CPI dos Atos Antidemocráticos

Juristas analisam depoimento e divergem sobre defesa de Heleno ao golpe de 64

Especialistas ouvidos pela reportagem do Correio divergiram sobre general Heleno ter cometido crime em depoimento à CPI dos Atos Antidemocráticos. Deputados da oposição estudam responsabilizar militar

O general Augusto Heleno prestou depoimento, na manhã desta quinta-feira (1°/6), na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Atos Antidemocráticos, da Câmara Legislativa. O ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) disse que a ditadura “salvou o Brasil” e defendeu o golpe de 1964.

A reportagem do Correio ouviu especialistas que analisaram o depoimento do general, considerado braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Para o jurista, advogado mestre em direito pela Universidade de Brasília (UnB) Angelo Prata de Carvalho é crime incentivar a prática de atos antidemocráticos ou mesmo incitar animosidade entre as Forças Armadas e os poderes constituídos. No caso de Heleno, o pronunciamento dele não parece estar incitando golpe militar, apesar de louvar o golpe de 64 a partir de uma visão totalmente distorcida da realidade.

“A situação do ex-ministro Augusto Heleno é um tanto diferente, já que no pronunciamento ele não parece estar incitando golpe militar ou recomendando o retorno da ditadura militar, mas louvando o golpe de 1964 a partir de uma leitura equivocada, enganosa e perigosa da história brasileira”, disse.

“Em síntese, o ex-ministro expressou uma visão errada e distorcida da realidade histórica, reiterando uma série de narrativas fantasiosas que muitas vezes são reproduzidas para ocultar os crimes cometidos pela ditadura militar. Infelizmente, não é ilícito declarar o que ele disse”, completou.

O professor de direito da UnB Mamede Said também não considerou ser um crime a opinião de Heleno na CPI dos Atos Antidemocráticos, mas considerou a declaração do general como estúpida, porque presta um desserviço à democracia. “É de todo revoltante que ele faça apologia de um tempo de trevas, que mergulhou o país na mais virulenta e longeva ditadura que o país já teve”, pontuou.

“Não por acaso, ele, naquele período, esteve ao lado do que havia de mais podre no regime: de figuras como Sylvio Frota, um representante da linha-dura da ditadura, que responde pela tortura e pelos métodos terroristas que aplicaram contra seus adversários políticos. Os mesmos métodos que, agora, foram dirigidos contra a democracia e as instituições - caso dos acampamentos golpistas, da bomba que tentaram plantar no aeroporto de Brasília e dos atos criminosos contra as sedes dos Poderes da República, no fatídico 8 de janeiro”, completou.

O advogado criminalista Thiago Turbay afirmou que, na visão dele, “a democracia não pode arrefecer quanto aos freios instruídos democraticamente para interromper o fascismo e as aspirações golpistas”, em referência a declaração de Heleno (veja vídeo abaixo). “Não é tolerável sob pretexto de exercer uma liberdade de opinião a defesa de ruptura institucional avalizada por forças armadas, visando opor resistência às instituições democráticas. Tal conduta, em tese, atrai a incidência do delito de incitação ao crime, o que ofende a paz pública”, opinou.

No Código Penal, delito de incitação ao crime, prevê pena de detenção de 3 a 6 meses, além de multa.

Distritais estudarão medidas

Ao fim, os distritais afirmaram, em entrevista coletiva, que estudarão medidas para responsabilizar as declarações de Heleno. “A ditadura não é uma questão de versão. A imprensa foi calada, o Congresso foi fechado, o Supremo também. Repudiamos a fala do senhor Heleno. É inadmissível. Ele não tem nenhuma autoridade para tentar constranger qualquer parlamentar aqui. O general veio aqui para fazer graça com a CPI”, disse Gabriel Magno (PT).

“Ele não lembra do que aconteceu há menos de seis meses, mas lembra o que aconteceu em 64. É muito seletiva a memória do senhor Heleno”, completou o petista.

O deputado Fábio Felix (PSol) afirmou que general Heleno cometeu crime, ao fazer apologia à ditadura. O parlamentar explicou, ainda, que nenhum parlamentar estaria sendo em nenhuma casa legislativa se a ditadura fosse um movimento “normal”. “É um ataque ao Estado democrático de direito. O general cometeu crime hoje. Ele na verdade liquidou pessoas que morreram e foram assassinadas. É inaceitável essa fala. Nesse primeiro, vamos estudar uma medida”, disse.

Depoimento

O general Augusto Heleno, ex-chefe do GSI, disse a CPI dos Atos Antidemocráticos que o golpe de Estado de 1964 salvou o Brasil de virar um “país comunista”. O clima acabou tenso dentro da CPI entre os distritais.

“Só queria colocar a minha posição ao movimento de 1964. As coisas são vistas apenas de um lado, como sempre. O deputado acha que o movimento de 64 matou mais de mil pessoas, o que não aconteceu. Acha que o movimento foi de vingança, de ódio. Quando, o movimento de 64 salvou o Brasil de virar um país comunista. Isso não tem nenhuma dúvida. É só uma questão de ler a história do Brasil”, disse Heleno, em resposta ao deputado Gabriel Magno (PT).

“A democracia tem essa grande vantagem. Podemos ter visões contrárias (...) O senhor esquece das organizações terroristas que aconteciam na época. Muita gente do lado da revolução foi vitimada. Claro, ninguém tem orgulho desses acontecimentos, mas eles não podem ser tratados de só um lado e de uma só visão. Foram lamentáveis os acontecimentos, mas aconteceram”, completou Heleno.

Os deputados distritais da oposição reagiram imediatamente à resposta do Heleno, com gritos de “nunca mais, ditadura”. Os parlamentares afirmaram que vão estudar medidas para responsabilizar Heleno sobre as declarações.