Quando, em um curto espaço de tempo, começam a nos deixar pessoas queridas, muito próximas de nós, ou a quem reverenciamos de alguma forma, costumamos ouvir e falar o quanto "está puxado" resistir a tantas agruras. Pois então: está especialmente puxado este ano. Mesmo este espaço de crônica tem sido tomado por tentativas de homenagear os que partiram. Hoje não será diferente.
Registrar no papel ou, como ocorre com mais frequência agora, em dispositivos eletrônicos — on-line ou off-line — é uma forma de celebrar a memória, e também de não esquecer as marcas que deixaram em nossas vidas, as mais singelas e as decisivas também.
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Já falei de espaços de privilégio que percorri e que até hoje ocupo, aqueles que a posição social me permitiu acessar e outros mais relacionados ao destino ou à providência divina, a depender da fé de cada um. Em alguns casos, creio que ambas as situações se unem para um desfecho digno de thrillers. O encontro com o professor Luiz Gonzaga Motta provavelmente foi um deles.
Fui aluna desse mestre do jornalismo no meu primeiro semestre na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB). Bem mais de uma década separa os dias de hoje daquele momento, por isso não me lembro o nome da disciplina que ele ministrava. Mas me recordo da figura generosa e cativante que era.
A sala de aula ficava no subsolo do famoso Minhocão, como é chamado o Instituto Central de Ciências (ICC) por funcionários e estudantes — me parece que essa tradição tem se perdido nos últimos anos, o apelido não pegou entre as gerações mais novas. Àquela época também nós alunos já chamávamos o professor apenas de Motta, e não pelo apelido pelo qual era famoso, Baga, que eu mesma desconhecia até ler, esta semana, os depoimentos emocionados de amigos e de outros ex-alunos que conviveram com ele na década de 1970.
Voltando à sala de aula, não chegava a ser um auditório, como é comum naqueles subsolos. Era um tanto improvisada e antiga, como boa parte da faculdade naquela época. No meio do curso, houve uma reforma que mudou a cara de quase todo o departamento. Motta colocou a todos nós, calouros, em contato com jornalistas especialistas em suas áreas, que nos apresentaram a um mundo desconhecido e empolgante de novidades e de referências.
Uma das leituras da disciplina tinha o sugestivo título Que país é este — Pobreza, desigualdade e desenvolvimento humano e social no foco da imprensa brasileira. A edição da Cortez é um dos volumes de uma série da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) e do Instituto Ayrton Senna. Ainda guardo a obra na prateleira de referências, e ela agora se tornará também a lembrança desse encontro, mesmo que breve, com um grande mestre.