Jornal Correio Braziliense
Questão fundiária

Força-tarefa intensifica ação contra grileiros em Vicente Pires

Secretaria DF Legal está mapeando construções de prédios irregulares e ocupação de áreas destinadas a equipamentos públicos em Vicente Pires. Fiscalização também deve aumentar no Assentamento 26 de Setembro

Uma força-tarefa do governo do Distrito Federal começou a investigar irregularidades em obras de Vicente Pires. A operação, coordenada pela Secretaria DF Legal, prevê ações que possam preservar áreas verdes, nascentes, entre outros, que foram impactados pelo crescimento de invasões na cidade. Especialistas ouvidos pelo Correio apontam que a medida é de grande importância para frear o avanço da grilagem de terras na região administrativa.

Dentro do cronograma da pasta, os fiscais trabalharão, inicialmente, com o mapeamento de pontos-chave na cidade, onde há áreas passíveis de irregularidades. Por isso, não está descartada possibilidade de as equipes de auditores fiscais fazerem notificações, apreensões, multas ou demolições em Vicente Pires. 

"O objetivo é mapear e geoprocessar imagens colhidas por drones e aeronave tripulada para monitorar áreas de condomínios em formação ou destinadas a equipamentos públicos. A partir da próxima semana, diariamente, serão enviadas equipes para mapear e geoprocessar todos os prédios e construções acima de dois pavimentos", informou, por meio de nota, a pasta.

A portaria da força-tarefa, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) de 4 de maio, cumpre a determinação de uma decisão sigilosa do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Além disso, o texto explica que a criação da operação consiste em monitorar, fazer levantamentos e também o geoprocessamento dos prédios, além da verificar se áreas destinadas a equipamentos públicos estão ou não ocupadas, conforme estabelecido nas Diretrizes Urbanísticas do Setor Habitacional Vicente Pires (Diur), de 2015 (veja Memória). Ao fim, os resultados da operação serão repassados à Subsecretaria de Fiscalização (Suob). 

Bairros

Para o advogado especialista em direito civil Alexandre Matias, existe um problema crônico no DF: a regularização fundiária. O especialista afirma que o crescimento desordenado de vários bairros em todo o DF acabam facilitando o trabalho de grileiros. "Esse crescimento ilegal deve ser coibido e reprimido com rigor pelo Poder Público, uma vez que os bairros surgem sem infraestrutura e sem planejamento urbano adequado. Com frequência, assistimos diversas enchentes e inundações em Vicente Pires, por exemplo, que colocam em risco a vida dos moradores e causam grandes danos patrimoniais, tudo isso é fruto desse crescimento desordenado. Brasília nasceu como uma cidade planejada e deve ser mantida dessa forma, sem flexibilizar a construção de moradias em áreas irregulares", opinou.

Matias acrescenta que a força-tarefa instituída pelo governo é necessária, mas que é preciso ter efetividade, até porque o DF é pequeno, se comparado com outros estados. "O combate deve ser feito de forma ágil, antes que haja a formação de condomínios irregulares e a construção das edificações. O DF possui uma área territorial relativamente pequena e é bem equipado, se comparado com outros estados da Federação. Assim, a identificação do surgimento de construções irregulares é mais rápida, em especial com o avanço da tecnologia e o monitoramento via satélite. Não é razoável que se repita os erros do passado, onde bairros inteiros e condomínios enormes surgiram em área irregular, por vezes até mesmo pública, sendo o Poder Público omisso em seu dever de vigilância", completou.

É no mesmo sentido que a especialista em direito imobiliário Ana Carolina Osório analisa. A advogada argumenta que, medidas desse modelo são de suma importância, já que muitas pessoas compram imóveis acreditando que se trata de algo regular. "A promoção de medidas efetivas de gestão e fiscalização é essencial para que as normas urbanísticas sejam cumpridas e os parcelamentos irregulares de solo sejam evitados. Essa atividade ilegal causa prejuízo ao Poder Público e, sobretudo, ao particular, que muitas vezes é induzido em erro", destacou.

"Para combater a grilagem, o primeiro passo é implementar políticas públicas habitacionais capazes de atender à população mais carente. A ausência dessas políticas fomenta o crescimento urbanístico desordenado, que, por sua vez, causa problemas ambientais, sanitários, de mobilidade urbana, saúde e segurança. O segundo passo é promover medidas eficientes de monitoramento remoto de ocupações irregulares. Já o terceiro passo envolve a atuação firme do Poder Público no sentido de autuar o responsável e, em caso de insucesso na medida administrativa, adotar as medidas judiciais cabíveis", acrescentou.

Reprodução - Placa de lote para venda irregular de lotes
DF Legal/Divulgação - DF Legal está retirando obras irregulares em Vicente Pires
Minervino Júnior/CB/D.A.Press - Cuidado: alerta no Assentamento 26 de Setembro

26 de Setembro

A pouco mais de 20km do centro da capital federal, na Floresta Nacional de Brasília (Flona), o Assentamento 26 de Setembro é outra região sensível do DF, em que grileiros expandiram os negócios irregulares. A região, nos últimos anos, tem crescido de maneira acelerada, com a construção de condomínios e comércios em uma área que ultrapassa 1 milhão de metros quadrados. 

De acordo com a DF Legal, o 26 de Setembro se encontra em um processo de regularização junto à Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do Distrito Federal (Seduh) e Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap), após a transferência definitiva da terra da União ao GDF. 

"De maneira geral, desde o ano de 2021 foram realizadas 1.630 operações com a desobstrução de 10.161.932m², por meio de operações de pronto emprego e pronta resposta. Buscando conter essa expansão na região, o monitoramento de todo território do DF é feito de forma constante, seja por meio de equipes de campo, drones ou imagens de satélite. As soluções que a secretaria buscou foram: concurso público para contratação de auditores com previsão de chamamento no segundo semestre deste ano; contratação de terceirizados para monitoramento do território; aquisição de drones; aquisição de sistema de monitoramento e imagens de satélite; contratação de software e de tecnologia com algoritmo de detecção de invasões de forma automática; e firmação de parcerias com outros parceiros governamentais, a criação de Unidade de Inteligência na DF Legal, a fim de ampliar a proximidade com forças de segurança, MPDFT e judiciário", ressaltou a DF Legal.

Carência

Para o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF), Dionyzio Klavdianos, o avanço da grilagem no DF ocorre por conta da falta moradias legais para a população brasiliense. O sindicalista apontou que o enfrentamento do problema nunca chegou a ser um tema debatido pelas gestões do Executivo, Legislativo e Judiciário. "O nascedouro desse processo ocorre por conta da carência da moradia legal. Notadamente, a de menor poder aquisitivo. Mas, também, a de classe de classe média — a gênese dos condomínios do Jardim Botânico foi tão ilegal quanto o Vicente Pires ou o Sol Nascente. O Estado, em vez de optar por organizar uma política de habitação apropriada, o fez sempre de forma acanhada e incompleta. Vejam as filas intermináveis da Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), enquanto loteamentos ilegais passam a contar com dezenas de milhares em poucos anos", afirmou.

"Além de toda problemática urbanística e social, destaca-se, ainda, impactos ambientais associados a expansão urbana sem planejamento, principalmente, contaminação do lençol freático; redução da biodiversidade ecológica e aumento da formação de processos erosivos. Neste contexto de ausência de infraestrutura urbana, a ocorrência de enchentes e a presença de resíduos/efluentes expostos propiciam problemas de saúde pública graves", completou Klavdianos.

A grilagem de terras no DF será alvo de debates no fórum "A grilagem de terra no Distrito Federal e suas consequências ambientais", nesta quinta-feira (11/5), às 8h30, no auditório do Sinduscon. No evento, estarão a Secretaria de Meio Ambiente e Proteção Animal (Sema); a Seduh; a DF Legal; o Instituto Brasília Ambiental (Ibram); a Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra); a Terracap; a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento (Adasa); e a Vara do Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

Memória

Vicente Pires foi oficialmente criada em 26 de maio de 2009, após sanção de uma lei. Segundo os dados da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD), de 2015, realizado pela extinta Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) — atual Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF —, a população da cidade é de aproximadamente 100 mil habitantes.

O Diur, de 2015, é um documento oficial emitido pela Seduh que define parcelamentos urbanos de cada região administrativa, que servem para orientar a elaboração de projetos preliminares de cada parcelamento. No Diur de Vicente Pires, a cidade foi dividida em 10 zonas, sejam residenciais, econômicas, residenciais ou institucionais, além da área de preservação permanente.