Uma das grandes tradições da Festa do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, o ritual da Cavalhadas começou ontem e levou um grande público até o cavalhódromo, onde ocorrem as representações teatrais das batalhas que remontam à época medieval, com a história das disputas entre mouros e cristãos (leia Para saber mais). A primeira encenação foi em 1826, por iniciativa do Padre Manuel Amâncio da Luz, quando foi Imperador do Divino Espírito Santo.
A hierarquia dos exércitos da Cavalhadas, tanto para os cristãos quanto para os mouros, segue a seguinte ordem: dos doze cavaleiros, o posto mais alto é ocupado pelo rei; abaixo dele aparece o embaixador; e, por fim, os 10 soldados. Segundo a tradição local, a substituição de um dos postos só ocorre em caso de morte ou desistência de quem está acima.
Um dos que participou por muito tempo das encenações foi o aposentado Luiz Armando Pina, 70 anos. "Comecei a participar da Cavalhadas por tradição familiar. Meus avós e tios participaram e, quando cheguei à adolescência, também passei a contracenar", conta. "Tenho 27 anos de Cavalhadas, sendo que em 20 foram só como rei dos mouro", destaca Pina.
Ele afirma que a última participação como rei dos mouros foi muito boa. "Cumpri com a minha obrigação de pirenopolino e religioso. Além disso, sinto que preservei a cultura da minha cidade durante todo esse tempo", observa. "Por outro lado, também tem o sentimento no coração de estar afastado e não poder estar junto aos amigos no campo de batalha", pondera. Por isso, de acordo com Luiz Armando Pina, sempre dá vontade de voltar. "Mas também tenho um prazer enorme em aplaudir meus amigos, como espectador", garante.
O comerciante Adail Luiz Cardoso, 58, atua como rei cristão há 21 anos, porém, participa da Cavalhadas desde os 17 anos de idade. Para ele, o espetáculo nunca é igual. "Apesar de serem as mesmas carreiras, os sentimentos são sempre diferentes. Nunca se vive a mesma coisa. A emoção é grande e é muito bom estar à frente desse grupo de pessoas maravilhosas, representando esse folclore rico do nosso país", comenta.
Em relação a sua continuidade como rei cristão, Adail faz mistério. "Vamos ver até quando. Estou com mais de 40 anos de Cavalhadas e o corpo já vai pesando. A gente gosta muito da festa, mas as coisas vão mudando muito, jovens entram e temos que dar espaço para outros também", ressalta.
Secretária de Turismo de Pirenópolis, Vanessa Leal lembra que a Cavalhadas é o ápice da festa. Sobre a Festa do Divino, ela afirma que a intenção é mostrar a riqueza do festejo para quem visita à cidade. "Mais do que isso, a ideia é que a festa seja um grande ativo de atração de fluxo de visitantes", frisa. "A expectativa, para este ano, é que cerca de 30 mil visitantes passem por aqui durante a Cavalhadas", calcula Leal.
Folclore que encanta
Mas a festa também é feita para turistas, como o analista de recursos humanos Felipe Angiolucci, 31. O morador de São Paulo afirma que o interesse pela região sertaneja, que inclui o estado de Goiás, veio após ler uma das grandes obras de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. "Me apaixonei pelo livro. Além disso, a história me tocou, fez com que eu passasse a pesquisar sobre o local onde ela se passa e, depois disso, comecei a me aprofundar sobre a história de Goiás, especificamente", detalha.
Durante as pesquisas, Angiolucci acabou descobrindo a história da Festa do Divino Espírito Santo. "Me programei para conhecê-la e aqui estou pela primeira vez, assim como a minha mãe", comenta. Para além da Cavalhadas, ele coloca toda a atmosfera do festejo como algo que chamou sua atenção. "Estou gostando de ver que tem um público bem diversificado e apaixonado. Os moradores da cidade se empenham bastante, dá para perceber que eles fazem com o coração", nota. "Vou ficar aqui até terça-feira e pretendo ver tudo, pois não sei quando volto novamente. Dormir, a gente deixa para quando voltar para São Paulo", brinca o paulista.
Para a mãe de Felipe, Regina Angiolucci, 50, o evento é diferente de tudo que já viu. "Além disso, o povo é bastante acolhedor. O mais legal é ver que a tradicionalidade se manteve com o passar do tempo", destaca.
Vindos de Brasília, o casal de aposentados Celso Hipólito, 65, e Marli Dias, 62, acompanharam o início da Cavalhadas e ficaram encantados. Para Hipólito, foi a primeira experiência. "Estamos por aqui quase sempre, mas nunca tinha coincidido o período da visita (com a Festa do Divino). Desta vez, aproveitamos que o aniversário da minha esposa foi ontem (sábado) para comemorar aqui na cidade", revelou. "É muito bonito, um espetáculo. É outra cultura, completamente diferente do que a gente costuma ver em Brasília. Não existe isso por lá", elogiou o morador de Águas Claras.
Para Marli Dias, que acompanha o espetáculo desde que era mais nova, foi a oportunidade de trazer o marido para conhecer o festejo. "A cada ano que passa, o espetáculo fica mais belo. Uma edição é sempre melhor do que a outra", aponta.
Para saber mais
A Cavalhadas tem sua origem ligada à Portugal. É a representação simbólica da história da luta travada entre o Imperador do Ocidente, Carlos Magno, e os mouros que invadiram a Península Ibérica, pretendendo forçar os cristãos a aderirem à religião maometana.
Mouros: O Rei e o Embaixador se vestem com calça e camisa, ambas vermelhas tampadas com um peitoral de lata com adornos dourados. Também utilizam uma capa que traz um bordado dourado no formato de meia lua. Na cabeça, usam um capacete em formato de coroa, simbolizando que eles são os comandantes do exército dos Mouros.
Os outros 10 soldados se vestem com uma camisa vermelha e um colete preto sobreposto em seu peitoral. Usam calça de veludo na cor vermelha e botas pretas. Na cabeça, todos os soldados usam chapéu na cor vermelha, com duas penas — uma vermelha e uma branca.
Cristãos: O Rei e o Embaixador se vestem com calça e camisa, ambas azuis e brancas, tampadas com um peitoral de lata com adornos na cor prata. Também utilizam uma capa que traz um bordado prateado no formato de cruz. Na cabeça, usam um capacete em formato de coroa, simbolizando que eles são os comandantes do exército dos Mouros.
Os outros 10 soldados se vestem com uma camisa azul e um colete preto sobreposto em seu peitoral. Usam calça de veludo na cor branca e botas pretas. Na cabeça, todos os soldados usam chapéu na cor preta, com duas penas — uma azul e uma branca.