A ideia de que o envelhecimento é sinônimo de vida pacata ficou no passado. A idade não é um obstáculo para alcançar metas e realizar sonhos. Na capital do país, muitos idosos vivem na ativa e não abrem mão de trabalhar, estudar, viajar, praticar esporte. O Correio ouviu histórias de pessoas que vivem cada dia com alegria e intensidade, apesar do etarismo — preconceito que se baseia na discriminação e estereotipamento com base na idade, que priva o aproveitamento e a riqueza das histórias e lições de vida que cada geração tem a oferecer.
Não há limite de idade para se reinventar e descobrir novas paixões. Maria Aldisa Anselmo, 82, servidora pública aposentada, sempre foi fascinada por viagens. A idade nunca a impediu de realizar sonhos e curtir a vida. "Quando a gente trabalha, tem sempre muitas obrigações. Quando para, acaba ficando muito sozinho, sem ter o que fazer. Senti que as viagens eram um jeito de ocupar meu tempo e aproveitar a vida, é claro. Qualquer dia que eu quero viajar, pego minhas coisas e vou. Me sinto viva sendo tão ativa. Quero conhecer o resto do mundo, quero aproveitar, sair de noite, sair pra jantar, tomar meu vinho. Se eu quero fazer alguma coisa, vou lá e faço", conta.
Vinda de uma família pobre, Maria Aldisa começou a trabalhar aos 14 anos e passou por necessidades. Quando conseguiu um emprego, com um salário melhor, as viagens passaram a ser constantes. "Quando eu trabalhava também viajava, mas só nas férias, semana santa, feriados. Depois que eu me aposentei, foi que eu senti mais ainda que eu era livre. Eu não tinha mais compromisso com ninguém, não tinha compromisso com homem, nunca casei, não tive filhos. Então comecei a sair mais, sempre na companhia das minhas amigas, aposentadas também, sem filhos, elas têm 60, 70 anos, por aí", revela.
Vida em movimento
Com o astral sempre nas alturas, Jozie Maranhão, 64, não gosta de ficar parada. "Estudo, trabalho, faço pintura em tela, participo de um grupo que faz enxovais para bebês de mães carentes. Qualquer atividade que aparece eu estou fazendo", frisa. A psicóloga afirma que a rotina é tão corrida que seus filhos dizem que ficam cansados por ela. "Vou terminar o curso de teatro em agosto e já estou pensando no que fazer depois, porque não vou ficar parada. Me jogo de cara, não tenho medo, vergonha de nada", garante.
Jozie lembra que suas amigas dizem que ela é louca por fazer tantas coisas nesta fase da vida. "Elas ficam assistindo a programação da televisão da manhã até de noite. Odeio ficar no sofá. Saúde mental, física, socialização... Tudo melhorou. Não gosto de ficar olhando só para aquele quadrinho (TV) parada", declara.
Conciliando o esporte com a vida profissional, Sílvia de Oliveira Magalhães, 78, conta que a palavra aposentar não existe para ela. "Acrescentei diversas atividades na minha vida, mas não me aposentei como se usa o termo normalmente, sempre ativa", destaca. A terapeuta familiar, que foi servidora pública e está em atuação na iniciativa privada, após uma fase delicada na família, viu na natação um caminho para voltar a viver. "Quando minha netinha fez dois anos, fui levar ela para nadar. Lá me senti estimulada a voltar a nadar, pois fazia 40 anos que não nadava. Voltei e no mesmo ano comecei a participar de competições", comemora.
A moradora do Lago Sul já viajou diversos países e esbanja as medalhas que já ganhou — tantas que ela não sabe quantas são. "Nas competições os mais jovens olham pessoas de 90, 100 anos nadando e todo mundo valoriza. Eles veem e se inspiram e ficam estimulados", atesta. Sílvia diz que seu pai é uma fonte de inspiração para continuar nadando até não conseguir mais. "Meu pai me ensinou a nadar, até quando não podia mais nadar ficava ali na beira da piscina. E pretendo seguir o mesmo caminho, não vou parar tão cedo", conta.
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Humor é fundamental
A reinserção no mercado de trabalho ainda é um desafio para os idosos. Pesquisa do Observatório de Políticas Públicas do DF (Observa DF), de 2022, aponta que 20,9% da população idosa da capital federal está empregada em pelo menos um trabalho. Essa proporção é mais nas categorias de alta e baixa renda, embora essas situações impliquem em realidades muito diferentes. No primeiro caso, o trabalho está mais relacionado à escolha de se manter economicamente ativo. No segundo caso, é uma questão de necessidade.
Conforme o levantamento, 62,5% dos idosos do DF são aposentados, porém, persistem diferenças estruturais ao analisar por grupos de renda. Há uma proporção significativamente maior de idosos de alta renda aposentados (74,6%) em comparação com os de renda média-baixa ou baixa (56,1% e 52%, respectivamente). Quanto aos pensionistas, representam 12,8% do total de idosos no DF, sendo menos comuns nas regiões de alta renda.
A psicóloga clínica Selma Afonso, 74, que tem como foco os direitos humanos e dos idosos, diz que a falta de respeito com os mais velhos e ausência de programas que os insiram no mercado desencadeia ansiedade, angústia e depressão. "Após a pandemia, desenvolvemos um trabalho voltado para os idosos. Eles, que um dia foram excelentes funcionários, todos querem oportunidade de trabalho, mas são mal vistos pelas empresas. Essa geração não respeita os idosos e esse é o principal fator do adoecimento mental dos mais velhos", afirma.
Para Selma Afonso, há diversas maneiras de envelhecer de forma saudável. "Uma boa alimentação, um esporte, estar mentalmente e fisicamente bem, fugir de lugares onde deixam pra baixo e procurar ambientes onde possa dançar, rir e se sentir livre. Procurar sempre ter um bom humor, porque o humor é o que mais regula a parte física e mental, sempre falo 'faça tudo com humor e amor'", explica a psicóloga.
Projeção
Estudo realizado pela Universidade de Brasília (UnB) estima que, em 2030, um a cada seis moradores do DF será idoso. Segundo o IPEDF Codeplan, as projeções para as regiões administrativas (RAs) indicam um rápido processo de envelhecimento populacional. Em 2020, os indivíduos com 60 anos ou mais representavam 11,3% da população total. Em 2030, essa proporção aumentará para 16,6%.
A previsão é que em 2030 haja aproximadamente 565 mil pessoas com 60 anos ou mais no DF. Todas as RAs devem experimentar um aumento na proporção de idosos, sendo a região central e de alta renda a mais envelhecida. As seis RAs com o maior número de idosos, conforme as projeções, serão Ceilândia, Taguatinga, Plano Piloto, Samambaia, Planaltina e Guará.
*Estagiários sob a supervisão de Malcia Afonso