Médica de carreira da Secretaria de Saúde (SES-DF) desde 1999, data em que chegou ao Distrito Federal, Lucilene Florêncio tomou posse como a quinta secretária da pasta durante o governo de Ibaneis Rocha (MDB), em junho de 2022, após os casos envolvendo a antiga gestão. Antes, ela era vice-presidente do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges-DF). Em entrevista exclusiva ao Correio, a secretária de Saúde falou sobre os atuais desafios que a área enfrenta, os problemas dentro do Iges-DF, vacinação, filas de cirurgias e exames, além de outros assuntos.
O Iges-DF vem recebendo muitas críticas por mortes de pacientes e falta de profissionais de saúde nas Upas, por exemplo. Como a senhora avalia a gestão no instituto?
Acredito e tenho certeza que ele pode ofertar mais. Foi composta uma nova diretoria, vamos dar continuidade ao que já foi feito, e vamos coroar esse momento com o novo contrato do Iges-DF com a SES, que traz novas metas, além de ferramentas, compromissos e indicadores, não só de assistência, mas de gestão também. O que a população pede, por parte do Iges-DF, é transparência e isso está sendo feito. Talvez seja preciso intensificar a comunicação entre o instituto e a Secretaria de Saúde para a gente mostrar o que está sendo feito e o que já foi feito. Existe uma relação de respeito e colaboração entre o Iges-DF e a SES, uma depende da outra. Estamos cientes de que precisa melhorar, que é necessário maior transparência e que precisa ter correções, principalmente dentro do Hospital de Base, na parte estrutural. É uma unidade da década de 1970, que foi tomada pelo tempo e precisamos olhar para ele de forma diferente. E isso está previsto dentro do novo contrato (que será assinado) com o Iges-DF, que prevê investimento. Antigamente, era só custeio.
Falando do Hospital de Base, por que a situação se agravou tanto?
Precisamos olhar para o Hospital de Base como sendo de alta complexidade, como ele é. A nossa percepção é essa. É o fim da linha, ou seja, o paciente só chegaria nele depois de esgotar todas as outras possibilidades. Muitas vezes, o que acontece é uma demanda espontânea, a pessoa está em uma região próxima e procura o hospital para ser atendido, mesmo não sendo um caso mais grave. Ou seja, ficam concorrendo os casos que não necessariamente deveriam estar lá, com os que só podem ser atendidos no local.
E no Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), considerado referência no atendimento pediátrico?
É a mesma ideia. Todos os casos de maiores complexidades estão lá. O que precisamos ver é que estamos em um momento de surto de vírus respiratório, e as mães, quando se deparam com isso, vão até uma unidade menor — que está muito cheio —, mas acabam chegando no Hmib. Esse problema da porta de emergência, que aparece na mídia, se deve pelo fato de ele ser referência, pois temos uma capacidade de recursos humanos deficiente (faltam profissionais) dentro dos hospitais regionais e (isso) não é por falta de concursos. Na primeira chamada de aprovados, foram 33 pediatras, sendo que apenas 11 tomaram posse. Agora, chamamos mais 27 e, até o momento, somente três se apresentaram. Então, existe uma procura de profissionais reduzida, além de uma demanda por um surto respiratório aumentada. Por isso, o Hmib sempre vai ser a referência para os pais. Para tentar melhorar, criamos a rota rápida dentro do hospital, para tirar as crianças de menor gravidade e levá-la para outra unidade na região central, que também consiga atendê-la.
Estamos vendo, diariamente, vários casos de falta de atendimento nos hospitais e em outras unidades de saúde do DF. Qual é a real situação e o que a SES está fazendo para tentar melhorar?
Para organizar o atendimento, precisamos passar por toda a questão de que o paciente precisa estar na porta certa, para que o profissional adequado faça o cuidado. Mas também não podemos deixar de abordar que o DF tem 3,2 milhões de habitantes. O nosso planejamento é todo pautado em cima da projeção dada pelo IBGE. Porém, por conta da nossa posição geográfica, temos pessoas de várias regiões do Entorno e até mesmo de outros estados que, naturalmente, chegam para nós. Só que ainda não existe um pacto interfederativo para quando o paciente que chegar de outra localidade for atendido aqui, a gente possa receber o recurso para custear esse atendimento. Outro fator que influencia é que estamos com uma sobrevida maior, isso também aumenta a demanda. São diversos fatores que corroboram para essa situação e a gente não consegue crescer na velocidade da força de trabalho e da quantidade de leitos e ambulatórios que requer.
A senhora falou que tem feito contratações, mas que poucos médicos se apresentaram. A rede pública de saúde do DF é atraente para os profissionais? O que pode ser feito para que essa realidade mude?
Temos uma rede privada que cresceu muito no DF e oferece condições e salários mais atrativos para os profissionais do que o serviço público. Não há muita adesão por conta do volume, das dificuldades e das carências que existem na rede pública. Para tornar a SES mais atraente, não posso negar que é necessário incrementar o salário pago atualmente. Só que isso tem toda uma conjuntura de Lei de Responsabilidade Fiscal, ou seja, esse aumento não pode ser dado apenas para uma equipe. Depois, temos uma geração que vem sem essa paixão pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que precisamos reavivar com as conferências de saúde regionais, distrital e nacional.
O DF está com baixa adesão em diversos tipos de vacina. Vimos que a SES jogou fora cerca de 130 mil doses da vacina contra a covid-19, por conta da validade vencida, em 2022. O que pode explicar isso? O que fazer para convencer a população a se imunizar?
A cobertura vacinal é motivo de preocupação em todo o país. Tínhamos um protagonismo e uma posição de destaque no cenário mundial, com o nosso Programa Nacional de Imunização (PNI). O decréscimo começou a ficar mais acentuado de seis anos para cá. Nesse período, intensificaram-se as propagandas e notícias falsas de que as vacinas — de qualquer tipo — poderiam causar algum mal ou não estavam representando um cuidado. Quando isso começou a acontecer, não houve, de fato, uma ação efetiva para que a gente retomasse os níveis. Outro ponto é que tivemos a população em lockdown, por conta da pandemia, durante certo tempo. Isso fez com que houvesse uma baixa na procura. Para mudar esse cenário, precisamos intensificar a comunicação, mas sem se apegar em reagir às fake news, mas construindo mídias propositivas, que falem sobre os benefícios da imunização. E isso não vem pelo DF, mas pelo Ministério da Saúde, tem que ser campanha nacional. Além disso, precisamos fazer a busca ativa, não podemos mais ficar esperando que os pais estejam indo às salas de vacinas. Até porque, hoje em dia, as demandas são muitas e, ainda por cima, temos mídias dizendo para eles não irem.
A população com 18 anos ou mais começou a receber a vacina bivalente contra a covid-19. O movimento está sendo considerado bom? A secretaria vai realizar uma campanha para chamar esse público e evitar um novo surto da doença no DF?
Até agora, fizemos a aplicação de 231 mil vacinas bivalentes, desde a abertura para todo o público adulto. A procura é pequena, perto do que o imunizante representa. Quero convidar e pedir que a população se vacine. Estamos indo em diversos lugares: shoppings, zoológicos, feiras, escolas e até em prédios de governo, como secretarias e ministérios. Estamos aquém do que desejamos e precisamos. Temos mais de 50 mil doses da vacina da covid-19 nos nossos estoques. O Ministério da Saúde, hoje, fala em um movimento em favor da vacina, precisamos entender que é um movimento da sociedade, entendendo e sendo receptivo a esses imunizantes. Não podemos permitir o retorno de nenhuma doença que seja possível prevenir com a vacina. Estamos com alguns países que fazem fronteira com o Brasil, com casos de poliomielite e o DF está com 89,3% de cobertura. Precisamos chegar a 95%. A população tem uma noção de que, como não estamos convivendo frequentemente com pessoas que têm a doença, tem a ideia de que ela não existe. Não se pode aceitar um país com a tecnologia e capacidade de produção de vacina, estar patinando em termos de cobertura.
A crise sanitária provocada pela covid-19 mostrou a importância de um planejamento estrutural na rede pública. Estamos preparados para um novo evento como na recente pandemia? Ou vamos ter de improvisar se um novo surto surgir?
Precisamos e estamos preparados. Temos a ampliação de leitos e a expertise de desencadear toda uma logística para um tensionamento e aumento da demanda. Toda a nossa rede está preparada, desde a vacinação para prevenir até se precisarmos trabalhar na reabilitação de alguém que tenha ficado com sequelas de alguma doença mais grave.
O Ministério Público cobrou a SES por conta da espera nos exames diagnósticos por imagem, que tem 33 mil pessoas. Qual o motivo para uma fila tão grande?
Primeiramente, diria que é por conta do deficit de trabalhadores, principalmente na área de radiologia — estamos recompondo isso agora. A maior demanda não é de exames de laboratório, mas de imagens. Para resolver essa questão, chamamos mais radiologistas em concursos e as agendas — que eram geridas pelas regionais de saúde — passaram para os complexos reguladores, que estão, inclusive, ligando para os pacientes, confirmando a ida. Isso porque também temos pessoas que estão com exames marcados e acabam não indo, seja por perder a data ou por não ter sido comunicado. Especificamente, tem uma fila que me causa preocupação, que é a da mamografia. Nesse caso, fizemos uma avaliação e canalizamos esforços para que pudéssemos realizar 15 exames pela manhã e mais 15 à tarde, em todos os locais da rede. Fazendo isso, temos a capacidade de realizar 6 mil exames por mês. Hoje, estamos fazendo 3,1 mil. De forma resumida, precisamos ver quem realmente ainda realmente quer e precisa desses exames, para que, assim, possamos montar mutirões e uma força-tarefa.
Também temos o problema das filas de cirurgias nos hospitais. Como a secretaria está equacionando essa situação?
A complementaridade do SUS é um ponto bastante importante para isso. Em setembro de 2022, tínhamos uma fila muito grande de cirurgias e fizemos um edital que viabilizou 3.233 operações, em parcerias com diversos hospitais. E vamos ampliar essa complementaridade para outras especialidades, como oftalmologia, urologia, proctologia, otorrino e cirurgia geral. Esperamos realizar em torno de 20 mil cirurgias. É um chamamento público, em que todos entregam suas propostas e se credenciam para operar. Esperamos que haja muitos interessados em nos ajudar. Só que, além dessa complementaridade, é importante reforçar, internamente, os nossos centros cirúrgicos e a nossa força de trabalho. Para isso, tivemos a ampliação da jornada de 509 postos, que eram de 20 horas e passaram para 40 horas. Isso tem previsão legal, é voluntário e o servidor que optar por essa opção, obviamente, vai receber o adicional no salário.
Os altos custos dos planos de saúde impactam em que sentido a rede pública hospitalar?
Estamos vivendo uma diminuição do poder aquisitivo da população. Antigamente, a divisão era 60% de pacientes do SUS e 40% de saúde suplementar (planos). Hoje, isso está muito menor, diria que são cerca de 30%, no máximo, de pessoas com essa condição. E essa população migrou para a rede pública, aumentando a demanda.
Com colaboração de Pedro Marra