Golpe do cartão de crédito, do WhatsApp, do investimento ou do motoboy. Grupos criminosos de vários estados e do Distrito Federal encontraram novas formas de aplicar fraudes. Por trás de uma tela, eles escolhem a vítima considerada perfeita, estudam o perfil, sabem quem são as pessoas próximas e partem para o ataque. Dados obtidos pela reportagem por meio da Polícia Civil (PCDF) revelam que, entre janeiro e 12 de maio, foram efetuados 20.170 ocorrências por estelionato (nas delegacias circunscricionais e via internet), o equivalente a uma média de 152 ocorrências por dia.
Nesta reportagem, o Correio traz os detalhes sobre as regiões administrativas do DF que apresentam o maior número de registros por estelionato, além dos dados anuais de 2021 e 2022, as modalidades de golpes mais recorrentes e formas de se proteger.
No final de maio, a Coordenação de Repressão aos Crimes Contra o Consumidor, a Propriedade Imaterial e a Fraudes (Corf) também desarticulou um grupo especializado no "golpe do nude". Em agosto de 2022, um golpista criou um perfil falso em um site de relacionamento e coagiu um morador do DF a transferir R$ 4 mil, mediante a ameaça de revelar, a esposa e familiares, conversas íntimas. Como consequência da investigação, a polícia identificou outros dois suspeitos ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC).
Ostentação
Um dos casos de repercussão no DF foi em relação a um grupo de estelionatários que faturou cerca de R$ 3 bilhões com o esquema ilícito. Do Rio de Janeiro, os criminosos escolhiam as vítimas de forma estratégica, com preferência em idosos e, em posse dos dados pessoais e financeiros delas — obtidos por meio de centrais telefônicas clandestinas instaladas em empresas de fachada —, se passavam por funcionários da área de segurança de uma instituição financeira.
Eles usavam o número 0800 e ligavam para as vítimas dizendo que as contas bancárias delas estavam sob a suspeita de fraude e, por isso, era necessário o encaminhamento dos documentos pessoais e de uma fotografia selfie para que fosse aberta uma nova conta, para onde o dinheiro deveria ser transferido. Acreditando nos autores, as pessoas encaminhavam os documentos solicitados.
As apurações começaram em julho de 2022, quando um homem, de 72 anos, perdeu quase R$ 180 mil ao ser vítima do golpe. Em 4 de abril, a 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires) cumpriu quatro mandados de prisão no Rio de Janeiro e na Bahia. Foram presos Breno Nunes Maselli, 21; Thays Vilela Coutrim, 25; Felipe Barros de Carvalho, 28; e Luana Boaventura dos Santos, 29. Os presos levavam uma vida de luxo. Nas redes sociais, postavam fotos em lugares paradisíacos, como Miami e Londres, em carros de altíssimo valor e festas badaladas. A polícia acredita que o grupo tenha feito mais de 100 vítimas no território nacional.
Outro caso de bastante repercussão envolve um casal brasiliense que foi vítima de um golpista apresentado como Rubens Fonseca, que está foragido em Portugal e, na verdade, se chama Bruno Souto Maior.
Estatística
Os dados da PCDF mostram que, entre 2021 e 12 de maio deste ano, o DF teve um total de 138.294 registros por estelionato. Só neste ano (de janeiro a maio), o número foi de 20.170 ocorrências. Em todo o ano passado, o quantitativo ficou em 67.429. Ao longo de 2021, o total foi de 50.695 registros.
De acordo com o delegado Wisllei Salomão, coordenador da Corf, a tendência é crescer. "Na pandemia, em que as pessoas passaram mais tempo em casa, mexendo com mais frequência no celular ou computador, os criminosos se aproveitaram. Notamos que há uma tendência nos crimes de roubos e furtos diminuírem e os de estelionato aumentarem, por exemplo. Porque com o golpe, o autor se utiliza de um meio eletrônico e evita, de certa forma, exposição e uso de armas. Ele se esconde nos eletrônicos", enfatiza.
Facções
Habilidosos, membros de organizações criminosas estão na linha de frente dos golpes e, na maioria dos casos, agem de dentro da cadeia. Em setembro do ano passado, integrantes do Comando Vermelho (CV) detidos na Penitenciária de Rondonópolis (MT) foram alvos de uma operação, acusados de extorquir familiares de pacientes internados em hospitais do DF. Eles chegavam a pedir R$ 10 mil para cada vítima.
Segundo as investigações, o grupo era liderado por um dos detentos, que tinha o apoio de familiares, responsáveis por emprestar contas bancárias para o recebimento dos valores, e outros tipos de laranjas. Passando-se por médicos, os estelionatários ligavam diretamente nos quartos de pacientes internados nos hospitais. De posse dos dados pessoais, os criminosos exigiam dinheiro para realizar "procedimentos de urgência", que teriam sido negados pelos planos de saúde. "A unidade está só no aguardo das documentações para liberação dos equipamentos de imagem", diz o preso em uma das mensagens enviadas a uma vítima.
Os dados mostram maior incidência de casos na área do Plano Piloto, em Taguatinga, Águas Claras e Guará. De acordo com o delegado Wisllei, o fato de esses locais serem escolhidos pelos criminosos está relacionado ao poder aquisitivo das vítimas.
"Ceilândia, por exemplo, que tem muitos casos, está ligado ao fato de ter muitos habitantes. Não necessariamente os golpistas escolhem apenas idosos. Vai depender até do tipo de golpe. Eles buscam homens casados e até adolescentes e estudam esses perfis, sabem quem são as pessoas próximas das vítimas e costumam entender de tecnologia", alerta o investigador.
O delegado orienta a população e faz um alerta. "Sempre tome cuidado com tudo que envolve dinheiro, pedidos estranhos via Whatsapp, bilhete premiado... E não forneça seus dados pessoais. A instituição bancária não vai ligar para pedir dados, muito menos senhas", argumenta. Por fim, Salomão pede que a vítima sempre registre o boletim de ocorrência. "Às vezes, estamos apurando um caso e descobrimos que o mesmo autor fez outras vítimas. Nesse sentido, o registro ajuda muito", finaliza.
Golpes mais recorrentes
Golpe do Whatsapp: nessa modalidade, o golpista, em posse de informações pessoais da vítima, se passa por ela por meio do aplicativo Whatsapp e pede dinheiro a amigos ou familiares. Em alguns casos, os criminosos chegam a usar a foto da vítima no perfil.
Golpe da fraude bancária: o golpista se passa por um funcionário do banco e alega ao cliente supostas transações suspeitas, induzindo a vítima a fornecer senhas e dados pessoais ou permitir acesso à conta bancária.
Golpe do nude: a vítima conhece alguém por meio de sites e aplicativos de relacionamentos ou pelas redes sociais. Após conquistar a confiança da vítima, a pessoa é induzida a fornecer dados, contar sobre a vida pessoal e encaminhar vídeos ou fotos íntimas. Depois, a vítima passa a receber mensagens ameaçadoras de outros números de celulares, em que o autor diz que irá divulgar o material para familiares ou até mesmo na internet, caso não seja feito depósitos de dinheiro.
Golpe da portabilidade do empréstimo: golpistas que usam nomes de empresas financeiras ligam para o cliente e oferecem uma proposta melhor, com menores taxas. Em troca, o cliente precisa fazer a “portabilidade” do empréstimo. Ou seja, o dinheiro deve ser repassado para a conta indicada pelos golpistas.