OBITUÁRIO

A morte de Daniel Júnior deixa um silêncio nos palcos musicais da capital

Amigos e familiares lembram a grandeza de Daniel Júnior, refinado cantor, referência musical no Distrito Federal. Sambista e compositor morreu, aos 79 anos. Show solidário ajudará a família a custear despesas hospitalares

Daniel Júnior já era um músico muito requisitado na noite do Rio de Janeiro quando, em 1978, desembarcou em Brasília, a bordo do projeto Pixinguinha, formando a banda que acompanhava Dona Ivone Lara e Roberto Ribeiro. O show lotou a Piscina Coberta — hoje ginásio Cláudio Coutinho — por duas noites, sob aplausos calorosos do público.

Após o término da turnê, que prosseguiu por capitais do Norte do país, o contrabaixista, que se encantara com a cidade, aqui se radicou, constituiu família e só retornava à sua origem, em viagens de férias ou para cumprir algum compromisso. No Distrito Federal se tornou um artista com trabalho amplamente reconhecido — tanto pelos companheiros de ofício, quanto pelo público, que o aplaudia, durante as apresentações, principalmente em bares e restaurantes.

Filho de Agostinho Júnior Neto e Ana Nunes Júnior, primogênito de nove irmão, nasceu em 25 de janeiro de 1944, na maternidade Carmela Dutra, no bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. O menino franzino, que dividia seu tempo entre escola, igreja e a construção de brinquedos rústicos, tinha como passatempo preferido construir maquetes de cidades.

Adolescente, passou a trabalhar no Serviço de Orientação Alimentar, ligado ao Serviço de Alimentação da Previdência Social (SOA/SAPS), na Praça da Bandeira, do qual saiu para servir o Exército. De volta ao serviço público, paralelamente, como músico, passou a tocar e boates da Praça Mauá, na região portuária. Ali acompanhou cantores e cantoras, entre os quais Carlos Alberto, Lana Bitencourt e Rosita Gonzales. Com o grupo Superbacana, passou pelas rádios Nacional e Maryrink Veiga; e as emissoras de TV Continental, Rio, Tupi e Exelcior.

Em Brasília, associado do Sindicato dos Músicos do Distrito Federal, batalhou por melhorias das condições de trabalho dos instrumentistas e cantores. Em entrevista ao Correio, há oito anos, destacou que a vida noturna de Brasília viveu sua melhor fase entre as décadas de 1980 e 2000. "Trabalhei muito naquele período, tocando em bares como Caras e Coroas, Nosso Bar, Galetão, Estação 209, Tasca e Tendinha, entre a Asa Norte e Asa Sul".

De tanto se apresentar no Otello, na 107 Norte, acabou tornando-se sócio e, posteriormente, proprietário do bar. "Lá, recebi nomes consagrados da música popular brasileira, entre eles, João Donato, João Nogueira, Sivuca e Maurício Tapajós, que tinham na plateia aplaudi-los, políticos, jornalistas e boêmios, num ambiente acolhedor e festivo", lembrava.

Uma parada cardiovascular tirou a vida de Daniel Júnior, ontem, às 18h55, no hospital Home, na Asa Sul. O velório ocorre hoje, a partir das 9h, na capela 7 do Campo da Esperança, seguido do sepultamento, às 11h30. O músico deixa seis filhos, 18 netos, 15 bisnetos e a companheira Conceição do Valle, com quem conviveu nos últimos 20 anos.

Família

"Tivemos uma convivência harmoniosa. Mesmo não morando juntos, a nossa relação era muito afetuosa. Convivo com uma tristeza imensa, desde que tomei conhecimento da morte do Daniel", afirma Ceiça, como a companheira é mais conhecida. Compositor, cantor e violonista, Marquinho Gil, 57, filho de Daniel Júnior, viu de perto, desde pequeno, a trajetória do músico. "Com a morte do meu pai, Brasília perde um pouco da cultura. As letras das músicas dele sempre falaram de algo importante, de sentimentos. Ele gostava de fazer samba puxado para a bossa nova. Também costumava pegar canções de artistas de outros gêneros e colocá-las em ritmo de samba, como Roberto Carlos e Tim Maia. Mas o destaque eram as composições dele, de alto nível. Tanto as melodias quanto as letras e as harmonias eram muito boas", ressalta. "Foi ele quem me incentivou a seguir a carreira artística, quando me levou para tocar ao seu lado no London Tavern, casa noturna que existia na 409 Sul", complementa Gil.

Artistas se unem em show solidário para ajudar a família de Daniel Junior, na quinta-feira (11/5), a partir das 20h30, no Feitiço das Artes (306 Norte), para arrecadar recursos visando ajudar nas despesas hospitalares contraídas e homenagear o músico. A iniciativa é conjunta de músicos e produtores locais, mas está sendo capitaneada pelo aniversariante do dia, o percussionista Jorge Macarrão, grande amigo de Daniel Júnior. Pelo palco passarão, entre outros, Régis Torres, Myriam Greco, Cássia Portugal, Paulo André Tavares, Cely Curado e Johnny Rodergas.

 

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De bar em bar

Vida de músico da noite é nômade. De bar em bar, eles seguem fazendo uma trilha sonora que é presente na vida de tanta gente, mas a maioria entra e sai anônimo. Não era o caso de Daniel Junior. Desde que chegou a Brasília, no final da década de 1970, para uma primeira temporada em Taguatinga, ele se tornou parte da capital, especialmente por suas apresentações no Open Bar, na Asa Sul, onde ficou por longo período. E nunca mais foi embora.

Naqueles primeiros anos, ainda tinha um repertório mais voltado ao samba e samba-canção, que trouxe do Rio de Janeiro, mas que foi sendo enriquecido graças aos pedidos da audiência, principalmente com canções da bossa nova que, quando não ele sabia, improvisava. Mas no dia seguinte trazia a música na ponta da língua.

Daniel era principalmente um fazedor de amigos. Tornava-se íntimo rapidamente, emprestando o ouvido não apenas para a música, mas para qualquer conversa amena, mesmo depois de ter tocado por hora a fio. Tinha o poder de fazer festa com tudo, inclusive com canções de cortar o pulso, criando um ambiente sempre muito positivo. Era um intuitivo, não apenas nas técnicas ao piano e violão, já que não teve estudo formal; mas principalmente na formação do repertório, que variava de acordo com a frequência da noite. Tudo isso transformava as noites com Daniel Junior — sempre muito expansivo, chamando as pessoas pelo nome —, em momentos especiais.

Sua passagem mais duradoura e lembrada foi pelo Otello Piano Bar, na Asa Norte, onde se apresentava todas as noites para uma audiência fiel e cativa que era brindada com repertório diferente a cada noite, inclusive algumas composições do próprio Daniel. Como é comum aos músicos da noite, a memória para se lembrar de tantas letras fascinava.

O carioca se adaptou perfeitamente à vida no Planalto, influenciou e ajudou a muitos músicos. Há alguns anos ele ganhou um prêmio da Secretaria de Cultura pela música As tesourinhas, uma das homenagens que fez à cidade que o adotou — Daniel Júnior chegou a receber o título de cidadão hononário.

A morte de Daniel Júnior deixa um gosto amargo não apenas pela partida de uma voz tão presente, mas pela dificuldade que os artistas populares enfrentam especialmente no final da vida. A maioria não tem condições de se preparar para o futuro. Nos últimos dias estava sendo organizada uma vaquinha para ajudá-lo na convalescência de dois AVC sofridos em março. Não deu tempo.

E chegou num momento de retomada. Depois de tanto tempo recolhido — ele chegou a gravar uma apresentação em vídeo que foi vendida aos amigos como forma de ajudar — o músico vinha voltando a reencontrar os amigos. Mas todos podem ter certeza que a voz Daniel Júnior vai continuar ecoando pelos corações e esquinas de Brasília.