MÚSICA

Crônica da Cidade: Rita Lee para sempre

"Rita se foi com a mesma idade (ou quase a mesma) de Santa Rita, pertinho da data em que gostava de celebrar seu aniversário. Para a legião de fãs, todo o tempo do mundo seria insuficiente, mas ela deixou o brilho eterno de sua estrela por aqui"

Rita Lee imprimiu seu jeito único de ser até mesmo no aniversário. Como nasceu na virada do ano, escolheu outra data para completar novos ciclos em volta da terra: hoje, 22 de maio, dia da xará Santa Rita de Cássia. É também nesta segunda-feira que estreia a mais nova versão da autobiografia, em que ela compartilha o tratamento contra o câncer e novas reflexões sobre a vida e, consequentemente, sobre o envelhecimento.

O jeito fluido e “descolado” de escrever me cativou desde a primeira obra, lançada em 2016, também pela Globo Livros. Há uma espontaneidade e uma sinceridade nua e crua ali que transparecem igualmente em suas canções. Mesmo mantendo a discrição dos trechos da vida que ela preferia guardar na privacidade, Rita Lee Jones foi fiel aos seus sentimentos e aos seus amores. O livro é, no fim e também, uma declaração de amor a Roberto de Carvalho e aos filhos.

Fiz os cálculos e percebi que a crônica desta semana cairia justo no dia de Rita. Por isso, esperei para escrever apenas hoje sobre a sua partida. No dia em ela nos deixou, busquei em casa a autobiografia, anotei alguns trechos e emprestei a uma colega que ainda não havia lido e decidiu antecipar os planos, já que tinha reservado a nova versão para tentar recebê-la na estreia.

A devoção da artista à Santa das Causas Impossíveis até hoje me surpreende um pouco. Mas essa ligação com o transcendental fica clara em algumas canções. Ela chegou até mesmo a homenagear a própria Santa Rita, à la Lee, em Santa Rita de Sampa: “Bendita Rita da Lua cheia / Rogai por mim nesse começo de fim / O espinho nosso de cada testa / Milagrosa seja vossa festa / Sois o lazer de quem trampa / Bendita Santa Rita de Sampa / Santa Rita de Sampa / Santa Rita”.

As preces para Sampa poderiam se estender a Brasília, onde Rita viveu alguns momentos marcantes — mesmo aqueles que foram sem nunca terem sido. Durante a turnê de Entradas e Bandeiras, em 1976, teve apresentação cancelada pela ditadura militar. O show estava marcado para ocorrer no Ginásio de Esportes do Colégio Marista da 609 Sul, espaço onde, um ano antes, ele apresentou Fruto Proibido. No extinto Pelezão, em 1983, contestou a ditadura e bradou: “Para a censura, eu digo: é proibido proibir”.

Rita se foi com a mesma idade (ou quase a mesma) de Santa Rita, pertinho da data em que gostava de celebrar seu aniversário. Para a legião de fãs, todo o tempo do mundo seria insuficiente, mas ela deixou o brilho eterno de sua estrela por aqui. “Estranho ter sido o que fui sendo eu o que sou hoje. Parece que sempre tive a idade que tenho agora. Aos setenta tem-se a impressão de que a vida passou rápido demais, escrevendo a própria biografia, percebe-se que foi longa pra caramba. Vivi intensamente infância, juventude e maturidade, a fase velhice é novidade para mim, apesar de, claro, percebê-la mais familiar do que as anteriores.”