Gestão pública

Sem auxílio do Fundo Constitucional, ensino público do DF está ameaçado

Entre as áreas beneficiadas pelo Fundo Constitucional, a educação foi a que teve um crescimento percentual mais elevado, entre 2022 e 2023. Caso haja congelamento do recurso, novos investimentos estarão em xeque

Arthur de Souza
postado em 31/05/2023 06:00
 (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

A educação pública da capital do país é uma das áreas mais afetadas pela possibilidade do congelamento do Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Apesar de ser a menor fatia do recurso em 2023 (R$ 5,6 bilhões), a educação teve o maior aumento percentual em relação ao ano anterior, de acordo com levantamento da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Administração (Seplad) — foram R$ 2,5 bilhões a mais do que no ano passado, quando o repasse foi de R$ 3,1 bilhões (confira quadro).

Enquanto saúde e segurança pública tiveram um crescimento de 60% e 17%, respectivamente, as verbas para a educação aumentaram 82%, o que prova a importância do fundo para a área. Vale destacar que o dinheiro vindo do FCDF é utilizado para o pagamento da folha de pessoal.

Por isso, o professor de governança e gestão de custos da Universidade de Brasília (UnB) José Marilson Dantas avalia que a diminuição dos recursos na área pode trazer problemas, principalmente a partir de 2025. "A alternativa do GDF pode ser melhorar a gestão e a governança na educação, mapeando os custos de cada escola e, ao mesmo tempo, apoiando os diretores de escola na gestão", aponta (leia mais em Palavra de especialista).

MBA em gestão pública pela Universidade do Distrito Federal (UDF) Thaynara Melo avalia que, olhando  de fora, pode se presumir que o DF é apenas a Esplanada dos Ministérios. "Talvez por esse motivo, o relator do arcabouço fiscal, deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), tenha apresentado a emenda para congelar o Fundo Constitucional", observa. "O fundo não pode ser entendido como um privilégio para o DF, mas como uma contrapartida para uma cidade que foi criada com o objetivo de atender o poder público e possui diversas restrições para o seu desenvolvimento", ressalta a especialista.

Thaynara lembra que, mesmo com os R$ 5,6 bilhões deste ano, a educação passa por um momento de restrições. "Nos últimos anos, os educadores não receberam reajuste salarial acima da inflação e não foram construídas novas escolas de ensino médio. Com o congelamento do fundo, esse cenário pode se agravar ainda mais e temos a tendência de seguir sem alcançar a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)", alerta.

Riscos

Presidente da Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC) da Câmara Legislativa (CLDF), o deputado Gabriel Magno (PT) afirma que acompanha, nos últimos anos, o impacto positivo que o Fundo Constitucional tem na educação. "Um possível congelamento pode ser ruim, não só para que o governo cumpra suas obrigações com os servidores e professores, mas para o conjunto da estrutura", ressalta. "Isto porque, se você diminui o FCDF — que paga os salários — vai ter que tirar de outra área, que serve para investimentos em infraestrutura, por exemplo", argumenta.

Por isso, segundo o distrital, a emenda proposta por Cajado coloca em risco "uma garantia constitucional do Estado" de investir em educação e alcançar as metas do Plano Distrital de Educação (PDE). "Sem investimento em educação, outras metas, como a de qualidade do ensino, de valorização dos trabalhadores e de diminuição de aluno por turma, por exemplo, também não serão alcançadas", avalia.

Outro fator preocupante, é em relação às despesas com educação no DF. De acordo com a Secretaria de Estado de Educação (Seedf), todo o valor do Fundo Constitucional destinado à área, entre 2018 e 2022, foi investido pelo órgão. Em média, o gasto foi de R$ 3 bilhões por ano. Ainda de acordo com a secretaria, somente até 29 de maio, foram empenhados R$ 2,4 bilhões — valor que é 78% de todo a despesa de 2022.

Para a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, um congelamento do Fundo Constitucional vai impactar fortemente os investimentos na educação nos próximos anos. "A partir do momento que a gente tiver uma redução de recursos para pagamento da folha, teremos que utilizar mais recursos da arrecadação do DF, em detrimento de investimentos", afirma. "Vamos ter que cortar em investimentos, seja na melhoria da infraestrutura, na ampliação de projetos pedagógicos, nas compras de equipamentos de tecnologia, além dos uniformes das crianças", detalha.

De acordo com Hélvia, os cortes seriam em áreas importantes e vitais para a educação. "Também teríamos sérios problemas com a contratação de novos servidores, porque isso geraria maior impacto na folha", calcula. "Não podemos nos tornar uma secretaria só com recursos para pagar folha", afirma a secretária.

Compromisso

A rede pública de ensino do DF passou por um período de greve dos professores, por conta da reação diante do aumento concedido pelo governador Ibaneis Rocha (MDB) — 18% dividido em três parcelas de 6%. Durante uma reunião de negociação ocorrida na semana passada, o secretário de Planejamento, Ney Ferraz Júnior, assinou um documento em que o GDF se comprometeu a cumprir 17 pontos, caso os docentes encerrassem a paralisação.

Entres as promessas, estão a incorporação da Gratificação de Atividade Pedagógica (Gaped) e da Gratificação de Atividade de Suporte Educacional (Gase) em seis parcelas de 5% (sendo a primeira em outubro deste ano), além de nomear todos os candidatos aprovados no último concurso público da categoria.

De acordo com a coordenadora da Secretaria de Finanças do Sindicato dos Professores (Sinpro-DF), Luciana Custódio, independentemente do Fundo Constitucional, o GDF tem que bancar, mesmo que com recursos próprios, o que foi prometido. "Estamos empenhados em defender que o fundo continue recebendo os recursos conforme a metodologia atual, mas ressaltamos que independente de mudanças metodológicas, o DF terá que arcar com os compromissos feitos com os professores", diz.

Despesas com educação no DF

2018 — R$ 3.049.025.410,00
2019 — R$ 2.747.989.781.86
2020 — R$ 3.377.705.992,00
2021 — R$ 3.209.167.406,00
2022 — R$ 3.101.492.785,94
2023 — R$ 2.423.667.105,45*

*Até 29 de maio/Fonte: SEEDF

Evolução do FCDF

2022 — R$ 3.101.492.786
2023 — R$ 5.630.274.890 (+82%)

Fonte: Seplad

Artigo

Sem espírito de construção

José Marilson Dantas, professor de governança e gestão de custos da UnB

O Fundo Constitucional do Distrito Federal representa um valor de R$ 23 bilhões que são utilizados para o financiamento da educação, saúde e das forças de segurança nas atividades de custeio.

Isso representa quase a metade do orçamento do Distrito Federal, que financia as atividades de custeio e investimento. A mudança proposta para a correção do FCDF vai provocar uma possível perda nos recursos da educação da ordem de alguns bilhões nos próximos anos.

Caso ocorra uma queda de 1% em relação à forma atual de correção, o Distrito Federal perderia, pelo menos, R$ 230 milhões para o custeio da educação e saúde. A aprovação da mudança da forma de correção obriga o GDF a implementar instrumentos de melhoria da gestão e da redução de custos da educação, sem perder a qualidade do ensino. Esse é um desafio diante do resultado do último Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em que houve uma diminuição geral do desempenho dos alunos do ensino básico nas disciplinas de língua portuguesa e matemática.

Fazendo uma análise objetiva, a inclusão da FCDF na fórmula de reajuste, baseada no crescimento da despesa do governo federal, leva o GDF a ficar subordinado às decisões de gestão da União sobre parte das suas receitas. Esse não foi o espírito de construção do fundo quando foi criado e reflete no oferecimento dos serviços públicos à sociedade.

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