Segurança pública

DF tem aumento de casos de tentativas de homicídios e latrocínios

Especialistas apontam a flexibilização do porte de armas, rixas entre rivais e motivos fúteis, como possíveis causas para esta tendência. A quantidade de assassinatos, no entanto, apresentou queda, de acordo com a SSP-DF

A sensação de insegurança no Distrito Federal é um problema que parece estar longe de uma solução. Dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostram que o número de vítimas de tentativas de homicídios e latrocínios, de janeiro a junho de 2023, é maior do que no mesmo período do ano passado. No primeiro, o número subiu de 282 para 310, enquanto que, no último, passou de 52 para 54. As possíveis causas para isso são a flexibilização do porte de armas, rixas entre rivais e motivos fúteis, segundo a professora de direito penal do Ceub, e advogada especialista em segurança pública Carolina Ferreira.

Os dados de homicídio e latrocínio consumados também chamam atenção. Apesar de apresentarem leve queda, esses crimes se mantiveram estáveis em relação ao ano passado. Foram 132 vítimas de homicídio em 2022, contra 130 até maio deste ano. O número de pessoas que morreram após serem roubadas foi o mesmo nos dois períodos, nove. Vale lembrar que, dentro das estatísticas dos homicídios estão as 20 mulheres mortas no DF, pois feminicídio é tratado como uma qualificador.

Material cedido ao Correio -
Redes sociais -
PCDF/Divulgação -

O secretário Sandro Avelar, titular da pasta, ressaltou a relevância do trabalho da segurança pública do DF. "Apesar da chacina com 10 mortes, em janeiro, o número de homicídios apresentado foi menor que o do ano passado. Inclusive, o mês de junho apresentou a menor taxa dos últimos 24 anos", comemorou. "Estamos empenhados em promover a integralização do nosso trabalho, não apenas com as forças de segurança, mas também com outros órgãos governamentais e da sociedade civil, incluindo os Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs)", complementou Avelar.

Em relação aos feminicídios, o secretário classificou o enfrentamento à violência contra a mulher como "complexa" e disse que o cenário precisa ser entendido e tratado da perspectiva da integralidade de ações, envolvendo diversos segmentos de governo, da Justiça e da sociedade civil. "Temos um programa específico dedicado a esse tema, com ações e tecnologias para coibir essa forma de violência, como o serviço inovador que monitora vítima e agressor 24 horas por dia, impedindo que se aproximem. Está em andamento a implementação de novas estratégias para simplificar e ampliar o acesso das vítimas às tecnologias de proteção disponíveis", destacou o titular da pasta de Segurança.

Justiça

Um dos homicídios que chamou a atenção pela sua brutalidade, foi o do soldado do Exército Breno Caraíba, 23 anos. Ele foi espancado até a morte durante uma festa, em Santa Maria. O militar foi abordado por três homens e agredido com chutes e barras de ferro. Quase um mês após a morte do filho, Luzinete Caraíba, mãe de Breno, tenta seguir a vida. "Ainda estamos muito chocados, abalados e feridos por conta da morte dele", desabafou ao Correio.

Outros casos de homicídio também chamaram a atenção no DF, como o da estudante Regiane da Silva, 21, que ficou 12 horas em poder de Sérgio Alves, 42, antes de ser estuprada, morta e enterrada por ele em uma área de mata, perto do Rio São Bartolomeu, em Planaltina. Outro crime que chocou a capital do país foi a chacina que culminou na morte de 10 pessoas da mesma família (confira Memória).

Para a professora de direito penal do Ceub Carolina Ferreira, a livre circulação de armas de fogo precisa ser revista. "Nos últimos quatro anos, tivemos decretos flexibilizando a compra desses itens no Brasil, o que afeta a quantidade de crimes contra a vida, também no DF", avaliou.

Carolina afirma ainda que, em relação aos homicídios, existem vários estudos no campo da segurança pública indicando que o índice desses crimes é fundamental para entender o funcionamento da política de segurança como um todo. "Se há um aumento (nas tentativas), significa que tem problema. Então, fica um alerta importante para a SSP e outros órgãos envolvidos, para que tentem entender o que está acontecendo de errado nesse campo, como o policiamento ostensivo e as ações de prevenção", ressaltou a especialista.

A advogada apontou as possíveis origens para as causas de crimes como os homicídios e os latrocínios. "Em relação ao primeiro, temos as diferenças entre grupos, o motivo fútil, além das brigas e discussões. Enquanto isso, penso que os latrocínios — tentados e consumados — estão mais ligados às questões de vulnerabilidade social", observou.

Assim como Carolina, a presidente da Comissão de Segurança Pública da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), Ana Izabel Gonçalves de Alencar, relaciona os índices de crimes contra a vida à flexibilização do porte de arma no país. Para a advogada, apenas os agentes públicos de segurança deveriam ter a posse liberada. "São pessoas preparadas para utilizá-las somente no momento correto. Porém, o que vem acontecendo é um uso indiscriminado de armas. Muitas acabaram parando nas mãos de pessoas desequilibradas — que tiveram comportamentos impulsivos — e acabaram culminando nesses tipos de crimes", destacou.

A presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB acredita que a situação tende a melhorar. "Os decretos sancionados nos últimos anos estão quase todos praticamente revogados. Por isso, acredito que, daqui para frente, a tendência é melhorar", pontuou. "Com todos os nossos problemas, sempre fomos considerados um país de paz e amor. Precisamos voltar a essas origens, e não cultivar essa cultura de ódio entre as pessoas", observou Ana Izabel.

Ações regionalizadas

Por meio de nota, a SSP-DF disse que, junto às forças de segurança, tem dedicado investimentos no trabalho de inteligência, tecnologia e na integração com os Conselhos Comunitários de Segurança (Consegs), a fim de promover ações cada vez mais regionalizadas e precisas. A pasta acrescentou que está em constante integração com as forças de segurança para coibir todos os tipos de crime. "Cabe ressaltar a importância do registro de ocorrências por parte da população, uma vez que esses dados são essenciais para a elaboração de estudos sobre dias, horários e locais com maior incidência de cada crime em todo o Distrito Federal", alertou.

De acordo com a secretaria, essas informações são utilizadas na formulação de estratégias para o policiamento ostensivo, realizado pela Polícia Militar do DF (PMDF), e contribuem para a desarticulação de possíveis grupos criminosos e a investigação de crimes pela Polícia Civil do DF (PCDF). "O engajamento da população por meio do registro de ocorrências é fundamental para fortalecer as ações de segurança e promover um ambiente mais seguro para todos", destacou a nota da SSP.

Saiba Mais

 

(MEMÓRIA) Vítimas da barbárie

23 de abril de 2022 — Aleostro Rodrigues Peixoto, 76 anos, sofreu uma tentativa de latrocínio, no começo da manhã, na QSC 19, em Taguatinga. O idoso chegou a ficar internado no Hospital Santa Marta, mas recebeu alta cinco dias depois. Os autores do crime tinham, na época, 19, 20, 31 e 32 anos, de acordo com a Polícia Civil. Os pertences da vítima foram encontrados e recuperados na casa de um dos quatro criminosos;

2 de setembro de 2022 — Bernardo Brasil, 18, estava na companhia da namorada em uma praça de Samambaia, quando dois dos criminosos se aproximaram do casal. Um deles abordou as vítimas e desferiu um golpe de faca contra o peito do estudante, que acabou morrendo no hospital. Em 15 de outubro, a PCDF prendeu dois dos envolvidos, Eric Batista Neres e Lucas Souza Santos. Três dias depois, os investigadores chegaram ao paradeiro de Cleverson Vítor Santana Oliveira. Em maio deste ano, a Justiça do DF condenou o trio a penas que variaram de 25 anos e quatro meses a 29 anos e dois meses;

12 de janeiro de 2023 — A maior chacina do DF começou com o desaparecimento da cabeleireira Elizamar da Silva, 37, e dos três filhos: Gabriel, 7, e dos gêmeos, Rafael e Rafaela, 6. A mulher saiu do salão onde trabalhava, na 307 Norte, na noite de 12 de janeiro, após ser atraída para uma emboscada na casa onde moravam os sogros, Marcos Antônio Lopes, 54, e Renata Belchior, 52, — os dois também assassinados. A motivação, segundo revelaram as investigações, foi por causa da chácara onde Marcos morava, avaliada em R$ 2 milhões. Também foram mortos o esposo de Elizamar, Thiago Silva, 30; a ex-mulher e as filhas de Marcos, Cláudia Regina, 55, Ana Beatriz, 19, e Gabriela Belchior, 25;

6 de março de 2023 — Zenaide Rodrigues de Souza, 32, matou a própria filha, Dulce Maria Rodrigues de Sena, 5, e colocou fogo no apartamento onde as duas moravam, em Taguatinga Norte. Em 13 de março, a Justiça do Distrito Federal aceitou denúncia do Ministério Público (MPDFT) e tornou a mulher ré pelos crimes de homicídio quadruplamente qualificado e incêndio. Zenaide está presa na Penitenciária Feminina do DF (PFDF), a Colméia. Os investigadores do caso constataram que a criança não morreu em decorrência do incêndio. Parte do documento da denúncia indica que a menina “sequer respirou fumaça” e já estava morta há quase 12 horas;

17 de abril de 2023 — Regiane da Silva, 21, ficou 12 horas em poder de Sérgio Alves, 42, antes de ser estuprada, morta e enterrada em uma área de mata, perto do Rio São Bartolomeu, em Planaltina. A Polícia Civil encerrou as investigações em 24 de maio e indiciou o assassino por roubo, estupro, sequestro para fins libidinosos, homicídio qualificado e ocultação de cadáver;

13 de maio de 2023 — Mariana Alves de Jesus, 23, foi assassinada a tiros próximo à fábrica da Coca-Cola, no Setor de Garagens de Taguatinga Sul. O crime ocorreu durante à noite. A vítima foi encontrada por militares do Corpo de Bombeiros (CBMDF) em frente a um bar, caída na calçada e com perfurações na região do pescoço. Além de Mariana, um colega dela foi atingido na perna e socorrido por populares;

14 de maio de 2023 — O soldado do Exército Breno Caraíba, 23, foi espancado até a morte durante uma festa, em Santa Maria. Ele foi abordado por três homens e agredido com chutes e barras de ferro. A mãe dele, dona Luzza, contou ao Correio que o filho vinha sofrendo ameaças por conta de um relacionamento amoroso.

Correio debate onda de feminicídios

O Correio vai promover, no próximo dia 20, seminário para debater a onda de feminicídios que a capital do país está vivendo, o objetivo é buscar soluções para um problema social tão grave. O debate contará com a participação de especialistas e integrantes da sociedade civil — só neste ano, 20 mulheres foram assassinadas. A abertura do seminário contará com a participação da governadora em exercício do DF, Celina Leão (PP).

A governadora destacou que é preciso se empenhar, debater e dialogar, cada vez mais, sobre o tema do feminicídio. "O número de casos no DF é assustador, mas temos trabalhado incansavelmente, e o Correio Braziliense, chamando novamente esse debate, colabora com as tratativas para a diminuição desse tipo de crime no DF", disse Celina. "Será um momento de discussão, avaliação e de, cada vez mais, nos empenharmos como Estado. Além disso, será importante para que todas as redes que participarão também façam um relevante debate sobre o tema", complementou a governadora em exercício.

Além de Celina Leão, outras autoridades confirmaram presença no evento: Sandro Avelar, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal; Antônia Carneiro, defensora pública chefe do Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres; Cristina Tubino, presidente da Comissão de Enfrentamento da Violência Doméstica da OAB/DF; Daniel Bernoulli, promotor de Justiça do Distrito Federal; Vera Lúcia, integrante da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) e ativista da Frente de Mulheres Negras do DF; e Rita Lima, assessora internacional do Ministério das Mulheres.

O evento será realizado no auditório do Correio, com a mediação dos jornalistas Ana Maria Campos e Carlos Alexandre Souza. A transmissão ocorrerá no site e nas redes sociais do jornal. Ana Maria afirmou que o Correio pretende contribuir com o debate sobre as causas e as soluções para esse grave problema social, que é a violência contra as mulheres. "É preciso compreender a origem desse crime que nos assusta, para encontrar saídas. O Correio, mais uma vez, se engaja na defesa da nossa cidade e de seus cidadãos e cidadãs", reforçou.

Luta constante

Na primeira edição do seminário, realizada em 7 de março, estiveram presentes a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e o secretário-executivo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, Ricardo Cappelli, além de autoridades locais.

Na ocasião, a ministra classificou o feminicídio como um “mal do século”, que deveria ser debatido junto com propostas de melhoria no acolhimento para as mulheres denunciarem. “O feminicídio é o ápice. A gente sempre costuma dizer que é o final. Para chegar a esse ponto a gente já deve ter passado por várias outras situações bem complicadas que, infelizmente, às vezes, são negadas”, explicou.

 

Violência em números

Os crimes consumados estão em queda, mas as tentativas crescem no DF

Homicídio*
2022 - 132
2023 - 130 (-1,5%)

Latrocínio*
2022 - 9
2023 - 9

Tentativa de homicídio*
2022 - 282
2023 - 310 (+9,9%)

Tentativa de latrocínio*
2022 - 52
2023 - 54 (+3,8%)

*janeiro a junho

Fonte: SSP-DF