Para mães e pais, o desafio de receber o diagnóstico de que um filho é autista e a aceitação dele pela sociedade ainda são longos caminhos a serem percorridos. Mas famílias e entidades diversas têm atuado, de forma cada vez mais unida e engajada, na luta por um mundo melhor para as pessoas com autismo. Pensando nisso, vários grupos do Distrito Federal iniciam hoje (21) a Semana Azul, marcada por ações que objetivam compartilhar informações e dúvidas, além de construir novos caminhos para a inclusão de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) por meio da arte e do diálogo.
O evento, que se realiza dias após a data em que se celebra o Dia Mundial do Orgulho Autista (em 18 de junho) acontece até domingo (25), com atividades no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul, e um canal do YouTube.
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Exemplos de pais
Conselheira tutelar do Sudoeste e Octogonal, Lucinete Ferreira de Andrade, 49 anos, é um exemplo dos pais que enfrentam essa batalha. Ela é mãe de Mayara Ferreira, 20 anos, que tem autismo nível 3. E conta que teve de abrir mão de muita coisa para ajudar no desenvolvimento da filha. "Não existiam muitos profissionais para trabalhar com o autismo, então nós mães fomos treinadas para implementar a terapia em casa. Trabalhei 10 anos com ela, a estimulando com abordagens", recorda.
Para Lucinete, não é importante apenas desenvolver a criança, mas também garantir os serviços que podem oferecer esse desenvolvimento. "A médica da Mayara me falava muito que a partir do momento que você recebe o diagnóstico, além de mãe, você é médica, advogada e terapeuta, porque você precisa saber de tudo para cuidar do seu filho", relata.
Lucinete precisou entrar na justiça para que a filha tivesse uma educação de qualidade, o que levou Mayara a, hoje, se comunicar bem. "Minha filha lê e participa das coisas que lhe são propostas. É uma jovem que tem escolhas como uma jovem neurotípica, fugindo daquele prognóstico inicial de que nunca falaria", afirma com orgulho.
Acolhimento
A conselheira também é fundadora da Associação Brasileira de Autismo Comportamento e Intervenção (Abraci), que atualmente atende 130 famílias. "Você precisa aceitar e lidar com isso. Um passo para que faça a diferença na vida do seu filho é a aceitação, um diagnóstico precoce e uma intervenção", ressalta.
Assim como Lucinete, Ana Machado Gulias, 49 anos, mudou de carreira para dar suporte ao filho Leonardo, 11 anos, diagnosticado com autismo de nível 3. A mãe deixou a área de geografia para fazer psicopedagogia e trabalhar com comunicação alternativa. "Sempre achei estranho, porque ele era uma criança com irritabilidade muito forte, depois começou a ter um distanciamento no olhar. Após passar por muitos médicos, com um ano e meio uma neuropediatra fechou o diagnóstico", relembra.
Leonardo é gêmeo bivitelino de Pedro. Ana comenta que, por mais que já soubesse, quando a confirmação chegou, foi como a explosão de uma bomba. A mãe se emociona ao contar a evolução de Leo, que está no processo de alfabetização e já consegue ler e falar. "Eu costumo dizer que eles não podem fazer tudo que uma mãe deseja, mas conseguem fazer mais do que a gente imagina", enfatiza.
Vale destacar que o objetivo do Dia Mundial do Orgulho Autista é desfazer concepções negativas sobre o Transtorno do Espectro Autista e ajudar a sociedade a entender que não se trata de uma doença, mas sim de uma variação neurológica natural da diversidade humana, que produz formas distintas e atípicas de pensamento, mobilidade, interação, processamento sensorial e cognitivo.
Avaliação
Vice-presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (MOAB), Viviani Guimarães destaca que o transtorno é marcado por algumas características principais: a comunicação e a interação social deficitárias, o comportamento repetitivo e interesses restritos.
Viviani ressalta a importância dos pais para que o diagnóstico seja feito o quanto antes. "O cérebro tem uma visão diferenciada e a gente precisa pensar em como estimular e desenvolver a autonomia dessas pessoas para que eles tenham uma vida mais segura. A pessoa nasce com autismo, não se pega autismo e a vacina não dá autismo. Isso é importante frisar", explica.
Segundo ela, o ideal é que o diagnóstico ocorra antes dos 18 meses. Essa avaliação é feita por uma equipe multidisciplinar com psicólogo, fonoaudiólogo e outros profissionais, junto com um pediatra ou um neurologista. O TEA tem três graus de suporte que vão de 1 a 3. Esse grau determina quanto de ajuda a pessoa vai precisar para fazer atividades básicas do dia a dia. "Quanto mais ajuda, mais suporte essa criança e adulto terão", afirma Viviani. Para a representante do MOAB, faltam políticas públicas para apoio aos adultos autistas, como programas de inserção no mercado de trabalho. "É preciso estimular a criança para que ela se torne um adulto com funcionalidades", destaca.
No caso da presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da seccional DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Flávia Amaral, foi uma fonoaudióloga que foi à sua casa quem alertou a família sobre a condição do seu filho João, na época com dois anos. "Fomos atrás de especialistas em autismo, mas colocamos logo ele na terapia para começar a receber estímulos. Tive sorte", relembra.
A advogada destaca que já foi possível ter conquistas para as pessoas com autismo. Entre as barreiras, Flávia menciona a aceitação da família, o diagnóstico precoce e a dificuldade de encontrar profissionais especializados. "Quando você supera isso, consegue uma intervenção mais rápida que é essencial, porque essa criança vai se aproximar das crianças típicas e isso faz com que ela evolua", diz.
Legislação
Para as famílias com condições financeiras precárias, há uma lei que garante pelo Sistema Único de Saúde (SUS) que se tenha um atendimento multidisciplinar de profissionais, além da exigência de um mediador escolar ou assistente terapêutico, seja na rede pública ou privada, para acompanhar o estudante com autismo. Também existe, por lei, a garantia de um auxílio financeiro através do Cadastro Único. "É um benefício de prestação continuada que as famílias podem requerer numa das unidades do INSS", informa Flávia.
Além disso, os planos de saúde devem cobrir o tratamento para seus associados, inclusive se houver a indicação de terapias variadas pelo neurologista. A advogada ressalta que uma lei específica equipara as pessoas com autismo com as pessoas com deficiência. "O autista não é deficiente, mas ele é equiparado ao deficiente a partir dessa lei. Por isso, tem os mesmos direitos. Ou seja, tem direito ao passe livre, à isenção de impostos e vaga de estacionamento preferencial, entre outros", informa.
Flávia avalia que "ainda faltam políticas concretas com programas para as escolas, hospitais e áreas públicas". A presidente da comissão também acredita na necessidade de um olhar atento para quem cuida das pessoas com autismo. "Sem assistência e muitas vezes sem dinheiro, as mães se veem sozinhas. Por conta desse adoecimento coletivo, elas buscam grupos de mães que as apoiem para que possam crescer", afirma.
Semana Azul
Mãe atípica e co-idealizadora da Semana Azul, Cintia Rogner destaca que o evento será a promoção do diálogo para a reflexão e posterior ação. "Quando convivemos de perto com o autismo fica claro que a informação é o grande elemento de transformação, tanto para o desenvolvimento da pessoa com TEA quanto para a inclusão. É compreender as necessidades e diferenças para poder conviver em respeito às individualidades de cada um", comenta.
Para Cintia, a sociedade ainda precisa conhecer melhor, entender e conviver para incluir de verdade e oportunizar para esse público programas de saúde, educação, cultura e mercado de trabalho — "que estão muito aquém das necessidades". Para saber mais sobre o evento e a programação completa, acesse www.semanaazul.com.br ou o perfil nas redes sociais @semanaazul.