Investigação

PF revela aviso a ex-número 2 de Torres sobre Esplanada às vésperas do 8/1

PF recomendou que SSP deixasse fechada a Esplanada para manifestantes. A pasta do DF, no entanto, afirmou que se trataria de uma "simples manifestação de cunho pacífico"

Pablo Giovanni
postado em 04/07/2023 15:54 / atualizado em 04/07/2023 16:07
 (crédito: Rinaldo Morelli/CLDF)
(crédito: Rinaldo Morelli/CLDF)

Um ofício da Polícia Federal expôs, de maneira indireta, uma suposta omissão do ex-secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), Fernando de Sousa Oliveira, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa (CLDF). O documento traz que o então interino preferiu deixar a Esplanada dos Ministérios aberta nos atos de 8 de janeiro, não seguindo uma recomendação da PF.

O ofício foi elaborado pela Diretoria de Inteligência da PF respondendo aos esclarecimentos solicitados pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro. O diretor-geral da corporação, Andrei Rodrigues, contou que a corporação pediu uma reunião urgente com a SSP-DF no dia 7 de janeiro, a fim de revelar que a PF havia identificado a mobilização de pessoas indo a Brasília.

No encontro, estava a subsecretária de operações, coronel Cíntia Queiroz e Fernando, que ocupava o cargo de secretário interino na ausência de Torres. Andrei teria externado a preocupação da PF porque o movimento golpista teria o objetivo de “ocupar a Esplanada dos Ministérios e contestar o resultado das urnas eleitorais”. Como solução, o diretor-geral solicitou providências, como o isolamento da Esplanada.

A resposta teria vindo de uma maneira contrária ao que foi sugerido, com os integrantes da SSP-DF dizendo que se trataria de uma “simples manifestação de cunho pacífico”, sem necessidade de fechamento. Com a negativa, Andrei redigiu uma minuta de ofício encaminhada ao ministro da Justiça, Flávio Dino, com o relato do cenário crítico que se apresentava e dos possíveis acontecimentos que poderiam advir. O documento elaborado por Dino foi despachado no mesmo dia para o governador Ibaneis Rocha (MDB).

Conforme confeccionado um dia antes, em 6 de janeiro, o Protocolo de Ações Integradas (PAI) daquele final de semana determinava que veículos e caminhões não poderiam adentrar na Esplanada, assim como manifestantes não poderiam chegar até a Praça dos Três Poderes.

No documento, por exemplo, exemplifica que “caso haja a presença de manifestantes no Distrito Federal, poderá ser acionado o fechamento da Esplanada dos Ministérios, mediante acionamento da SSP”. Apesar desse ponto essencial, a Esplanada esteve aberta para manifestantes nos atos de 8 de janeiro e os bloqueios da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) foram facilmente obstruídos pelos bolsonaristas.

Em um memorando entregue à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa (CLDF), e que o Correio teve acesso, Fernando Oliveira detalha quase todos os momentos em que antecederam e sucederam o 8 de janeiro, mas omite a sugestão da PF em fechar a Esplanada — a palavra "Esplanada" foi citada 18 vezes. No documento, a defesa do ex-número 2 da SSP diz que Fernando se reuniu, de fato, com integrantes do Ministério da Justiça — PF é subordinada ao MJSP —, mas não explica qual foi o cunho do encontro.

“Durante o sábado e domingo, dias 7 e 8 de janeiro, diligenciou de forma ativa, ora por meio de reuniões com integrantes do Ministério da Justiça e SSPDF, ora se reportando sobre o andamento da operação ao governador Ibaneis Rocha e ao ex-secretário Anderson Torres, e solicitando as forças policiais nos grupos de inteligência a real situação da execução do plano operacional”, cita.

O início dos trabalhos dos distritais era de tentar ligar crimes a Anderson Torres. Mesmo questionado pelos distritais sobre a situação da Esplanada, Oliveira, em nenhum momento em que cita a Esplanada, por 22 vezes, menciona a sugestão da PF. O depoimento dele na CPI da CLDF durou mais de 3 horas.

Já que a CPI avançou em outros pontos e o central, agora, é encontrar quem mandou abrir a Esplanada, não é descartada uma nova reconvocação do ex-secretário-executivo.

Memorial

No memorial de 25 páginas, os representantes do ex-secretário apresentam informações e conversas pelo WhatsApp do ex-número 2 da pasta, nos momentos que antecederam e sucederam os atos extremistas de 8 de janeiro. 

O documento mostra que Fernando só soube que o então secretário Anderson Torres viajaria para os Estados Unidos em 5 de janeiro. Ele também apresentou mensagens trocadas em um grupo relatando que a PMDF empregaria um efetivo de 600 policiais.

Os advogados de Oliveira, que também é delegado federal, citam no documento enviado à CPI dos Atos Antidemocráticos que ele não era secretário titular da pasta no dia 8, destinando, assim, a responsabilidade da falta de comando da SSP a Anderson Torres.

"Note-se que nos dias 7 e 8 de janeiro o peticionante se reporta constantemente ao ex-secretário Anderson Torres, por meio de mensagens e áudios, sobre o andamento da operação, o que demostra que, apesar de estar em viagem, o mesmo estava no comando da secretaria", diz trecho do memorial.

No documento, os representantes do delegado reforçam que Fernando foi incluído em dois grupos de WhatsApp após assumir a função de secretário-executivo: "Perímetros de segurança" e "Difusão, que participavam integrantes da segurança, como Torres; o então comandante-geral da PMDF, Fábio Augusto Vieira; oficiais e praças da PMDF; delegados e agentes da PCDF; policiais legislativos e judiciais; e agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Em troca de mensagens em um desses grupos, integrantes da PMDF repassaram dados relatando tranquilidade na Esplanada no dia 8.

"A informação que tenho é que está tranquilo até agora", diz o coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, ex-comandante do 1º Comando de Policiamento Regional (1º CPR), às 3h01. "Temos um bom efetivo na Esplanada desde às 7h e vai aumentando no decorrer da manhã e do dia", reiterou o oficial, já na manhã do dia 8. Vídeos e fotos de monitoramento por meio de câmeras de segurança também foram anexadas pelos oficiais da PM. Em um deles, às 12h53, a Esplanada estava ocupada por bolsonaristas, mas em uma quantidade bem menor.

Já em uma troca de mensagens pelo privado com a subsecretária de operações, coronel Cintia Queiroz, Fernando cobra relatório da "última parcial" para ele enviar ao governador, na noite de 7 de janeiro. Às 5h49, de 8 de janeiro, a oficial encaminha uma mensagem informando a chegada de 87 ônibus com manifestantes, além do número das placas. Pouco depois, a coronel detalha a Fernando que haverá um grande efetivo. "A PMDF empregará um efetivo de 600 policiais militares, temos ainda o efetivo do DETRAN, CBMDF, DER, DFLEGAL", relata.

No diálogo com a coronel Cintia, ela detalha que a tendência é que o acampamento de bolsonaristas aumente, "com a anuência do Exército". "Doutor, o efetivo a ser empregado pela PMDF está maior que o costumamos empregar", sinalizou. De acordo com Fernando, essas mensagens eram repassadas ao governador Ibaneis Rocha (MDB) por meio de relatórios que ele encaminhava em áudios.

Após o boletim enviado ao governador, ainda na manhã do dia 8, novas mensagens sobre o monitoramento da Esplanada foram reproduzidas no grupo. No memorial, mostra que integrantes da segurança pública relatam que a situação era tranquila na parte da manhã, e que haveria uma caminhada pacífica de manifestantes para a Esplanada por volta das 13h de 8 de janeiro e, mesmo com manifestantes no gramado central, a situação era tranquila. Essa manifestação, segundo a defesa do delegado federal, era "previsto no planejamento" do Protocolo de Ações Integradas (PAI).

Toda essa movimentação levada à Oliveira teria embasado o polêmico áudio dele enviado a Ibaneis sobre a situação da Esplanada, às 13h23.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação