O número de denúncias de violência policial, apresentadas à Comissão de Direitos Humanos (CDH) da Câmara Legislativa, apenas nos primeiros meses de 2023, superou todo o ano passado. De acordo com os dados do órgão legislativo, até maio deste ano, foram 41 queixas contra agentes de segurança pública. Enquanto isso, a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) mantém sob análise a compra de câmeras corporais, que poderiam auxiliar tantos os agentes de segurança a se precaverem de situações de embate contra eles mesmos quanto contras cidadãos.
A CDH tem recebido reclamações contra as forças de segurança desde 2019, quando foram registradas 18 ocorrências. Em 2020, caiu para 16 denúncias, e em 2021 saltou para 28. Em todo o ano de 2022 a comissão recebeu 40 queixas de violência policial contra cidadãos, número superado em maio com 41 denúncias.
As reclamações são refutadas pela Polícia Militar. "A corporação não coaduna com desvios de conduta por parte de seus integrantes e todos os fatos denunciados serão apurados dentro do devido processo legal", diz a nota que continua: "Ressaltamos que nossos integrantes são frequentemente submetidos a atualizações, treinamentos e instruções, com objetivo de melhorar o direcionamento tático dentro da legislação vigente, sempre com base no que é regulamentado pelos Direitos Humanos."
O uso de câmeras corporais tem atingido bons resultados em outras unidades da Federação. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, de 2020, quando o uso passou a vigorar, até abril de 2022, nos batalhões onde os policiais militares passaram a utilizar o equipamento em seus uniformes, a queda nas ocorrências de confronto diminuíram em 87%. O número é 10 vezes maior do que as demais unidades que não adotaram as câmeras no mesmo período.
Para o especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna, a implementação de câmeras nos uniformes contribuirá também no Distrito Federal para que esses números possam ter queda. "As câmeras corporais são sim um redutor (de casos), não apenas do que se caracteriza como violência policial, mas também das ações que poderiam ser colocadas em prática, que agride, ofende ou promove algum tipo de violência, uma vez que ambas as partes estão sendo observadas. Elas tendem a não cometer excesso, porque sabem que há uma vigilância."
O especialista alerta, ainda, que é necessário uma mudança na legislação, para que as imagens tenham efetividade na hora de serem usadas. "É importante que haja uma mudança na legislação, para que o controle dessas imagens, do som e dos cenários, onde elas sejam empregadas, tenham sua efetividade. A legislação brasileira, hoje, depõe severamente contra o profissional de segurança em diversos casos. Então, é necessário um estudo para que essa vitimização não mude de lado e seja voltada exclusivamente àquele que se obriga a trabalhar, sem outros equipamentos não-letais, que não sejam submetidos a treinamentos constantes e ferramentas para situações delituosas", completa Sant'Anna.
Transparência
Em nota, a assessoria da Polícia Militar informou apenas que, "com relação ao equipamento (bodycams), destacamos que sua aquisição está em processo de licitação." Já a Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) informa que os casos de desvios de conduta de policiais militares e civis do DF são rigorosamente apurados pela corregedoria das corporações. "O processo de implementação das câmeras corporais está em fase final de licitação, por parte da Polícia Militar, que possui total interesse em garantir lisura e transparência em suas ações", diz a nota enviada ao Correio. A pasta destaca, ainda, a baixa letalidade policial do Distrito Federal, em relação às outras unidades da federação, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022. "O DF se manteve como o ente da federação brasileira com o menor índice de mortes recorrentes de intervenções policiais (em serviço e fora de serviço), com taxa de 0,3% em 2021 e 0,4% em 2020", finaliza a nota.
Preocupação
Segundo o deputado distrital e presidente da CDH Fábio Felix (PSol), a superação do número de denúncias de violência policial — comparado ao ano anterior —, antes da metade do ano, é preocupante. "Essa é uma questão que precisa ser tratada com a maior seriedade, pois estamos tratando das forças policiais, que deveriam ter uma postura cidadã e estamos falando das policiais militares, civis, penais com uma série de violações aos direitos humanos apresentadas nas denúncias. As corregedorias precisam funcionar, analisar cada caso e a população precisa ter um canal seguro (para denunciar). A comissão acaba sendo um canal, mas é importante que a Polícia Militar tenha uma ouvidoria independente para tratar esses casos e a população possa confiar em fazer essas denúncias. Mais do que isso, precisamos tratar da formação desses profissionais, sendo ela cidadã, que respeite os direitos humanos e antirracista", afirma o parlamentar, que tem provocado instituições, como a própria PM e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para tentar resolver o problema da violência estrutural.
Audiência
A Câmara Legislativa trabalha para aprovar um projeto de lei regulamentando o uso de câmeras corporais. A matéria será objeto de audiência pública no próximo dia 23 de junho com a participação da sociedade civil e os representantes das forças de segurança. O encontro contará ainda com uma análise do programa-piloto realizado pela PMDF. "Se toda a cena está sendo filmada, os bons policiais não serão punidos pelas generalizações, pois saberemos exatamente que cometeu excessos e violações", conclui Felix.
Saiba Mais