Violência contra a mulher

Barbárie sem fim: 11º feminicídio no DF

Em Samambaia Sul, Gabriela Bispo de Jesus, 33 anos, foi assassinada a facadas pelo ex-marido, Reriton Gomes, 38. O número de vítimas, neste ano, até maio, é 120% maior do que no mesmo período de 2022

Darcianne Diogo
Arthur de Souza
José Augusto Limão*
postado em 10/05/2023 06:00
 (crédito:  Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)
(crédito: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press)

Os números de feminicídio não param de crescer no Distrito Federal. Ontem, a atendente de uma distribuidora de bebidas Gabriela Bispo de Jesus, 33 anos, foi morta a facadas pelo ex-companheiro Reriton Gomes, 38, na QR 512, em Samambaia Sul, que fugiu levando o filho do casal. Este foi o 11º caso desse tipo de crime na capital do país em 2023. Em comparação com 2022, o aumento é de assustadores 120% — foram cinco mulheres mortas de janeiro a maio do ano passado.

Gabriela vivia na região há cerca um ano com seu companheiro, com quem mantinha um relacionamento conturbado, marcado por discussões. O Correio ouviu relatos de vizinhos, que preferiram não se identificar. Segundo eles, o casal vivia uma relação com muitas brigas, e após um desentendimento há três meses, Gabriela resolveu romper com seu cônjuge, que não aceitou o término.

De acordo com a testemunha, o homem era bastante carinhoso com o filho, pegando ele de 15 em 15 dias para passar um tempo juntos. Porém, se alterava bastante durante as brigas com a ex-mulher. Outros moradores relataram que a maioria das discussões aconteceram após o casal tomar bebidas alcoólicas.

Ontem, antes de ir a casa de Gabriela, o criminoso passou em um bar de Samambaia e, chegando na casa da ex-mulher, eles discutiram e Reriton esfaqueou a mulher — de acordo com o Corpo de Bombeiros (CBMDF), os golpes atingiram o tórax. Populares ocuparam a rua onde houve o crime. Algumas mulheres comentavam assustadas com a quantidade de feminicídios que estão ocorrendo no Distrito Federal este ano.

Ainda segundo vizinhos, foi possível escutar gritos de socorro, mas que foram cessados pouco tempo depois. Em seguida, a reportagem apurou que Reriton ligou para seu irmão para avisar sobre o crime que cometeu — o qual foi até Samambaia e teria sido um dos primeiros a ver o corpo de Gabriela. O autor trancou a porta da quitinete, jogou a chave fora e foi embora rapidamente junto ao irmão e o filho do casal, de 3 anos de idade, portador de transtorno do espectro autista (TEA).

Vida solitária

A vítima é natural de Minas Gerais, onde toda sua família vive, e não tinha nenhum parente ou amigo no DF, segundo os vizinhos. Ela trabalhava em uma distribuidora de bebidas perto de sua casa. Os moradores da região disseram que a mulher sempre transpareceu ser muito calma e cuidadosa com seu filho, e não veem motivo para tal ato.

Após a chegada da Policia Militar do Distrito Federal (PMDF), a rua da QR 512 foi interditada durante todo o dia, ninguém pode entrar ou sair do prédio. No início da tarde, a perícia da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) chegou à região para iniciar as investigações, e às 15h30 os agentes retiraram o corpo de Gabriela do local rumo ao Instituto Médico Legal (IML). Até o fechamento desta edição, Reriton seguia foragido da polícia. 

O Correio foi até a 32ª Delegacia de Polícia (Samambaia Sul) para obter informações sobre o caso. No entanto, o delegado-chefe da unidade, Pedro Luis de Moraes, preferiu não passar mais detalhes para não atrapalhar o andamento das investigações.

Para a advogada Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal (OAB-DF), as soluções para o feminicídio passam pela união dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário local, juntamente com a sociedade civil e entidades de força, adotando medidas nas áreas de segurança pública, saúde e geração de emprego e renda. "São protocolos de atendimento para todos os profissionais de segurança pública, em especial pelas Polícias de modo a garantir às mulheres atendimento eficiente e célere, protegendo-a e evitando, assim, que a violência doméstica escale de forma a causar sua morte", exemplificou (leia mais em Artigo).

Quem são as outras vítimas de feminicídio, em 2023, no DF?

Fernanda Letícia da Silva, 27 anos — Morta em 1º de janeiro, em Ceilândia. Ela levou golpes de faca e foi estrangulada pelo companheiro, Maxwel Lucas Rômulo Pereira de Oliveira, 32. Após o crime, o assassino confessou o feminicídio e fugiu, mas se entregou à polícia dias depois e continua preso.

Mirian Nunes, 26 anos — Foi asfixiada pelo marido, André Muniz, 51, em 2 de janeiro, também em Ceilândia. No momento do crime, a mulher estava com o filho, de um mês, no colo, fruto do relacionamento com o agressor. André segue na prisão.

Jeane Sena Santos, 42 anos — Em 17 de janeiro, na Quadra 14 do Setor de Mansões do Park Way, João Inácio dos Santos, 54, matou a ex-mulher com um tiro e, em seguida, tirou a própria vida.

Giovana Camilly Carvalho, 20 anos — A jovem foi assassinada em 18 de janeiro pelo namorado, Wellington Rodrigues Ferreira, 38, na QNN 20 de Ceilândia. O relacionamento conturbado entre a jovem e o agressor era nítido para familiares e amigos.

Izabel Guimarães, 36 anos — A vendedora foi morta pelo ex-marido, Paulo Roberto Moreira, 38, em 4 de fevereiro, em Ceilândia. Ele invadiu a casa de Izabel e atirou contra o rosto dela. O crime foi cometido na frente da filha do casal, de 10 anos. Paulo Roberto segue preso

Simone Sampaio, 40 anos — Na manhã de 13 de fevereiro, ela estava junto ao ex-marido, João Alves Catarina Neto, deixando uma das filhas do casal na escola e, na volta, discutiram. Nesse momento, o agressor desferiu várias facadas na vítima no meio da rua, no Gama. Ele continua preso.

Letícia Barbosa Mariano, 25 anos — Em 2 de março, Letícia foi espancada até a morte pelo namorado, Guilherme Nascimento, 29, no banheiro do apartamento do agressor, em Taguatinga Norte. Eles estavam juntos há cerca de sete meses e viviam uma relação conturbada e agressiva. O autor foi preso horas depois e segue encarcerado.

Rayane Ferreira, 18 anos — No mesmo dia, a jovem foi estrangulada pelo companheiro, Jobervan Junior Lopes, 21, no Riacho Fundo. Em seguida, ele fugiu com o filho do casal, de apenas um ano, que foi encontrado pela polícia na casa do avô paterno, horas após o crime. O autor foi preso em flagrante e continua na cadeia.

Cristina de Sousa Santos, 32 anos — O nono caso aconteceu em 12 de abril, em Planaltina. Cristina morreu após ser baleada pelo ex-companheiro Murillo Samuel Muniz de Jesus, 26, contra o qual tinha medida protetiva. Ele foi flagrado cometendo o crime e levou um tiro da Polícia Militar. Murillo está internado sob a custódia da polícia.

Maria Ivonilde Abreu, 47 anos — Ela foi morta a facadas pelo ex-marido, Ivonildo Joaquim dos Santos, 47, em uma parada de ônibus próximo a Feira dos Goianos em Taguatinga Norte, em 22 de abril. Após esfaqueá-la, ele tentou fugir do local, mas foi contido por populares. A vítima tinha uma medida protetiva contra o autor. Ivonildo continua preso.

Artigo: Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB-DF

Onze mulheres foram mortas por seus maridos, companheiros ou ex-parceiros desde janeiro. É um número assustador, se comparado com os números dos anos anteriores, de acordo com dados da SSP/DF e é uma situação estarrecedora pois mulheres estão morrendo porque são mulheres e porque são vistas, pelos homens, como objetos de posse e não sujeitos de direito e iguais.

Nesse ano, em 129 dias, 11 mulheres foram mortas na capital do país, praticamente uma morte a cada 11 dias. É muito. E, aparentemente, o Estado não tem conseguido proteger as mulheres brasilienses, evitar novos crimes ou dissuadir os agressores. Algumas razões para o aumento claro de atos de violências contra as mulheres são claramente identificáveis: a diminuição considerável de investimento em políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do Governo Federal durante os anos de 2018-2022, sendo que, de acordo com dados do INESC em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres, desde 2012. A pandemia da covid-19 afastou as mulheres de seus núcleos de segurança, dos serviços de proteção e acolhimento.

Atualmente, mais do que encontrarmos os motivos do grande número de feminicídios, buscamos soluções. Infelizmente, as soluções não são simples. Não haverá um ato mágico e repentino que vai fazer com que mulheres parem de ser mortas. Há a necessidade de que o Executivo, o Legislativo local e o Judiciário, juntamente com a sociedade civil e entidades de força – como a OAB – possam, juntos buscar soluções para o problema.

Por fim, é absolutamente fundamental garantir que as mulheres vítimas de violência tenham acolhimento e escuta qualificada e que o Poder Judiciário conceda a essas mulheres medidas protetivas realmente eficazes, saindo das decisões padronizadas, e determinando como regra, por exemplo, monitoramento eletrônico aos agressores que por ventura permaneçam em liberdade, fornecimento de dispositivos que são popularmente conhecidos como “botão do pânico” às vítimas, para que possam ser protegidas e não se transformem em novos números de mortes por feminicídio. 

*Estagiário sob a supervisão
de Suzano Almeida

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Reriton Gomes e Gabriela Bispo tinham um filho de 3 anos. O relacionamento era conturbado, segundo viznhos
    Reriton Gomes e Gabriela Bispo tinham um filho de 3 anos. O relacionamento era conturbado, segundo viznhos Foto: Redes Socias
  •  Toda a rua foi fechada para a realização da perícia no local do crime
    Toda a rua foi fechada para a realização da perícia no local do crime Foto: Mariana Lins/Esp.CB/D.A Press
  • Reriton Gomes e Gabriela Bispo tinham um filho de 3 anos. O relacionamento era conturbado, segundo viznhos
    Reriton Gomes e Gabriela Bispo tinham um filho de 3 anos. O relacionamento era conturbado, segundo viznhos Foto: Redes Socias
  • Divulga
    Divulga Foto: Redes sociais

O que diz a lei?

A Lei nº 13.104/2015 torna o feminicídio um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos, com penas mais altas, de 12 a 30 anos. É considerado feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima

Onde pedir ajuda?

Polícia Militar: 190

Central de Atendimento à Mulher: 180

Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia

Deam 1: age em todo o DF, exceto em Ceilândia
End.: EQS 204/205, Asa Sul

Telefones: 3207-6172 /
3207-6195 / 98362-5673
E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br

Deam 2: age em Ceilândia
End.: St. M QNM 2, Ceilândia
Tel.: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438

Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT)/Núcleo de Gênero
End.: Eixo Monumental, Praça do
Buriti, Lote 2, Sala 144
Tel.: 3343-6086 e 9625
E-mail:pro-mulher@mpdft.mp.br

Secretaria da Mulher do DF
Whatsapp: (61) 99415-0635

Defensoria Pública: Tel. 129, ramal 2

Não nos esqueçamos delas

Quem são as outras vítimas de feminicídio, em 2023, no DF?

Fernanda Letícia da Silva, 27 anos — Morta em 1º de janeiro, em Ceilândia. Ela levou golpes de faca e foi estrangulada pelo companheiro, Maxwel Lucas Rômulo Pereira de Oliveira, 32. Após o crime, o assassino confessou o feminicídio e fugiu, mas se entregou à polícia dias depois e continua preso.

Mirian Nunes, 26 anos — Foi asfixiada pelo marido, André Muniz, 51, em 2 de janeiro, também em Ceilândia. No momento do crime, a mulher estava com o filho, de um mês, no colo, fruto do relacionamento com o agressor. André segue na prisão.

Jeane Sena Santos, 42 anos — Em 17 de janeiro, na Quadra 14 do Setor de Mansões do Park Way, João Inácio dos Santos, 54, matou a ex-mulher com um tiro e, em seguida, tirou a própria vida.

Giovana Camilly Carvalho, 20 anos — A jovem foi assassinada em 18 de janeiro pelo namorado, Wellington Rodrigues Ferreira, 38, na QNN 20 de Ceilândia. O relacionamento conturbado entre a jovem e o agressor era nítido para familiares e amigos.

Izabel Guimarães, 36 anos — A vendedora foi morta pelo ex-marido, Paulo Roberto Moreira, 38, em 4 de fevereiro, em Ceilândia. Ele invadiu a casa de Izabel e atirou contra o rosto dela. O crime foi cometido na frente da filha do casal, de 10 anos. Paulo Roberto segue preso

Simone Sampaio, 40 anos — Na manhã de 13 de fevereiro, ela estava junto ao ex-marido, João Alves Catarina Neto, deixando uma das filhas do casal na escola e, na volta, discutiram. Nesse momento, o agressor desferiu várias facadas na vítima no meio da rua, no Gama. Ele continua preso.

Letícia Barbosa Mariano, 25 anos — Em 2 de março, Letícia foi espancada até a morte pelo namorado, Guilherme Nascimento, 29, no banheiro do apartamento do agressor, em Taguatinga Norte. Eles estavam juntos há cerca de sete meses e viviam uma relação conturbada e agressiva. O autor foi preso horas depois e segue encarcerado.

Rayane Ferreira, 18 anos — No mesmo dia, a jovem foi estrangulada pelo companheiro, Jobervan Junior Lopes, 21, no Riacho Fundo. Em seguida, ele fugiu com o filho do casal, de apenas um ano, que foi encontrado pela polícia na casa do avô paterno, horas após o crime. O autor foi preso em flagrante e continua na cadeia.

Cristina de Sousa Santos, 32 anos — O nono caso aconteceu em 12 de abril, em Planaltina. Cristina morreu após ser baleada pelo ex-companheiro Murillo Samuel Muniz de Jesus, 26, contra o qual tinha medida protetiva. Ele foi flagrado cometendo o crime e levou um tiro da Polícia Militar. Murillo está internado sob a custódia da polícia.

Maria Ivonilde Abreu, 47 anos — Ela foi morta a facadas pelo ex-marido, Ivonildo Joaquim dos Santos, 47, em uma parada de ônibus próximo a Feira dos Goianos em Taguatinga Norte, em 22 de abril. Após esfaqueá-la, ele tentou fugir do local, mas foi contido por populares. A vítima tinha uma medida protetiva contra o autor. Ivonildo continua preso.

(ARTIGO) Uma nova epidemia

Cristina Tubino, presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar da OAB-DF

Onze mulheres foram mortas por seus maridos, companheiros ou ex-parceiros desde janeiro. É um número assustador, se comparado com os números dos anos anteriores, de acordo com dados da SSP/DF e é uma situação estarrecedora pois mulheres estão morrendo porque são mulheres e porque são vistas, pelos homens, como objetos de posse e não sujeitos de direito e iguais.
Nesse ano, em 129 dias, 11 mulheres foram mortas na capital do país, praticamente uma morte a cada 11 dias. É muito. E, aparentemente, o Estado não tem conseguido proteger as mulheres brasilienses, evitar novos crimes ou dissuadir os agressores. Algumas razões para o aumento claro de atos de violências contra as mulheres são claramente identificáveis: a diminuição considerável de investimento em políticas de enfrentamento à violência contra a mulher por parte do Governo Federal durante os anos de 2018-2022, sendo que, de acordo com dados do INESC em 2022 ocorreu a menor alocação orçamentária para o enfrentamento da violência contra mulheres, desde 2012. A pandemia da covid-19 afastou as mulheres de seus núcleos de segurança, dos serviços de proteção e acolhimento.
Atualmente, mais do que encontrarmos os motivos do grande número de feminicídios, buscamos soluções. Infelizmente, as soluções não são simples. Não haverá um ato mágico e repentino que vai fazer com que mulheres parem de ser mortas. Há a necessidade de que o Executivo, o Legislativo local e o Judiciário, juntamente com a sociedade civil e entidades de força – como a OAB – possam, juntos buscar soluções para o problema.
Por fim, é absolutamente fundamental garantir que as mulheres vítimas de violência tenham acolhimento e escuta qualificada e que o Poder Judiciário conceda a essas mulheres medidas protetivas realmente eficazes, saindo das decisões padronizadas, e determinando como regra, por exemplo, monitoramento eletrônico aos agressores que por ventura permaneçam em liberdade, fornecimento de dispositivos que são popularmente conhecidos como “botão do pânico” às vítimas, para que possam ser protegidas e não se transformem em novos números de mortes por feminicídio.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação