A correria contra o tempo, os engarrafamentos, a falta de vagas para estacionar, problemas do dia a dia que precisam ser resolvidos com urgência. A vida do motorista brasiliense no trânsito da capital federal leva ao estresse e ao cometimento de infrações. Somadas às irresponsabilidades, como beber e dirigir, conduzir acima da velocidade ou, ainda, falando ao celular, elas contribuem para um cenário de banalização na aplicação de multas se tornou a regra do cotidiano local, de acordo com especialistas.
Segundo levantamento do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF), de janeiro a maio deste ano, as infrações mais flagradas no DF foram: exceder o limite de velocidade, transitar em faixa exclusiva, estacionar em local proibido, usar o celular ao volante, avanço de semáforo, deixar de usar o cinto de segurança e alcoolemia — com destaque para os dois primeiros itens que, em comparação ao mesmo período do ano passado, praticamente dobraram.
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A percepção de que não serão pegos praticando infrações de trânsito é algo que pode induzir os motoristas a realizarem esses pequenos delitos, como explica o professor de engenharia civil do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Luango Ahualli. “Isso indica que é necessário repensar a forma como nossos condutores são preparados, buscando conscientizá-los sobre as consequências e os riscos envolvidos na prática de infrações no trânsito”, propõe.
O especialista avalia que o trânsito é composto por uma diversidade de usuários, e a via deve ser preparada para acomodá-la. “Respeitar as leis de trânsito é uma forma de respeitar esse pensamento coletivo. Afinal, interrupções e obstruções na fluidez da via não trazem benefícios para ninguém”, salienta. Para o professor, a educação é o caminho para um melhor cenário no trânsito, mas entende que as punições financeiras têm um impacto imediato. “Uma combinação de educação e fiscalização adequada, incluindo a aplicação de multas, pode ser uma abordagem mais eficaz para promover um comportamento responsável no trânsito”, destaca.
Rodando as vias do DF diariamente com seu veículo, Christopher Machado, 24 anos, é motorista de aplicativo e conta que durante a rotina de trabalho acaba cometendo algumas infrações de trânsito. “Tem momentos que pego o celular para ver notificações, questão de semáforo apagado. Às vezes estamos conversando com o passageiro e algumas coisas passam desapercebidas”, ressalta. O morador de Ceilândia diz que o trânsito intenso do Distrito Federal pode influenciar as pessoas a buscarem tirar vantagem, “Você acaba vendo as pessoas passando pelo acostamento, ou vias exclusivas. Isso é normal”, comenta.
Desgaste mental
Segundo a coordenadora do curso de psicologia do Centro Universitário IESB, Graziela Furtado Scarpelli Ferreira, a exposição a longos períodos “preso” em determinadas situações, tende a diminuir a capacidade do indivíduo a reagir ao contexto no qual está inserido. “Ficar preso no trânsito por muitas horas pode ser tão desgastante, que qualquer ‘brecha’ para escapar daquela situação pode ser tomada sem uma avaliação adequada dos nossos estados de consciência”, frisa.
A especialista esclarece que a melhor forma de manutenção da atenção no trânsito é ter um bom equilíbrio na vida. “Para se ter comportamentos de atenção, é preciso que o motorista esteja com seu ciclo circadiano funcionando bem (durma bem e esteja descansado), que também esteja com o corpo em equilíbrio (fazendo atividade física e se alimentando bem)”, atesta.
Enfrentando longos engarrafamentos durante a ida e volta do trabalho, Rafaeli Ferreira, 32, comenta que, recentemente, recebeu três multas por usar o celular ao volante, e uma por estar sem cinto. “Muito disso pelo trabalho. No engarrafamento, tem as mensagens que não podem ser respondidas depois. Aí mexo no celular e a multa vem”, justifica. A moradora de Águas Lindas (GO) não esconde que o trânsito pesado faz as pessoas usarem o acostamento e vias exclusivas para chegar mais rápido ao seu destino. “Na via Estrutural, desde que começaram as obras, está terrível. Eu não vou mentir, não vou ficar uma, duas horas no engarrafamento sendo que tem um espaço ali para aproveitar”, confessa.
Graziela Furtado destaca que o cansaço pode ser um dos inimigos dos motoristas. “Isso porque reduzimos nossa capacidade de reagir aos estímulos ou alteramos nosso tempo de reação (ficamos mais lentos) quando estamos cansados”, explica. A psicóloga avalia que uma pessoa cansada pode assumir riscos que se estivesse em seu estado funcional adequado não os assumiria. “O mal julgamento de uma área cerebral chamada de pré-frontal em função do cansaço, pode ser um fator relevante nas infrações cometidas pelos motoristas. Para termos atenção ao volante precisamos de que essas áreas cerebrais estejam funcionando bem”, ressalta.
Se auto denominando “o rei das multas”, Matheus Henrique, 25, trabalha de motoboy há seis anos. Ele detalha que suas infrações são cometidas por dividir sua atenção com celular. “A última que tomei foi no Setor Comercial Sul, por atravessar de uma faixa para a outra. Nós motoboys acabamos cortando caminho por causa do tempo”, explica. O morador de São Sebastião diz que são diversas situações no qual tomou advertências, e a grande maioria por causa de seu trabalho. “Algumas são por passar acima da velocidade da via, mas tem também a não sinalização, ou pardais que instalaram recentemente e não conhecemos”, revela.
Impunidade
Para o presidente do Instituto Brasileiro de Segurança no Trânsito (IST), David Duarte, as pessoas que cometem infrações de trânsito no Brasil têm a certeza da impunidade. “O Código de Trânsito Brasileiro é muito ruim. Ele é excessivamente rigoroso, mas não tem fiscalização”, pondera. O especialista expõe que, em Brasília, 200 mil pessoas bebem e dirigem a cada fim de semana, mas que dificilmente todas são responsabilizadas pelos seus atos. “Você tem muitas fontes de distrações, celular é uma delas. Quando você mexe no celular, ao dirigir a 60 km/h, em um segundo você anda dezessete metros, ou seja, em seis segundos você anda cem metros às cegas”, alega.
David Duarte alerta que é necessário uma mudança na legislação brasileira, uma vez que cada dia mais pessoas são multadas. Todavia o problema não é resolvido. “Nossa legislação é extremamente rígida, mas também muito desobedecida. É preciso se inspirar nas leis da Europa, onde as regras são seguidas”, ressalta.
Luango Ahualli diz que pode ser frustrante para as pessoas que seguem corretamente as leis de trânsito observarem delitos como o uso indevido do acostamento para fugir de engarrafamentos. “Essas atitudes podem influenciar outras pessoas a adotarem comportamentos semelhantes, criando um efeito de “manada”. Para lidar com essa situação, é essencial que haja uma combinação de fiscalização rigorosa, aplicação de multas e campanhas educativas”, indica.
O professor especialista em trânsito pontua a necessidade de conscientizar os condutores sobre os impactos negativos dessas infrações, que são cometidas no dia a dia, em virtude de posteriormente pode acarretar grandes acidentes. “É necessário destacar a importância do respeito mútuo e da responsabilidade individual para garantir a segurança viária coletiva”, acredita.
*Estagiário sob a supervisão de Suzano Almeida
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