A segurança pública da capital do país pode sofrer uma séria redução de recursos se o arcabouço fiscal passar pelo Senado com o mesmo texto aprovado na Câmara dos Deputados. A proposta sugerida pelos deputados federais prevê mudança no cálculo do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) — verba da União destinada às áreas da educação, saúde e segurança pública —, o que congelaria parte dos recursos, com perdas significativas a longo prazo, de acordo com projeções feitas pela Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do DF (Seplad). Desde que o FCDF foi instituído, em 2003, a maior parcela da verba é sempre destinada à segurança pública, que tem o fundo como única fonte de recursos. Para 2023, 44% dos mais de R$ 22 bilhões do Fundo Constitucional do DF foram direcionados à segurança pública. Diferentemente das áreas da educação e saúde, em que os recursos do FCDF são usados somente para pessoal e custeio, no caso da segurança pública, além destas duas destinações, a verba é usada também para investimentos.
Os recursos do FCDF são usados para custear a organização e a manutenção da Polícia Civil (PCDF), da Polícia Penal, da Polícia Militar (PMDF) e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF). O secretário de Segurança Pública do DF, Sandro Avelar, demonstrou preocupação com o possível congelamento de parte dos recursos do fundo. "A redução do repasse anual pode acarretar uma série de prejuízos, pois diferente dos outros setores do governo, o fundo é a única fonte de recurso da segurança pública do DF. A medida terá um impacto direto na nossa capacidade de investir em tecnologia e equipamentos, contratar novos servidores, realizar reestruturações de carreira e oferecer reajustes salariais aos nossos servidores", observou o chefe da pasta.
Ao Correio, Avelar ressaltou a importância da atuação das forças de segurança na capital do país, pelo local ser foco de manifestações, entre outras atividades populares. "Nos casos das manifestações, por exemplo, o DF acaba recebendo, com frequência, caravanas de manifestantes de todas as regiões do Brasil, para atos na Esplanada dos Ministérios e adjacências, diferentemente das demais unidades da Federação, que atuam somente em manifestações de contexto regional", acrescentou o secretário.
Presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Ana Izabel Gonçalves de Alencar explicou que o crescimento da população do DF, que hoje tem quase 3 milhões de habitantes, segundo o Censo de 2022, demanda um número maior de agentes de segurança na rua para manter a cidade segura. "Para garantir a segurança pública, é necessário um contingente expressivo de agentes atuando nesta área. Precisamos de mais agentes e que sejam bem remunerados, pois atuam em profissões de risco de vida. Além dos servidores, precisamos manter ainda equipamentos, automóveis, aeronaves e transportes aquáticos utilizados na execução do trabalho das forças de segurança", analisou a especialista.
Montante
Para 2023, dos R$ 22,9 bilhões do Fundo Constitucional, R$ 10,1 bilhões foram para a segurança pública, um montante que representa 44% do total do recurso. Desde 2003, quando entrou em vigor, o aporte anual do Fundo Constitucional é de R$ 2,9 bilhões, corrigido anualmente pela variação da receita corrente líquida (RCL) da União. O Arcabouço Fiscal pretende corrigir o repasse a partir de 2025, de acordo com a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e ganho real da despesa primária do Poder Executivo, limitado a 2,5%. Com isso, o crescimento real do fundo que, até o momento, era em média 10,71% ao ano, passaria a ser de 5,76%, de acordo com relatório elaborado pela Secretaria de Planejamento.
A projeção da Seplad aponta para uma perda de R$ 87,8 bilhões até 2033, caso o arcabouço seja aprovado. Outras projeções também foram feitas paralelamente por consultores do Congresso Nacional. O secretário de Planejamento do DF, Ney Ferraz, esclareceu a análise feita no relatório da Seplad. "Na projeção realizada no âmbito do GDF buscou-se utilizar a variação da RCL incidente durante todo o período de vigor da Lei 10.633/02, incluindo os períodos de decréscimo, de forma a não utilizar cortes temporais que possam influenciar o resultado", explicou o chefe da pasta.
"Mesmo com a nova metodologia adotada pela União, haveriam perdas de R$ 17 bilhões, em comparação à utilização da variação da Receita Corrente Líquida (RCL) como parâmetro, o que representa aproximadamente 74% do valor atual do Fundo Constitucional. Assim, tal valor não pode ser considerado irrelevante, pois vai incidir na falta de capacidade de investimento e estruturação das áreas afetas ao FCDF", concluiu Ney.
Bancada otimista
Um dia depois de receber o governador Ibaneis Rocha (MDB), o secretário Ney Ferraz e também parte da bancada do Distrito Federal, o relator do arcabouço fiscal no Senado, senador Omar Aziz (PSD-AM), se reuniu, nesta quarta-feira (31/5), com a vice-governadora do DF, Celina Leão (PP), a senadora Leila Barros (PDT-DF), o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), e os deputados federais Erika Kokay (PT-DF), Paulo Fernando (Republicanos-DF) e Rafael Prudente (MDB-DF). "O relator demonstrou mais uma vez o compromisso de respeitar o Distrito Federal e não aprovar uma emenda que não estava no texto original", afirmou Izalci.
Celina Leão saiu otimista do encontro. "O senador (Omar Aziz) é do diálogo, da construção. A ideia é a construção, nós não queremos discutir cálculos, partimos da premissa de que o problema é mexer no fundo. O senador disse que tem que fazer algumas conversas com o governo federal, com alguns senadores e vai nos trazer uma resposta", destacou a vice-governadora.
Erika Kokay também articula em favor do fundo, mesmo que a proposta já tenha sido votada na Câmara. "Senti que o relator foi bastante receptivo quanto às questões que levantamos. Ele tem o entendimento de que Brasília deve ser tratada como capital da República. A nossa bancada não irá desistir. Iremos a todas instâncias necessárias para assegurar que não haja nenhum dano ao DF", pontuou.
"Foi mais uma oportunidade para mostrar a importância do FCDF para a capital do país. O senador mostrou que ainda não tem conhecimento do arcabouço como um todo, mas que concorda com a argumentação da bancada do DF. Ele, sozinho, não pode tirar a emenda, mas vai levar o assunto até o (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda) e a equipe econômica do governo federal a argumentação da bancada para, depois, dizer se pode ou não retirar o destaque. Sem prazo para esse retorno", informou Rafael Prudente.
O secretário Sandro Avelar destacou a importância de uma ação conjunta para que outros estados entendam a importância do Fundo Constitucional. "É crucial que os parlamentares de outros estados compreendam que as forças de segurança do DF são as únicas no país que se dedicam, além do contexto local, também às causas nacionais e até internacionais, oferecendo suporte e segurança para autoridades e órgãos federais, além do corpo diplomático. Portanto, essa redução em nossa capacidade de investir pode impactar diretamente na segurança e qualidade de vida da população", explicou o secretário.
Reajuste
O governador Ibaneis Rocha (MDB) garantiu, na última semana, que a recomposição salarial das forças de segurança do DF está mantida, independentemente de qualquer alteração no FCDF. Ibaneis aguarda o envio e aprovação do projeto de lei, que inclui o aumento de 18% no orçamento da União deste ano, e a medida provisória (MP), que autoriza a recomposição para que os contracheques dos servidores da Polícia Civil do DF, da Polícia Militar do DF e do Corpo de Bombeiros sejam reajustados. O projeto do reajuste das forças de segurança do DF será entregue nesta quinta-feira (1º/6), às 16h, na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) da Presidência da República.
Os recursos
Porcentagem do FCDF para segurança
- 2020 — 52%
- 2021 — 53%
- 2022 — 53%
- 2023 — 44%
Porcentagem de aumento da fatia destinada à segurança com relação ao ano anterior
- 2020 — 6%
- 2021 — 2%
- 2022 — 4%
- 2023 — 17%
*Colaborou Arthur de Souza
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