Hoje, um piano acoplado a um triciclo vai espalhar música para os brasilienses que aproveitam a folga no Eixão do Lazer. Do erudito ao jazz, musicistas terão a oportunidade de chegar mais perto do público que passeia pelo local. As apresentações ocorrem a cada hora entre 9h e 12h, partindo da 311 Norte. A iniciativa é da Casa do Piano, que oferece, principalmente para adolescentes e jovens, a oportunidade de ser restaurador de piano, além de mostrar que a profissão existe e que pode ser bem remunerada e proporcionar uma vida digna.
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Rogério Resende, fundador e diretor da escola, evoca o célebre verso de Milton Nascimento, na canção Bailes da Vida, "todo artista tem de ir aonde o povo está", para justificar a iniciativa. "Eu decidi levar o Piano para Todos no Eixão para dar aos artistas a chance de tocar para o povo. Já fizemos isso na Rodoviária do Plano Piloto, em shoppings e até no Hospital Sarah Kubitschek da Asa Norte", conta o afinador.
Paixão
Aos 68 anos, Rogério Resende é o único restaurador de piano do Distrito Federal. De família pobre, sua paixão pelo instrumento começou ainda na terra natal, Pelotas (RS), aos 18 anos, quando viu pela primeira vez um de perto. "Fiquei extasiado com a produção e com o tamanho do piano. Mas não tive chance de tocar, só vi no clube. Mas aquilo ficou guardado", lembra. Em 1974, veio com a esposa para Brasília. Primeiro tocou guitarra. Apresentava-se em bares, restaurantes e hotéis da capital, momentos que aproveitava para saber mais sobre o instrumento. "Nós recebíamos os técnicos para afinar o piano e fui me apaixonando pela mecânica dele", recorda.
Rogério foi pianista por um tempo, mas logo saiu do teclado e passou de vez para dentro do instrumento. Para apurar o complexo conhecimento da afinação e da restauração. "Desmontei meu piano mais de 100 vezes para aprender a afiná-lo e consertá-lo e comecei a oferecer os meus serviços gratuitamente para os interessados. Caso gostassem, solicitariam novamente". E a estratégia deu muito certo. Desde 1982 vive do ofício. No mesmo ano, também fundou a Casa do Piano, localizada no Núcleo Rural Córrego da Onça, próximo à DF-001.
Os serviços de Resende já foram solicitados em todo o Brasil. Em Brasília, embaixadas dos Estados Unidos, Portugal e França são alguns dos clientes fixos que fazem questão elogiar o trabalho desempenhado pelo afinador, congratulações que estão emolduradas em uma das paredes da Casa do Piano.
Dificuldade
"A profissão de afinar está em extinção e entrar no mercado é muito difícil. Ao longo de todos esses anos, a demanda pelo trabalho só aumentou. Falta gente capacitada", avalia Rogério Resende. Por ser um instrumento caro (variando entre R$ 30 mil e R$ 3 milhões), o piano é de difícil acesso.
Além disso, o instrumento é muito complexo, podendo ter até 12 mil peças. Em média, são 240 cordas, que podem ter 32 espessuras diferentes. As notas mais graves tem as cordas revestidas por um fio de cobre, que pode ter 28 espessuras diferentes. A afinação é dada pela tração das cravelhas. As 88 teclas dão os acordes que formam as harmonias. Na estrutura externa, são usadas madeiras de mogno, cedro, pinho e imbuia, a depender do projeto do solicitante. Rogério, que também constrói instrumentos, mostra com entusiasmo como um piano funciona por dentro e explica: "Não é um instrumento de cordas, mas sim de percussão. É preciso bater nas cordas para que o som saia", aponta.
Na Casa do Piano, o visitante pode mergulhar na história do instrumento inventado em 1709, na Itália. Entre os vários pianos que estão expostos no local, estão exemplares de encher os olhos, em sua maioria do século 19 e início do 20. No Museu do Piano, que está localizado no mesmo terreno, o visitante tem o contato com modelos raros, como um no estilo rococó, de 1875, e um de fabricação brasileira, do qual foram produzidos apenas seis exemplares, em 1940. Um raríssimo em formato de meia-lua chama atenção no museu montado dentro de um caminhão do tipo baú, com espaço de 90 m².
Além dos pianos, Rogério também preserva exemplares de outra raridade: as pianolas, tipo de piano mecânico que utiliza um rolo de papel perfurado, acionado por pedais, com a notação da peça a ser executada. As pianolas pararam de ser produzidas em 1940. Já o clavicórdio, que surgiu em 1404, é o pai do piano e funciona de maneira similar a ele. Durante a visita da reportagem ao museu, Rogério não deixou de dar algumas palhinhas, revelando o talento com o piano. "E sei nada de teoria musical. Aprendi tudo de ouvido", revela.
O Museu do Piano está disponível para visitação, aos sábados, às 10h e 16h30 e, aos domingos e feriados, às 10h. A visita guiada pelo próprio Rogério tem duração de 1h30 e custa R$ 25 por pessoa. O agendamento deve ser feito pelo número (61) 99970-2964.
Piano no Eixão
Toda a estrutura vermelha montada por Rogério vai chamar atenção no Eixão do Lazer. O piano de um quarto de corda é acoplado a um triciclo, que conta com sistema de som e uma mecânica diferenciada para que o condutor não sofra com o peso do instrumento e do pianista. Um deles será o servidor da Secretaria de Justiça do DF Thales Silva, 39. Ele é especialista socioeducativo em música e trabalha com menores da Unidade de Internação Provisória de São Sebastião.
O piano que ele usa na unidade é uma doação de Rogério Resende, que fez o mesmo com as unidades de Brazlândia, Recanto das Emas, Planaltina, Santa Maria, Gama e a outra de São Sebastião. A atitude contribui para a obrigação do Estado de garantir aos adolescentes o acesso à educação e à cultura, como é previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente. "Sempre considerei Rogério um visionário em todas as frentes que atua. Ele é fora de série", elogia Thales. "É uma pessoa que tenta aproximar o piano, que é elitizado, do povo, seja no Eixão ou numa unidade de internação", observa.
Thales aponta que o Piano para todos não é apenas uma oportunidade para o público. "Isso também dá uma força para os artistas que ganham chance de ser conhecidos pelas pessoas", reflete.
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