Todos sabem que o "cambismo" — nome informal para descrever a ação de pessoas que compram vários ingressos de eventos esportivos e culturais para revendê-los a um preço bem mais alto, em geral quando as bilheterias estão esgotadas — consiste em crime. Mas nesta era de conectividade, fica cada vez mais difícil para os cidadãos perceberem quando seus direitos são violados. Sobretudo com o surgimento, a cada dia, de mais e mais cambistas digitais. De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a venda de ingressos a preços justos é um direito dos consumidores. Deve, portanto, ser respeitada.
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Na última semana, diversos conflitos relacionados à ação de cambistas ocorreram durante a compra de ingressos para os shows da cantora norte-americana Taylor Swift. Em minutos, os ingressos na plataforma oficial ficaram esgotados e começaram a ser oferecidos para venda em sites não oficiais. Estima-se que cerca de 10 mil deles foram comprados por cambistas. Notícias e tweets divulgaram que alguns ofereceram tais bilhetes em sites paralelos e até em redes sociais por mais de R$ 5 mil — quase cinco vezes o valor do ingresso mais caro originalmente oferecido.
Frustração
Isabelle Moreira, 22, relatou sua frustração com as plataformas que intermediam a compra de ingresso e disse que muitas não estão preparadas para o grande fluxo de pessoas. "Foi noticiado nos portais que diversos cambistas furaram o lugar dos fãs. É extremamente frustrante isso, porque você quer ver o seu artista. Tem gente que vai acampar na fila, que vira a noite, mesmo quem não vai presencialmente", desabafou. "Não dá pra dizer ao certo o que eles fazem, mas acabam conseguindo tirar essa vantagem para, depois, vender os ingressos por preços absurdos. Pegar mil computadores para tentar ver um artista e na hora não conseguir porque tem um marmanjo que quer lucrar em cima disso é muito ruim", afirmou a moradora do Sudoeste.
Para a advogada Vanessa Raquel Santos, especialista em Direito Civil e do Consumidor, a prática é criminosa, uma vez que os cambistas utilizam da facilidade da tecnologia e das redes sociais para se aproveitar do desejo e da vulnerabilidade do consumidor. Assim, eles compram ingressos do próprio fornecedor e depois revendem com valores extremamente elevados, falsificam ou até anunciam ingressos que não existem. O Estatuto do Torcedor-Consumidor, em seus artigos 41-F e 41-G, proíbe o fornecimento, o desvio e a facilitação da distribuição de ingressos para venda por preço superior ao estampado no bilhete. Segundo a advogada, a previsão legal vale também para eventos como festas e shows, e não apenas para ingressos esportivos.
Maria Clara de Sá, 23, contou que se preparou para a abertura da venda dos ingressos para os shows de Taylor, mas de nada adiantou. "Eu já sabia que a demanda ia ser muito grande. Estava super ansiosa, sabia que ia esgotar rápido", relatou. Ela se preparou o máximo que pôde, acompanhando nas redes dicas para conseguir um lugar bom na fila e criou um grupo com os amigos para aumentar o número de dispositivos. "Estava com quase 10 dispositivos. No dia, às 10h, quando abriram as vendas, conseguimos várias senhas. A menor era 27 mil, mas em 7 minutos, esgotaram-se os ingressos. Uma amiga pegou a senha 2060 e na vez dela já estava tudo esgotado", reclamou, chateada. "Não é sempre que um artista vem para o Brasil. Era muita ansiedade e acabou que ninguém do grupo conseguiu comprar o ingresso", reclamou.
Cautela
Vanessa Santos disse que costuma orientar as pessoas a adquirir ingressos apenas de fornecedores oficiais ou revendedores autorizados. "Não comprem de desconhecidos, porque se tiver qualquer problema, o CDC não poderá amparar o consumidor nas garantias de eventual cancelamento, remarcação e reembolso integral", explicou. "Dessa forma, aquele que adquire ingressos de cambistas pode se tornar refém de uma prática ilegal com prejuízos irreparáveis", completou.
O consumidor que compra ingressos de cambistas não comete crime, mas incentiva a prática abusiva, que burla as condições e garantias que a lei estabelece para a venda de ingressos. "Quem compra nessas situações se expõe aos riscos e descaracteriza as relações de consumo respaldadas pelo CDC, que proíbe tais práticas e resguarda o consumidor", alertou a advogada.
Caso seja percebida alguma prática abusiva ou irregular, é possível formalizar uma reclamação perante o Procon local, órgão de defesa do consumidor responsável por fiscalizar e notificar as empresas que organizam os eventos e comercializam os ingressos. Foi o que aconteceu no caso das vendas para os shows da Taylor Swift: após diversas reclamações de consumidores, o Procon-SP notificou a empresa responsável pela comercialização dos ingressos para apresentar explicações sobre os problemas nas vendas.
A partir dessas denúncias e notificações, caberá à empresa esclarecer e comprovar como se deu a disponibilidade e as condições de venda dos ingressos. Se necessário, o Procon poderá ajustar medidas que favoreçam as relações de consumo, evitando riscos e mais prejuízos ao consumidor por vendas irregulares.
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