Dez anos após a autorização que permitiu aos cartórios de registro civil realizarem casamento de pessoas do mesmo sexo, e 12 anos desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a união homoafetiva às heteroafetivas, o número desses matrimônios cresceu quase sete vezes. Em 2013, foram 83 celebrações, enquanto no ano passado foram 628. Até abril de 2023, os cartórios do Distrito Federal contabilizaram 2.369 enlaces.
Os números são da Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), que colhe dados de nascimentos, casamentos e óbitos administrados pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). A entidade reúne os 7.757 cartórios de registro civil do país. Eles são contabilizados a partir da publicação da Resolução nº 175 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que padronizou a atuação das unidades registrais no país. Os casais femininos são a maioria, representando 52,1% do total, enquanto os masculinos aparecem com 47,9%.
Antes da publicação da norma, os cartórios eram obrigados a solicitar autorização judicial para celebrar casamentos que, muitas vezes, eram negadas pelos magistrados por conta da ausência de lei, que até hoje não foi editada pelo Congresso Nacional. A questão foi superada pelo STF que, em 2011, entendeu existir os mesmo direitos entre casais héteros e do mesmo sexo.
O vice-presidente da Arpen-Brasil, Bruno Quintiliano, afirma que a evolução nos casamentos entre pessoas do mesmo sexo reflete não apenas na ampliação dos direitos e da igualdade para casais do mesmo sexo, mas também uma mudança significativa na percepção social sobre a diversidade e o respeito às diferentes formas de amor e união. "O reconhecimento legal do casamento homoafetivo trouxe avanços importantes para a garantia dos direitos civis e a proteção jurídica desses casais", ressalta. "Essa mudança reflete o compromisso com a igualdade e o respeito à diversidade, proporcionando a todos os casais, independentemente da orientação sexual, a oportunidade de formalizarem sua união e desfrutarem dos direitos e benefícios legais que o casamento oferece", acrescenta Quintiliano.
Altos e baixos
Os matrimônios entre casais femininos totalizaram 1.235 das celebrações homoafetivas em cartórios do DF, desde 2013. A advogada Paloma Gomes, 38 anos, e a jornalista Bárbara Mengardo, 33, fazem parte dessa estatística. "Posso dizer que isso nos deu e nos dá muita segurança, ainda mais com os últimos anos sombrios que vivemos no Brasil. É o que nos garante, por exemplo, entrar e permanecer uma ao lado da outra em hospitais sem maiores questionamentos", comenta Paloma, que continua. "Parece algo simples, banal e corriqueiro para casais héteros, que dificilmente seriam questionados sobre o estado civil, caso precisassem acompanhar seus maridos ou esposas num hospital. Mas para o nosso público, nem sempre é tão fácil."
Bárbara Mengardo reforça a fala da esposa. "A gente pode se casar, mas tudo relacionado ao casamento LGBT é precário ainda. Já tive dificuldade, por exemplo, em colocar a Paloma no meu plano de saúde", comenta. "Fico muito feliz pelo aumento de casamentos homoafetivos, mas ainda é preciso avançar muito na questão dos direitos ao público LGBT, que decide se unir no civil", aponta.
"Não saio de casa sem minha certidão de casamento. Bárbara é a minha esposa e ponto. Apenas espero e exijo que respeitem a nossa existência, como mulheres que amam outras mulheres e como família", desabafa Paloma.
Didático
Francisco Monteiro e Luiz Eduardo Sarmento, ambos de 35 anos, se conheceram em 2012, por meio de amigos em comum. De acordo com Francisco, desde a primeira noite que se viram, nunca mais se desgrudaram. "Dormimos todos os dias juntos desde aquele dia. Após um mês juntos, aconteceu o pedido de namoro e, seis meses depois, passamos a morar juntos", recorda o artista plástico. "Soubemos da autorização para casamentos homoafetivos pelas redes sociais e, em 2015, para assegurar nossos direitos civis, decidimos procurar um cartório. Também oficializamos a união como um ato de representatividade", destaca.
Segundo Francisco, o casal não enfrentou nenhum tipo de preconceito da família ou dos amigos. Em relação ao crescimento de casamentos homoafetivos no DF, o arquiteto comemora as estatísticas. "Enxergo como algo didático para o restante da sociedade, pois uma iniciativa como essa ajuda a naturalizar a união entre casais do mesmo sexo. As crianças da nova geração vão crescer sabendo que existe mais de um tipo de casamento", afirma.