A cobertura vacinal contra o Papilomavírus Humano, conhecido como HPV, está abaixo da meta de 80% estabelecida pelo Ministério da Saúde. Em 2023, a primeira dose foi aplicada em 62,7% das meninas, de 9 a 14 anos, e em 33,7% dos meninos, de 11 a 14 anos. Muitos, ainda, não retornam para tomar a segunda dose da imunização. Entre as meninas, 56,6% tomaram a segunda dose; dentre os meninos o índice é ainda menor, de apenas 25,6%.
Para o ginecologista Nícolas Cayres, professor de medicina do Centro de Ensino Universitário de Brasília (Ceub), a falta de vacinação dos homens afeta diretamente as mulheres. "A partir do momento que esses homens não se vacinam, eles não estão protegidos. Eles podem ser portadores do vírus e passar posteriormente para uma parceira numa relação sexual", explica o especialista.
O profissional esclarece que, nas mulheres, o HPV pode trazer complicações como o câncer de colo do útero, o terceiro mais comum entre elas. Embora o vírus também possa ser responsável também pelo câncer de pênis, a sua incidência, comparado com enfermidade no sexo oposto, é baixa. "Em termos de políticas públicas, o maior motivo da recomendação para que os meninos se vacinem contra a HPV é proteger a mulher do aumento da incidência de câncer de colo do útero", diz o ginecologista.
Apesar de frequente, Nícolas garante que o câncer de colo uterino é completamente evitável, pois, o papanicolau preventivo diagnostica muito precocemente lesões pré-invasoras causadas pelo HPV no colo do útero. "Ou seja, lesões que ainda não se tornaram, mas têm potencial de se tornar um câncer, são completamente tratáveis, seja por procedimento simples ou cirúrgico que, muitas vezes, dependendo do grau da lesão, não vai implicar na retirada do útero, mas apenas de uma de uma parte mesmo da porção inferior do útero, que é o colo do útero", afirma.
Segundo o médico, a recomendação do ministério da Saúde é que as mulheres realizem esse exame a cada três anos, desde que ela tenha dois apontamentos anteriores normais. Se o resultado dos exames for "normal" por dois anos consecutivos, ela pode começar a fazer os testes uma vez a cada três anos.
Alyne Amorim, 40, é mãe de dois meninos de 10 e 12 anos, e menciona que ambos já foram vacinados contra o HPV. "Aqui em casa somos a favor da vacina e os meninos estão com o calendário em dia", relata. Para a moradora da Asa Norte, abordar a educação sexual é extremamente importante e diz não ter problema em falar abertamente com os seus filhos sobre isso. "Muito pelo contrário, queremos nossos filhos informados e saudáveis. Precisamos ensiná-los sobre o tema ou, então, aprenderão na rua, com colegas", comenta.
A família de Alyne é católica e, embora esse assunto possa ser um tabu, ela acredita na importância do diálogo, respeitando a linguagem adequada para cada um. "Sabemos que não será a vacina de HPV que fará com que meus filhos iniciem precocemente sua vida sexual", diz. "Sei que esse assunto pode ser tabu em muitas famílias, mas assim como eu não tive essa conversa com minha mãe, não quero que meus filhos cresçam achando que sexo é tabu ou algo proibido", completa.
A educação é o caminho
Alessandra Araújo Vieira, psicóloga clínica e sexóloga da Clínica Via Vitae, em Águas Claras, explica que, culturalmente, falar sobre doenças sexualmente transmissíveis ainda encontra barreiras. A baixa de vacinação está relacionada com a desinformação e a ausência de educação sexual.
Muitos pais, segundo a especialista, não se sentem à vontade a falar sobre o assunto e acreditam que orientar sobre sexo e prevenção não é uma função dos cuidadores. "Quando a criança chega para o adulto e pergunta o que é sexo, os pais ficam nervosos. A gente erotiza, muitas vezes, a pergunta da criança, porque nós estamos contaminados por essa erotização, por esse lugar que tudo que é sexual tem a ver com a relação sexual", diz.
Os motivos, segundo a sexóloga, podem envolver crenças culturais e religiosas enraizadas na sociedade e pregam a prática sexual como um pecado; as IST's (Infecções Sexualmente Transmissíveis), uma consequências de um ato inadequado, e até que falar sobre doenças com filhos estimularia uma "vida pornográfica".
Aline Sales, 42, disse que na época que surgiu a vacina, optou por não vacinar a sua filha mais velha, Júlia, de 17 anos, porque haviam sido relatados alguns efeitos colaterais. "A Júlia ainda era muito nova, fora que ela tinha pânico de agulha. Eu pensei na relação custo benefício da época", relata. Porém, alguns anos depois, Aline disse que uma amiga próxima teve câncer de colo de útero em razão do HPV, o que a fez mudar de ideia. "Depois disso, repensei minha decisão. Tanto que agora eu vou dar vacina na Júlia", contou.
A moradora do Setor Militar Urbano (SMU) afirma não ter dificuldades em abordar temas como saúde e educação sexual com a sua filha e, segundo ela, as primeiras dúvidas de Júlia sobre o assunto surgiram quando ela tinha cerca de 9 anos. Na época, ela comprou o livro "De onde viemos", que ajuda os pais a conversarem abertamente com os filhos. Para Aline, o caçula Rafael, de 5 anos, ainda é muito novo, mas conforme as suas dúvidas surgirem, não evitará as conversas com o pequeno.
Saiba Mais
Alessandra Vieira lamenta a visão de que a educação sexual é, necessariamente, associada a questões de gênero ou à prática sexual em si, pois considera um equívoco. Para ela, a educação sexual é sobre orientar a criança ou o adolescente a conhecer o próprio corpo, entender o que pode ser feito, onde pode ser tocado e beijado, de modo que auxilia não só a evitar doenças como o HPV, como também a identificar eventuais abusos sexuais.
"O nosso corpo é um ambiente onde a gente pode acolher, pode estimular, pode cuidar de uma forma carinhosa. Não é sujo, não somos pecadores e não cometemos erros por sentir algo que é, muitas vezes, biológico", completa a especialista.
*Estagiária sob a supervisão de Adriana Bernardes
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