Recursos

Educação, saúde e segurança pública estão ameaçadas caso haja corte no FCDF

O Correio ouviu especialistas e os secretários das pastas atendidas pelos recursos para saber qual será a situação do DF caso o projeto do arcabouço fiscal, que tramita no Senado, seja sancionado conforme aprovado na Câmara Federal

Arthur de Souza
postado em 09/06/2023 03:59
 (crédito:  Ed Alves/CB/DA.Press)
(crédito: Ed Alves/CB/DA.Press)

O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é responsável por arcar com parte das despesas de três áreas fundamentais da capital do país. Especialistas e secretários ouvidos pelo Correio alertam sobre a gravidade das consequências, como o congelamento dos salários das forças de segurança, a suspensão de investimentos na educação e a precarização da saúde pública.

Atualmente, o cálculo para o crescimento percentual do recurso é feito de acordo com a arrecadação líquida da União, ou seja, quanto mais o governo federal recebe, maior é o valor do fundo repassado ao DF. A emenda do relator do arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados, Cláudio Cajado (PP-BA), propõe limitar esse crescimento.

Segundo o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB) César Bergo, nos próximos anos, o repasse do FCDF poderá crescer até 70% em cima do aumento das receitas da União, quando não existe esse limitador atualmente. "A emenda proposta na Câmara dos Deputados coloca em risco o suprimento de recursos para essas áreas tão sensíveis", alerta. "É lógico que esse 'esvaziamento' não vai acontecer a curto prazo, porém, com o tempo, os gastos com as três áreas vão cair", complementa Bergo.

No orçamento de 2023, o Fundo Constitucional representa cerca de 40% de todo o recurso disponível para o DF (R$ 57 bilhões). "O valor cobre 90% da segurança pública, 55% da saúde e 43,5% da educação. Não cobre 100%, porque existem outros recursos, vindos do próprio GDF", comenta o economista. "Mas temos limitadores, por questões geográficas. Brasília não consegue ter uma indústria crescente e atividades econômicas que garantam autossuficiência financeira para a cidade", destaca.

Para ele, não há dúvida de que, caso aprovada, a emenda que limita o crescimento percentual do FCDF vai significar um retrocesso sem precedentes. "Me parece ser uma medida equivocada. De maneira geral, há o risco quanto à manutenção da cidade. As questões sociais do DF são graves, pois temos áreas que precisam de investimentos em praticamente todos os setores, como o próprio Sol Nascente, maior favela do Brasil", aponta. "Não se deve colocar em risco a manutenção da capital federal. É necessário que haja uma atenção especial a este assunto e que os parlamentares e congressistas tenham um carinho maior", avalia o especialista.

Precarização

MBA em planejamento, orçamento e gestão pública, e professor de legislação orçamentária do Iesb, Wilson Bandeira lembra que, com a correção do FCDF, feita tendo como base a Receita Corrente Líquida (RCL) da União, regra atual, a evolução do recurso repassado à capital do país seria muito mais acentuada do que a prevista pelo arcabouço fiscal — limitado a 2,5% ao ano. "Para se ter uma ideia, em 2013, o repasse do FCDF foi de R$ 10,69 bilhões e, em 2023, foi de R$ 22,97 bilhões. Um aumento de, aproximadamente, 115%", calcula.

O professor confirma que, caso o corte se concretize, o maior impacto para o DF será o congelamento das remunerações das forças de segurança, além da precarização dos serviços de saúde e de educação. "A falta de investimento na saúde afetará diretamente a população mais carente do Distrito Federal, pois os recursos do FCDF desafogam o GDF e permitem investimentos em equipamentos e medicamentos com recursos próprios", explica Bandeira. "Quanto menores forem os recursos do FCDF, maior será o comprometimento dele com as despesas de pessoal, sobrando muito pouco para investimento", ressalta.

Impacto direto

O Correio ouviu os secretários das três pastas abrangidas pelo recurso do FCDF. De acordo com a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, a rede pública de ensino também está ameaçada pela possível redução percentual do Fundo Constitucional. "Se a emenda permanecer no arcabouço fiscal, com o congelamento previsto, eu e qualquer outro secretário que assumir este cargo seremos meros gestores de folha de pagamento dos servidores, pois a medida impactará fortemente nos avanços das políticas públicas voltadas para a educação", avalia. "Isso porque, com a redução da verba, teremos que realocar recursos para garantir o pagamento dos professores da nossa rede", afirma Hélvia.

A secretária de Saúde do DF, Lucilene Florêncio, destaca a importância do FCDF, reiterando que a verba federal é destinada ao pagamento de pessoal, custeio e investimento de áreas significativas do DF. "É ele quem garante o funcionamento dos serviços públicos de educação, saúde e segurança pública na nossa capital. É dele que o GDF tira a sua sustentabilidade orçamentária. A saúde também depende do Fundo Constitucional", observa.

"Quando utilizo o dinheiro do Tesouro e do FCDF para pagar o pessoal, algo deixará de ser contemplado, como questões de investimentos em tecnologias. Todas as entregas de médio e longo prazos estão comprometidas", informa. Segundo Lucilene, os três hospitais prometidos pelo governador Ibaneis Rocha não entram na lista, porque estão dentro do orçamento deste ano, mas todo o necessário para que eles funcionem corre perigo. "Vai ficar difícil equipá-los com maquinário e servidores", aponta.

De acordo com o secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, a redução do repasse pode acarretar uma série de prejuízos para o setor. "O recurso é, basicamente, a única fonte da SSP. A medida terá um impacto direto na nossa capacidade de investir em tecnologia e equipamentos", analisa o gestor. "Além disso, aumenta a dificuldade de contratar novos servidores, realizar reestruturações de carreira e oferecer reajustes salariais aos nossos servidores. Isso pode impactar, diretamente, na segurança pública do DF e, consequentemente, na qualidade de vida da população", diz Avelar.

Para saber mais

O que é o FCDF?

O Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) é uma verba da União destinada, anualmente, ao governo do Distrito Federal (GDF) para ser utilizada nas áreas da saúde, educação e segurança pública. Foi instituído em 2002, por meio da Lei nº 10.633/02, e o recurso passou a ser repassado a partir de 2003. De acordo com a legislação, o FCDF tem a finalidade de prover os recursos necessários à organização e à manutenção da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), bem como assistência financeira para execução de serviços públicos de saúde e de educação.

Qual a projeção das perdas, caso a emenda seja mantida?

De acordo com relatório produzido pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (Seplad) do DF, caso o arcabouço fiscal seja aprovado no Senado Federal, nos mesmos termos aprovados na Câmara dos Deputados, a projeção é de que haja uma perda de R$ 87,8 bilhões até 2033.

O que o relator pode fazer para preservar o fundo?

O relator do arcabouço no Senado, Omar Aziz (PSD-AM), pode acrescentar uma emenda ou um destaque ao relatório do arcabouço, retirando a proposta de mudança no cálculo do FCDF. Desta forma, o texto voltaria para a Câmara dos Deputados para ser votado novamente. Neste caso, os parlamentares do DF podem negociar para que a Câmara reconsidere e não inclua novamente nenhum destaque que interfira no fundo. É possível, ainda, fazer um acordo com o governo federal para que o texto seja aprovado no Senado como veio da Câmara e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetar a mudança.

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação