Afeto e inclusão são fatores fundamentais no tratamento humanizado às pessoas com transtornos mentais. Esses são preceitos que fundamentam a luta antimanicomial — celebrada nesta quinta-feira (18/5). O movimento contra os manicômios teve início no Brasil na década de 1980, tendo como marco o Encontro dos Trabalhadores da Saúde Mental, em Bauru/SP, em 1987. Na ocasião, mais de 300 pessoas se reuniram pelo fim desses espaços marcados pela violência e exclusão de indivíduos em sofrimento psíquico. Desse encontro, surgiu um manifesto. "O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos, de opressão", pontua o texto.
Em abril de 2001, foi sancionada a lei da reforma psiquiátrica, de autoria do então deputado Paulo Delgado. O mecanismo legal dispõe sobre a proteção e direitos das pessoas com transtornos mentais, além de reestruturar o modelo assistencial de saúde mental. De acordo com o texto, a internação de um indivíduo só seria indicada quando outros recursos se mostrarem insuficientes e mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os motivos.
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Outra garantia assegurada pela lei é o tratamento em ambiente terapêutico com os meios menos invasivos possíveis, visando alcançar a recuperação e inserção na família, no trabalho e na comunidade. "O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário", diz o artigo 5º da lei nº 10.216/2001.
No entanto, mesmo após 22 anos da aprovação da lei, os direitos das pessoas com transtornos mentais ainda não são devidamente assegurados, o que evidencia a necessidade de avançar na construção de serviços humanizados. Para a professora Ana Cláudia Afonso Valladares Torres, do departamento de enfermagem da Universidade de Brasília (UnB), também é necessário melhorar a comunicação entre os serviços da rede de atenção psicossocial. "Serviços humanizados precisam de profissionais qualificados, capacitados e em número suficiente, pois a rede está desfalcada e servidores adoecidos. Além disso, recursos financeiros suficiente para oferecer serviços de qualidade, que vão desde a infraestrutura até o quadro profissional", avalia a especialista.
A Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) destaque que, embora a lei da reforma psiquiátrica estabeleça diretrizes sobre o processo de internação de pacientes, há ainda inúmeros casos de pessoas internadas sem justificativa. Segundo a Abrasme, isso ocorre "em função de uma morosidade que traduz tanto a forma como as práticas asilares estão profundamente arraigadas nas instituições, quanto na ausência de investimentos suficientes para alcançar o intuito visado pela norma, qual seja, o de substituir ao máximo os serviços asilares por serviços de base comunitária, o que se mostrou mais adequado para gerar bem-estar e saúde, ao permitir a reinserção e inclusão das pessoas".
Saúde mental no DF
Segundo dados enviados ao Correio pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, há 18 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) no DF. "O atendimento ocorre por demanda espontânea (comparecimento do usuário direto nos centros) ou via encaminhamento por outros dispositivos da rede de saúde ou da rede intersetorial (Assistência Social, Educação, Justiça)", explica a pasta. Entretanto, a professora Ana Cláudia ressalta que o número é insuficiente.
"Faltam CAPS em algumas regiões do DF, o que faz com que a territorização não funcione. Usuários que se deslocam muito e acabam por abandonar os atendimentos ou não comparecer com a regularidade que precisam. A luta antimanicomial no DF continua, mas foi muito sucateada nos últimos anos, já que foram enviados recursos financeiros para os hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas, invertendo a ordem da lógica antimanicomial", destacou a especialista.
Caminhos para o tratamento humanizado
No Brasil, um nome importante para a luta antimanicomial é a psiquiatra Nise da Silveira. Nascida em 1905, em Maceió, Nise foi pioneira da terapia ocupacional e se opôs às formas agressivas de tratamento da época, como a internação compulsória, os eletrochoques, a insulinoterapia e a lobotomia. Além do afeto no cuidado com os pacientes, Nise usava a arte como ferramenta terapêutica. "O que melhora o atendimento é o contato afetivo de uma pessoa com outra. O que cura é a alegria, o que cura é a falta de preconceito", dizia a psiquiatra. Ela foi incluída no livro Heróis e Heroínas da Pátria no ano passado.
Para a professora Ana Cláudia, a arte é um recurso que pode potencializar o tratamento. "Daí surge a Arteterapia, como um recurso de exteriorização de sentimentos, afetos, pensamentos, da subjetivação que estimula reflexões, discussões e transformações, além de favorecer a organização emocional, o resgate da criatividade e das trocas socioafetivas", pontua a especialista.
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