Trânsito

Carros com 10 anos ou mais de uso são maioria no Distrito Federal

Dados do Detran-DF mostram que 62% da frota total de veículos tem 10 anos ou mais de uso. Automóveis com mais tempo de uso também estão em alta no mercado. Especialistas alertam para manutenção anual e riscos para a segurança

Pedro Marra
postado em 14/07/2023 06:00
Josenilton Firmino da Silva, 49, comprou um Escort Hobby de 1985 e faz revisões semanais -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Josenilton Firmino da Silva, 49, comprou um Escort Hobby de 1985 e faz revisões semanais - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)

O Distrito Federal está com 1,2 milhão de automóveis com 10 anos ou mais de uso, o que representa 62% da frota total em circulação na capital do país, de quase 2 milhões. Os dados referentes ao primeiro trimestre deste ano são do Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF), obtidos pelo Correio por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Esse percentual preocupa autoridades e especialistas, que veem nesses veículos riscos para a mobilidade urbana e até para a saúde pública.

Desde 2012, a comerciante Ângela Rodrigues Barcelos, 64 anos, dirige um Gol VW branco, veículo que faz parte dos mais de 887 mil automóveis com 10 anos ou mais de circulação pelo DF. Para evitar problemas nas pistas, ela faz manutenção anual do veículo e clama por uma linha do metrô vindo do Gama, passando pelo Riacho Fundo 1, onde mora, para desembarcar no Núcleo Bandeirante, onde trabalha. "Seria excelente, porque o engarrafamento na Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB) é intenso. Demoro quase uma hora para chegar na minha lanchonete", desabafa.

Aos domingos, ela costuma ir de carro com a filha ao Plano Piloto para passear, mas encontra um empecilho rotineiro para os moradores do DF: poucas vagas em estacionamento. "Deveria ter uma reformulação geral do metrô, pois é inviável ter locomoção facilitada pelo transporte público", desabafa.

Professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli cita que outros impeditivos para compra de veículos novos se deve à população de baixa renda não ter condições de comprar esses automóveis e de evitar o uso de transporte coletivo em más condições. "Quando o carro vai para manutenção, essas pessoas gastam muito e à medida que o veículo vai ficando mais velho, o preço cai e os custos aumentam", avalia.

O especialista se compadece com a rotina de passageiros que pegam ônibus e costumam perder a condução ou enfrentam congestionamento no caminho para o trabalho e na volta para casa. "Acho que existe um problema grande com a frota de veículos das empresas de ônibus, no sistema de transporte público no DF e Entorno de péssima qualidade, pois quebram, não são limpos, confortáveis e estão sempre cheios", analisa Piscitelli.

Por outro lado, há condutores que evitam o pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) por terem mais de 15 anos de fabricação. É o caso do Ford Escort Hobby vermelho de 1985, comprado em junho de 2022 por Josenilton Firmino da Silva, 49, que trabalha como lanterneiro na Candangolândia. Ele brinca que o veículo é o "carro do corre" para carregar peças, mas não deixa de fazer as manutenções constantes. "Nesse, coloquei para-choque traseiro e dianteiro, estou renovando a pintura. Na próxima semana, vou trocar a lanternagem", detalha.

Morador do Riacho Fundo 1, Josenilton trafega pela Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB) para chegar em casa, percurso no qual o Escort jamais apresentou problemas mecânicos. "Carro velho não pode ter barulho. Tenho que chegar de manhã, dar a partida normalmente. Na semana passada, ele estava com a roda direita da frente torta e mandei fazer o alinhamento no mesmo dia", diz.

  • Marcelo Ferreira/CB/D.A Press
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  • Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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  • Ed Alves/CB/DA.Press

Venda de carros velhos

A venda de carros com nove a 12 anos de uso aumentou 5,7% no DF em abril deste ano em comparação com o mesmo período de 2022, com alta de 3,9 mil para 4,1 mil veículos comercializados. Os dados são da Associação das Empresas Revendedoras de Veículos do Distrito Federal (Agenciauto-DF), que registra uma média de carros com 10 anos de uso. 

Segundo o presidente da Agenciauto, José Rodrigues Neto, essa prática de manter veículos antigos em circulação é comum no DF, pois o modelo mais novo é caro para o bolso desse público. "Existe o processo de revenda de carros usados, pois, hoje em dia, o custo de aquisição de um carro novo é muito alto, e as pessoas acabam preferindo continuar com um carro antigo. Sempre fazem uma manutenção adequada para deixar o veículo em boas condições", diz.

Um exemplo é a Chevrolet Brasil cinza, de 1962, comprada há oito anos pelo mecânico da Candangolândia Eduardo Ximenes, 37, que usa o automotor para passear com a esposa aos fins de semana, no Parque da Cidade. Assim como o carro de Josenilton, a caminhonete de Eduardo é um dos quase 187 mil veículos com 30 anos ou mais de circulação pelas vias do DF, 9% da frota total.

O dono da oficina brinca que, apesar de a pintura não aparentar boas condições da estrutura, ele faz manutenção a cada quatro meses, como troca de óleo e de peças do motor. "Como a manutenção dele é esporádica, cuido bem porque tenho um valor sentimental por gostar de carro antigo. Mas todos os carros precisam de manutenção, embora o carro antigo seja mais rústico e tenha mais tempo de uso no trânsito", aconselha o mecânico.

Crescimento da frota de carros novos

Os engarrafamentos nas vias do DF mostram consequências do aumento de 1,92 milhão para 1,97 milhão de veículos em circulação nas pistas. Os números representam alta de 2% na frota do primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período de 2022. Os dados do Detran indicam um carro por condutor na capital, que passa de 1,7 milhão de condutores. Especialistas alegam que a crescente alta de veículos desde 2013 também aumenta a emissão de gás carbônico e o risco de acidentes.

Para o professor de transportes de engenharia civil da Universidade Católica de Brasília (UCB) Edson Benício, o investimento em obras para transporte individual, como viadutos do Corredor Eixo Oeste, mostra que o aumento médio de 3,1 pontos percentuais da frota de veículos na última década justifica a desconfiança da população no transporte coletivo. “Deixa de ser atrativo aos usuários, que migram para outro modal, de veículos leves individuais porque atende a questão de tempo e destino final”, opina. “As obras do governo são voltadas para o transporte individual, como os vários viadutos sendo construídos no DF. Se olhar, são obras importantes, mas estão beneficiando o veículo, mas sem investimento apenas em transporte coletivo”, analisa o professor de transportes.

De acordo com o porta-voz do Detran-DF, Glauber Peixoto, essa alta constante na frota de veículos e de condutores tem um acréscimo dos veículos que vêm de cidades goianas do Entorno, que, junto aos da capital federal, totalizam mais de 2 milhões de automóveis em circulação diariamente na capital federal. “Grandes centros urbanos precisam da necessidade de transporte público coletivo de passageiros, que é o melhor caminho para se evitar veículos com dificuldade em achar vaga”, avalia o servidor.

Glauber alerta que veículos em mau estado de conservação dos pneus, suspensão, sistema de iluminação e frenagem, por exemplo, podem causar problemas para o funcionamento do trânsito. "Eles podem trazer transtornos para o trânsito, como quebrar no meio da via, faltar freio e atrapalhar mudanças de direção, principalmente em situações que precisa-se tomar decisões rápidas. Isso tudo acaba causando risco de acidentes", completa.

Motocicletas

Entre os veículos, a alta de 237 mil para 250 mil motocicletas foi outro índice marcante no primeiro trimestre de 2022 para o mesmo período deste ano, que representou aumento de 5,8%. Para a doutora em transportes pela UnB Adriana Modesto, a alta se deve possivelmente à economia de combustível, praticidade na locomoção de moradores do Entorno ao centro de Brasília e necessidade dos entregadores de transporte por aplicativo comprarem o veículo.

“A maior prevalência de sinistros acomete jovens do gênero masculinos e motociclistas. A Política Nacional de Mobilidade Urbana incentiva para que sejam fomentados transportes públicos coletivos e modos sustentáveis. As motocicletas estão longe disso", lamenta a docente. Entre todas as 47 mortes de trânsito no primeiro trimestre de 2023, no DF, a maioria é de motociclistas: 15. Na quantidade total, houve uma queda de 27% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o Detran calculou 65 óbitos.

Semob

Por meio de nota, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) destaca que, entre as ações em andamento para melhorar a mobilidade, estão as constantes criações, ampliações e reativações de linhas de ônibus, além da inserção do sistema de ônibus com porta dos dois lados, que passou a valer em janeiro de 2020. “Foram realizadas 189 intervenções entre reativação, criação de linhas, aumento de viagens, alteração de rotas”, destacou. A pasta diz que construiu dois novos terminais para passageiros em Sobradinho e Santa Maria, e outro, em Brazlândia, foi reformado. Atualmente, outros três estão em construção no Sol Nascente, Varjão e no Itapoã.

Para quem anda de bicicleta, a Semob adianta que, em 2023, iniciou os processos de licitação de 105 km de ciclovias para diversas regiões, como Samambaia Norte, Planaltina, Octogonal/Sudoeste e Samambaia/Taguatinga. A Semob detalha que os editais estão sendo elaborados e as obras estão previstas para serem realizadas em 2023. "Cabe destacar que há o sistema de bicicletas compartilhadas, que conta com 70 estações e 530 bikes à disposição dos usuários”, comunica.

Sobre os estacionamentos pagos, a pasta comenta que o projeto Zona Verde também pretende funcionar como um estímulo ao uso do transporte público prevendo, inclusive, áreas com bolsões integrados aos coletivos, com isenção de cobrança ao usuário que deixar o veículo estacionado nos bolsões e usar o ônibus ou o metrô.

Colaborou Arthur de Souza

 

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