Educação

'Chicão' dá a volta por cima, com entrada de alunos na UnB

Centro Educacional São Francisco, em São Sebastião, que ficou marcado por episódios de violência, agora comemora a aprovação de 15 estudantes na maior universidade do Centro-Oeste

Naum Giló
postado em 01/07/2023 03:55
Comprometimento da comunidade escolar tirou do CED estigma de lugar violento para destacar o preparo dos alunos para o 3o grau -  (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
Comprometimento da comunidade escolar tirou do CED estigma de lugar violento para destacar o preparo dos alunos para o 3o grau - (crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

Ao entrar no Centro Educacional (CED) São Francisco, em São Sebastião, o visitante se depara com arte em diversas partes, além de canteiros com plantas bem cuidados e um ambiente amplo e bem iluminado. Apesar de ser um lugar agradável, a escola já foi destaque nos noticiários por motivos menos nobres: casos de violência que causaram medo em toda a comunidade escolar. Agora, o Chicão, como é popularmente conhecido, comemora a volta por cima e prova que esses episódios não foram definidores do destino dos jovens que lá estudam. Mesmo com os desafios comuns à rede pública de ensino, o Centro teve, este ano, 15 aprovados para a Universidade de Brasília (UnB) — a mais bem renomada do Distrito Federal e uma das melhores do país. O sentimento de alunos e professores é de missão cumprida.

Thalyta Mylena Prado Rodrigues, 18 anos, conta que gosta de cuidar, por isso escolheu a carreira de enfermeira. Apoiada no mote "foguete não dá ré", ela lembra da rotina exaustiva de estudos para ter a oportunidade de fazer parte do quadro de alunos da UnB. "Pela manhã, vinha para as aulas no Chicão. À tarde, estudava das 14h às 20h em casa", conta a futura profissional da enfermagem, que fez grande uso de materiais fornecidos pela escola e das dicas dadas pelos docentes.

Thalyta quis desistir, mas foi incentivada pelos professores e hoje se prepara para ser enfermeira
Thalyta chegou a pensar em desistir, mas foi muito incentivada pelos professores e hoje se prepara para ser enfermeira (foto: Ed Alves/CB/DA.Press)

Dificuldades

A jovem confessa que chegou a pensar em desistir, possibilidade que não era admitida pelos professores, os seus grandes incentivadores. "Era muito difícil. Não pensava na UnB como um lugar possível para mim, só para gente mais rica. O contato com a arte também nos ajudou a estudar o conteúdo com leveza, como na Semana das Artes Modernas e na ação Chica de Ouro, com exibição de filmes criados por nós, alunos", lembra Thalyta.

Sem o Chicão, a conquista não teria sido possível para Luiz Fernando dos Santos Ribeiro, 18, aprovado em licenciatura em educação física, conforme ele afirma. O calouro diz ser muito grato aos professores que o ajudaram na jornada rumo à aprovação. "Desde o fundamental tive apego pela disciplina e pelos professores que me inspiraram, inclusive aqui, onde comecei a estudar no 1º ano", relata o jovem, que pretende ingressar no magistério.

Primeiros da família

Ytalo Natã, 18, é outro que comemora. Aprovado em administração, ele e o irmão, que é aluno de ciência política, são os primeiros de toda a família a entrar na UnB. "Quando meu irmão me levou para conhecer a universidade, foi paixão à primeira vista e ingressar na instituição virou uma meta de vida", revela Ytalo, que contrariou algumas expectativas com o êxito. "Minha mãe é doente, tem esclerose múltipla, e eu e meu irmão sempre fomos desacreditados pelos familiares. Agora somos os primeiros a entrar na UnB. Parece que o jogo virou", orgulha-se.

  • Ytalo e o irmão são os primeiros de toda a família aprovados para a UnB."Meta de vida", diz Ed Alves/CB/DA.Press
  • 28/06/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Alunos aprovados no Vestibular da UnB. Escola Chicão - Em São Sebastião. Ed Alves/CB/DA.Press
  • Thalyta quis desistir, mas foi incentivada pelos professores e hoje se prepara para ser enfermeira Ed Alves/CB/DA.Press
  • Para o diretor da escola, Matheus Costa, "sentimento é de missão cumprida" Ed Alves/CB/DA.Press
  • 28/06/2023 Credito: Ed Alves/CB/DA.Press. Cidades. Alunos aprovados no Vestibular da UnB. Escola Chicão - Em São Sebastião. Ed Alves/CB/DA.Press
  • Professor e doutorando, Victor Hugo ressalta o trabalho de Darcy Ribeiro na UnB Fotos: Ed Alves/CB/DA.Press

Carlos Henrique Silva Santana, 18, já está frequentando as aulas no campus Darcy Ribeiro desde o início do ano, no curso de educação física, e está muito satisfeito com a experiência na universidade. "A cultura é muito valorizada na UnB. Dentro de sala de aula os professores são muito qualificados, com conteúdos mais aprofundados. São coisas que eu nunca tinha experimentado antes", analisa o egresso do Chicão. "Agora, cada passo que eu der vai determinar o meu futuro", acrescenta.

Realização

O sucesso de Thalyta, Luiz Fernando, Ytalo, Carlos e dos demais aprovados na Universidade de Brasília também é uma realização para os professores e para a direção da escola que teve o estigma da violência marcado na sua história. Matheus Costa, diretor do Chicão, ressalta o trabalho desempenhado para atingir os bons resultados. "Desde sempre, esta é uma escola que valoriza muito o protagonismo dos estudantes, a arte e a cultura. Isso tem ajudado os alunos a focar num objetivo principal que é estudar, passar no vestibular ou tocar outros projetos importantes para a vida deles", detalha.

A sensação, segundo Matheus, é de realização. "É preciso fazer com que todos os alunos da rede pública vejam a ascensão para o ensino superior como algo possível. Para os alunos das periferias, que são mais expostos às vulnerabilidades sociais, essa perspectiva é ainda mais difícil", avalia.

Potencial 

Professor de história, Lucas Barbosa, estreou no ensino público ano passado, o que, de acordo com ele, torna as conquistas mais significativas. "Cheguei formando esses alunos, realizando os sonhos deles e o meu. Enfrentamos muitas dificuldades o ano inteiro, por isso esses momentos fazem a gente querer continuar com o trabalho de educar", comemora. Elon de Freitas, professor de química, destaca que as aprovações são resultado dos esforços de toda a instituição. "Aprovar os estudantes no vestibular não é a única função da escola, mas é gratificante. Ainda são poucos os alunos aprovados em relação ao que desejamos, mas esse número mostra o potencial que tem a escola pública", aponta.

Victor Hugo Leite, professor de artes e ele próprio aluno de doutorado da UnB, evoca Darcy Ribeiro, fundador da universidade, por ter contribuído para que o país tivesse uma instituição "com os pés na sociedade". "Para os estudantes da periferia, a UnB ainda é um lugar difícil de chegar. Para muitos não é sequer cogitada a possibilidade de chegar lá. O nosso esforço é que ela seja real. Eu quero que a UnB seja uma utopia real e possível, inclusive para aqueles que nem mesmo podem pensar em utopia", anseia.

 


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