambiente. Também é recomendado quando há uma obra imobiliária, urbana ou algo que cause impacto e seja causa de desequilíbrio no sistema", pontua.

Contudo, Morgana destaca que a forma de fazer o manejo não envolve retirar o animal daquele local, matá-lo ou castrá-lo. "Existem ações indiretas mais recomendadas, eficientes e menos impactantes, como diminuir a quantidade da comida que os animais gostam naquela área", esclarece. 

A pesquisadora foi responsável pelo estudo de monitoramento sobre a população de capivaras que vivem no Lago Paranoá, mencionado por Thiago Silvestre. Diferentemente do que muitos acreditam, não há uma superpopulação desses animais na região, segundo o estudo "Identificação e monitoramento da população de capivaras da orla do lago Paranoá", solicitado pela Secretaria de Meio Ambiente e Proteção Animal do Distrito Federal (Sema).

Ela adianta que o termo "superpopulação" é antropocêntrico, não ecológico. "O que vai definir o tamanho de uma população são os recursos disponíveis. E existem mecanismos do próprio meio que vão fazer esse controle da quantidade de indivíduos, como parasitas, disputa entre os machos e a disponibilidade de espaço", explica Morgana.

Os jacarés que vivem no lago não são grandes o suficientes para predar uma capivara adulta. "Eles podem comer filhotes, mas não em uma escala suficiente para controlar as quantidade de capivaras naquele ambiente. Esses répteis costumam se alimentar mais de peixes", diz a pesquisadora.

Apesar da ausência de predadores, a bióloga descarta a possibilidade de um crescimento exagerado da população dos roedores. "Não há espaço e nem recursos para que a população cresça tanto. São animais que não gostam de lugares muito urbanizados e preferem locais mais limpos", detalha. De acordo com o estudo, a quantidade dos roedores no lago se mantém estável, oscilando de acordo com a época do ano, em que haverá variação na disponibilidade de alimentos.  

O integrante da associação civil A Vida no Cerrado (Avinc) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB), Vitor Sena, ressalta que o plano de manejo é o documento técnico que toda unidade de conservação tem que ter, no qual há os fundamentos dos objetivos gerais da unidade, estabelece zoneamento, normas do uso da água e da área e o uso de outros recursos naturais. "Importante lembrar que o Lago Paranoá é uma Área de Proteção Ambiental (APA) e tem um plano de manejo. No entanto, este não é necessariamente relacionado a animais silvestres, exóticos ou domésticos", pondera. 

Fauna

Das 67 espécies de peixes que vivem no Lago Paranoá, 15 são exóticas. Fora os peixes, também são conhecidas, na área do Lago Paranoá, 18 espécies de anfíbios, 13 de lagartos, três de cobra-de-duas-cabeças, 33 espécies serpentes, duas espécies de jacaré e cinco de tartarugas, totalizando 74 espécies, conforme os números fornecidos pelo Instituto Brasília Ambiental (Ibram). 

Para o grupo das aves foram registradas 71 espécies, sendo as mais comuns a garça-branca-grande, garça-branca-pequena, biguá, martim-pescador-grande ou matraca, marreca-de-pé-vermelho e garça-faceira. Ao todo foram registrados 52 mamíferos, entre elas lontra, capivara, cuíca-d'água e o rato-d'água. Nas margens semi-urbanizadas é possível encontrar mico-estrela, gambá-de-orelha-branca, pequenos roedores e morcegos de espécies frugívoras e nectarívoras.

A introdução de espécies exóticas no Lago Paranoá iniciou-se já no ano seguinte ao seu enchimento, segundo o Brasília Ambiental. Entre março e dezembro de 1960, foram lançados no reservatório um total de 145 mil tilápias do Congo (Tilapia rendalli), 6,5 mil black-bass (Micropterus salmoides); 7 mil bluegill (Lepomis macrochira); 5 mil mandi amarelo (bagre não identificado) e 12 reprodutores de piapara (espécie da Família Anostomidae - piaus).

Ao longo das décadas seguintes, o processo de inserção espécies exóticas continuou, com a introdução de carpas asiáticas; os amazônicos tucunaré, tamoatá e tambaqui; e os bluegills e black-bass, originários da América do Norte. O próprio instituto reconhece que os animais invasores (introduzidos no passado) podem trazer danos para a fauna nativa, uma vez que esse animais competem com as espécies silvestres nativas por espaço e alimentação, transmitem doenças, podem causar prejuízos em lavouras, provocar erosão e destruição de nascentes e da vegetação nativa e caçar ou ferir animais nativos.  

 

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