Investigação

No rastro das facções: as empresas fantasmas na aquisição de drogas e armas

Cada vez mais, as organizações criminosas se modulam para fortalecer o tráfico de drogas e armas. No DF, as polícias Civil e Federal e a Receita Federal trabalham para desestruturar o núcleo financeiro desses grupos

Darcianne Diogo
Laezia Bezerra
postado em 21/05/2023 03:55 / atualizado em 21/05/2023 00:00
 (crédito: PCDF/Divulgação)
(crédito: PCDF/Divulgação)

Transações bilionárias, cooptação de laranjas e planejamento estratégico. Por trás das organizações criminosas, mais conhecidas como Orcrins, a revelação de um esquema alinhado ao tráfico de drogas, de armas e à sustentação financeira de facções de todo o país, que usam como base as empresas de fachada para lavar dinheiro. No Distrito Federal, a Coordenação de Repressão às Drogas da Polícia Civil (Cord/PCDF) e a Polícia Federal (PF) identificaram um grupo de empresas responsáveis por lavar dinheiro para a facção paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comboio do Cão (CDC).

O método traçado por criminosos consiste na busca constante de laranjas e “testas de ferro”. São pessoas, na maioria das vezes, de origem humilde, mas que mantêm determinado vínculo com as organizações. Em pelo menos três operações desencadeadas entre 2021 até este ano, as polícias Civil e Federal detectaram a presença de um grupo formado por três empresas: a Lex Assessoria, a Rota Agro e a Sousa Construtora. Juntas, as três movimentaram cerca de R$ 100 milhões.

De forma prática, para entender o esquema, imagina-se essas três companhias no centro de um diagrama, seguidas por linhas retas que a direcionam para outras empresas menores, por exemplo. É como se fosse uma sucessão de empresas de fachada. Todas atuando em prol do crime organizado. A polícia identificou a atuação da Lex, da Rota e da Sousa com outras empresas investigadas na operação Fluxo de Capital, deflagrada em fevereiro de 2022, em que foram cumpridos 39 mandados de busca e apreensão e 19 de prisão temporária no Paraná, em São Paulo, em Roraima, no Mato Grosso, no Mato Grosso do Sul, em Santa Catarina, e no Paraguai. À época, as apurações revelaram a movimentação financeira de cerca de R$ 4 bilhões pelas empresas.

A polícia conta com o apoio da área de inteligência financeira. No caso da Lex Assessoria, a atuação dela foi identificada por uma instituição bancária como sendo parte do Grupo Sousa. A Lex recebeu uma quantia exorbitante da Sousa Construtora.

Enfrentamento

Na mais recente operação Il Padrino, desencadeada este mês pela Cord e que resultou na prisão do megatraficante Cícero da Silva Oliveira, conhecido como “Inseto” ou "Padrinho", a polícia mapeou a ação estratégica do criminoso na lavagem de dinheiro usando as três companhias citadas acima, além de mais duas empresas: a Beta Eireli e a Rocha Comércio Atacadista, ambas constituídas em Minas Gerais por uma organização criminosa alvo da operação Washing (de março de 2021), uma outra ação voltada ao combate ao tráfico e lavagem de dinheiro em solo mineiro. A empresa Exportação Eireli, por exemplo, consta como sediada no mesmo endereço de outra empresa de fachada. A investigação começou quando duas pessoas foram abordadas no Mato Grosso efetuando o depósito de R$ 180 mil na conta das empresas.

O Correio apurou que três homens, identificados como Felipe Oliveira, Gilvan e Leandro, integravam o mesmo grupo criminoso que Padrinho. Felipe, no caso, atuava como operador financeiro da quadrilha. Leandro atuou como “laranja” na compra de quatro veículos (duas Hilux 0km, uma BMW 320 e um Mobi).

“A Polícia Judiciária tem a capacidade de fazer o trabalho de inteligência financeira e analítica. Além desse trabalho concentrado, há união entre as polícias Civis de outros estados, a Polícia Federal e a Receita Federal, com trocas de informações. O que ressaltamos é que seriam úteis ao combate ao crime organizado e lavagem de dinheiro uma maior intensificação das ações preventivas por parte do sistema financeiro. Nós, policiais civis do DF, temos nos capacitado cada vez mais para os novos desafios que essas grandes investigações têm trazido à tona. A nova realidade é o enfrentamento às organizações criminosas, que passam por um processo de aprimoramento adotando métodos mafiosos”, explica o delegado Paulo Pereira.

Ainda de acordo com o investigador, a cooperação das polícias e da Receita Federal possibilita compartilhamento de dados entre essas instituições fortalecem as investigações e facilitam a identificação de atividades suspeitas relacionadas ao crime organizado e à lavagem de dinheiro. “Ações coordenadas e estratégias integradas podem desestabilizar as estruturas das organizações criminosas, dificultando suas atividades e proporcionando um ambiente mais seguro para a sociedade como um todo”, destaca o delegado.

Em 2022, a Cord desencadeou uma das maiores operações contra o tráfico de drogas e empresas de fachada que trabalhavam em prol do crime organizado. À época, foram detidos Gilberto Ribeiro Cardoso e Gilmar Lopes, mais conhecidos como os "Irmãos do Pó"; e Stefânio do Vale, o “Rei da Telebrasília". Todos traficantes.

Na segunda fase da operação Sistema, a polícia constatou que, juntas, as empresas KZ Multinegócios Comércio de Alimentos Eireli e Yellow Comércio de Minério movimentaram cerca de R$ 1 bilhão. As duas companhias foram constituídas no DF e realizaram transações financeiras entre si para tentar fugir da fiscalização. Contatou-se também incompatibilidades nas movimentações financeiras quando comparadas com a suposta atividade empresarial declarada pelas pessoas jurídicas.

A KZ Multinegócios Comércio de Alimentos Eireli tinha sede no DF. O modo de agir dos criminosos era de forma tão discrepante que, como sócio da empresa, eles colocaram um morador de Planaltina, identificado como morador de rua e conhecido por ser usuário de drogas. Além de endereços no Setor Bancário Norte (abandonado) e no Setor Residencial Leste de Planaltina, a instituição tinha uma filial em Porto Velho (RO), um local abandonado.

A KZ recebeu cerca de R$ 3 milhões de ao menos outras seis empresas, todas elas fantasmas e envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro. Segundo as investigações, foi identificado ainda um depósito de R$ 70 mil feito por um traficante de Formosa (GO) envolvido com a facção carioca Comando Vermelho, além de um outro depósito de mais de R$ 395 mil efetuado por um morador de Ponta Porã e investigado por manter ligação com o núcleo financeiro do PCC.

Já a Yellow Comércio de Minério — registrada no mesmo endereço da KZ, o que indica, segundo a polícia, que ambas foram criadas em conluio por seus titulares — recebeu cerca de R$ 1 milhão das empresas Gama Comércio e Importação Eireli, Beta Comércio e ATP Comércio.

Na avaliação do coordenador da Cord, delegado Rogério Henrique, combater as organizações criminosas exige o enfrentamento à lavagem de dinheiro. "Para combater a lavagem de dinheiro é necessário atacar cada vez mais o patrimônio desses criminosos. O sequestro de bens é a maneira mais eficaz de fazer o sufocamento financeiro dos grupos e, assim, desestabilizar as organizações criminosas", frisa.

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  • Um dos presos na capital é o megatraficante Cícero da Silva Oliveira, vulgo
    Um dos presos na capital é o megatraficante Cícero da Silva Oliveira, vulgo "Padrinho" Foto: PCDF/Divulgação
  • Lex Consultoria, Assessoria e Projetos Ltda - Silvanópolis/TO
    Lex Consultoria, Assessoria e Projetos Ltda - Silvanópolis/TO Foto: Material cedido ao Correio
  • Rota Agro Negócios seria usada como empresa de fachada
    Rota Agro Negócios seria usada como empresa de fachada Foto: Fotos: Material cedido ao Correio
  • Casa do traficante Cícero da Silva Oliveira, conhecido como
    Casa do traficante Cícero da Silva Oliveira, conhecido como "Inseto" Foto: PCDF/Divulgação

O passo a passo

- Cooptação de laranjas e testas de ferro

- Constituição de empresas fantasmas (geralmente os endereços constam em casas ou prédios abandonados)

- Movimentação milionária com o objetivo de dar aparência de licitude e comprar drogas e armas, além de gerir o tráfico 

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