Um artista das palavras e dos palcos, Alexandre Ribondi morreu, ontem, aos 70 anos. Conhecido como ator, dramaturgo e encenador, teve uma trajetória linda no teatro candango, sendo um dos primeiros artistas a discutir os temas LGBTQIAPN nos palcos da cidade. Ele enfrentou os preconceitos, a falta de recursos, a ditadura militar e ocupou por quase 50 anos as principais salas de espetáculo da capital. Alexandre estava internado no Hospital de Base desde o sábado (13/5) após sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Parentes informaram que, em 16 de maio, ele teve uma parada cardíaca e foi levado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Base onde estava desde então. Ele chegou a responder ao tratamento e a balbuciar algumas palavras com amigos, mas na tarde de sábado não resistiu. O corpo de Ribondi será velado hoje, entre 12h e 15h, na Casa dos Quatro, espaço multicultural do qual era um dos fundadores, localizado na 708 Norte, Bloco F, Loja 42. Depois, segue para cremação, em cerimônia íntima.
Ribondi chegou a Brasília em 1968, dias após a decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), que aprofundava os mecanismos de repressão da ditadura militar. Nascido em Mimoso do Sul (ES), a mudança para a capital ocorreu a convite do irmão mais velho, Ludovico Ribondi, 76, que já havia se mudado antes para a cidade. "Divertido, brilhante e sempre com uma boa resposta. Era um apaixonado por Brasília. É uma grande perda", lamenta o irmão.
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Alex Ribondi, 48, sobrinho de Alexandre, chegou a escrever e dirigir um peça na qual o tio atuava, O homem que cheirava a flores. "Era uma pessoa muito ativa na cultura de Brasília. No âmbito familiar, perdemos uma pessoa muito amorosa e alegre", revela Alex.
O artista estudou jornalismo na Universidade de Brasília (UnB) e História da arte na Université de Provence. Trabalhou no Correio Braziliense na década de 90 sendo que, de 92 a 95, foi correspondente em Portugal. Também foi colaborador do jornal Lampião, publicação LGBTQIA de circulação nacional, e membro fundador do Grupo de Luta Homossexual Beijo Livre.
Escreveu os romances Na Companhia dos Homens e Da Vida dos Pássaros, ambos com temáticas LGBTQIA. Participou da antologia latino-americana de contistas de literatura gay Now the Volcano, publicada por Gay Sunshine Press (EUA). O artista integrou, ainda, o grupo Retratação (2021), coletivo de comunicadores e artistas, oferecendo produtos criativos e autorais, como produção, performances, consultorias, coberturas, fotografia e videografia.
Do besteirol à crítica política e social, Ribondi parecia ocupar o mundo com as próprias ideias. O autor colecionou sucessos contra tudo e contra todos. Filó Brasiliense (1975), Os Rapazes da Banda (1981), Crépe Suzette, O Beijo da Grapette (1980), Abigail é Mais Velha que Procópio (1986), No Verão de 62 (1985), A Última Vida de Um Gato (2002), Virilhas (2005), Felicidade (2015) e Mimosa (2018) então entre os títulos que encenou de forma independente pelos teatros de Brasília.
Rui Miranda, 54, foi casado com Alexandre por sete anos. Hoje, é um dos sócios da Casa dos Quatro. "Acima de tudo, era um artista genial. Muito inteligente, perspicaz, com sacadas fantásticas. Era um amigo muito bom e generoso", lembra.
Os temas diversos, o humor ácido e a perspectiva ímpar sobre o cotidiano sempre chamaram atenção. Porém, foi a pauta LGBTQIA que foi o motivo de fazer história. Contudo, a intenção foi falar da própria angústia, principalmente em períodos de opressão. "Era enfrentar a repressão, a desconfiança e o sarcasmo o tempo todo, foram as situações de violência. Mas a mensagem que levávamos para o teatro era de que não queríamos nos esconder. 'Não queremos esperar a ditadura acabar para ter prazer', era o nosso lema à época", diz ao Correio em uma reportagem de abril deste ano.
As ideias vinham do mundo e das emoções e lembranças. "Tenho ideias observando as pessoas em bares, em aeroportos, em restaurantes, ouvindo frases da outra mesa, de alguém passando por mim. Eu me inspiro muito também vendo cinema. Também memórias familiares", contou o artista quando entrevistado em 2011. Brasília sempre foi o palco e a inspiração de Ribondi. "É um lugar que me inspira, seja nos momentos em que estou terrivelmente apaixonado por ela ou nas horas em que olho pela janela e digo que quero ir embora dessa cidade seca e quente", refletiu na entrevista.
Até o final, manteve-se ativo com duas oficinas na Casa dos quatro, em que espalhava a própria palavra para os mais jovens, para amantes do teatro, ou para quem só estava interessado em subir aos palcos, independentemente da idade, ou da visão de mundo, todos aprendiam com Ribondi.
O artista não parou e nem pretendia parar com o teatro, como ele mesmo disse em entrevista ao Correio. "Nunca. Seria impossível. É como desistir de escrever, de olhar pro mundo como jornalista, ler um jornal como jornalista. Teatro é minha maneira de me entender com o mundo, de falar com o mundo, de raspar no mundo, porque a arte é nossa maneira de deixar a marca da raspada. É a minha maneira de refletir sobre o mundo e sobre as pessoas, principalmente, sobre o que passa no coração delas. Sou um observador, adoro observar", relatou em 2011.
Comoção
Ribondi é uma lenda da cultura brasiliense. Muitos atores da capital passaram por suas oficinas. Um deles foi Morillo Carvalho, 38, aluno que virou grande amigo e que deu a ideia de criar uma escola de teatro que servisse de espaço para as criações de Alexandre. Assim nasceu o espaço multicultural Casa dos Quatro, do qual Morillo é sócio-fundador. "Certamente uma das pessoas mais generosas que conheci na minha vida. Um moleque brincalhão que tinha acabado de completar 70 anos. A gente brincava dizendo que éramos pai e filho, mas o filho era ele e eu o pai, apesar de ele ser o mais velho", recorda Carvalho.
O último espetáculo dirigido por Ribondi foi a peça Volver a Leticia, estrelado pelo ator Tullio Guimarães, 59 anos, e exibido no final de maio, na Casa dos Quatro, um local de resistência. "Estamos desolados. "Aprendi muito com ele. Ribondi era um mestre. Brasília perdeu um excelente dramaturgo, diretor, um transgressor e grande ator. Agora, ele está no carro de Dionísio, indo em direção ao Monte Olimpo. Que o teatro de Brasília sobreviva com pessoas com a mesma garra que ele tinha", afirma Tullio.
Uma peça peça escrita e dirigida por Ribondi, Gigolôs, fez Cássia Eller estourar na cena cultural.
Em nota oficial, o secretário de cultura e economia criativa do Distrito Federal Bartolomeu Rodrigues lamentou a perda inestimável do artista. "A cena cultural de Brasília perdeu um de seus maiores protagonistas. Autor, ator, produtor, empreendedor, Ribondi foi tudo e, ao mesmo tempo, um questionador de seu tempo, dando espaço ao debate e lançando luz na escuridão. Há exatamente um mês, recebeu da Secretaria de Cultura a Medalha Seu Teodoro, oferecida a personalidades engajadas na valorização e difusão das artes no Distrito Federal. Estava alegre, cheio de vida, nos abraçamos e rimos juntos. Era uma despedida, mas seu legado fica. E a luta também", escreveu o secretário.
Com o bom humor que lhe era peculiar, numa conversa sobre a idade com a jornalista e poetisa Beth Fernandes, Ribondi disse que a deserdaria caso contasse a verdadeira idade dele. "Mas depois, ele próprio confessou no Facebook", relembra Beth, sorrindo do temperamento do amigo.
*Estagiária sob a supervisão de Adriana Bernardes
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