Após mais de dois anos e meio de um dos casos mais polêmicos do Distrito Federal, a Justiça proferiu a decisão e condenou quatro envolvidos em um esquema de tráfico de animais silvestres. Pedro Krambeck dos Santos Lehmkuh; a mãe dele, Rose Meire dos Santos; o padrasto, o tenente-coronel da Polícia Militar Clóvis Eduardo Condi; e Gabriel Ribeiro de Moura, amigo de Pedro, terão de prestar serviços comunitários à sociedade.
Os condenados ganharam os noticiários em julho de 2020, mês em que Pedro foi picado por uma naja da espécie kaouthia que ele mesmo criava, de maneira ilegal, no apartamento onde morava com a mãe e o padrasto, no Guará 2 (veja Linha do tempo). No dia do acidente, Krambeck, que cursava medicina veterinária em uma faculdade particular na época, foi levado às pressas ao hospital e ficou internado entre a vida e a morte.
Na unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital Maria Auxiliadora, Krambeck recebeu 10 doses do soro antiofídico usado contra o veneno da naja. O medicamento foi importado dos Estados Unidos para o tratamento do estudante. Como se tratava de um animal exótico e proibido para criação doméstica, a Polícia Civil do DF (PCDF), por meio da 14ª Delegacia de Polícia (Gama), instaurou um inquérito para apurar as causas do acidente.
Tráfico
O que chamou a atenção da polícia foi o fato de que, no mesmo dia após Pedro ser picado, Gabriel, amigo dele, e o tenente-coronel da PM foram vistos saindo do prédio com caixas fechadas e cobertas. A investigação revelou que tratava-se de outras cobras. Gabriel foi o responsável por deixar a naja numa caixa, próximo ao shopping Pier 21, depois de uma negociação com a polícia.
Em 9 de julho de 2020, os investigadores resgataram mais 16 cobras no Núcleo Rural de Planaltina. As serpentes pertenciam a Pedro. Ao longo das diligências, a polícia colheu dezenas de depoimentos de amigos de Krambeck, familiares e colegas da faculdade, que afirmaram que o acusado promovia rifas de cobras na instituição de ensino. As equipes chegaram a prender Pedro e Gabriel por atrapalharem as investigações.
A polícia não tinha dúvidas de que tratava-se de um forte esquema de venda de animais silvestres. Krambeck foi indiciado 23 vezes por tráfico de animais silvestres, associação criminosa, maus-tratos e exercício ilegal da profissão. A mãe, por fraude processual, corrupção de menores, tráfico de animais, maus-tratos e associação criminosa. Já o tenente-coronel Clóvis Eduardo foi indiciado por tráfico de animais, fraude processual, maus-tratos e associação criminosa. E Gabriel por por posse ilegal de animal silvestre, maus-tratos, fraude processual e corrupção de menores.
Papel
Conversas entre Pedro Henrique e a mãe, colhidas pela polícia, revelaram que o jovem viajava para estados, como São Paulo e Bahia, na intenção de comprar serpentes e revendê-las em Brasília. Os diálogos estavam armazenados no celular do estudante de medicina veterinária. Em uma das mensagens, a mãe pergunta: "E aí? Tá por onde? Jantou? E as cobras?". Pedro responde em seguida: "Passando por Ibotirama (BA)", e finaliza dizendo que as serpentes estão bem. Em outro diálogo, o acusado manda uma foto para Rose da víbora-verde-de-vogel, cobra exótica, nativa da Ásia. Ela responde: "Rum. Isso não. Olha o tamanho desse bicho". O jovem desconversa e diz: "Como estão meus ovos (de serpente)? Você tem olhado?".
Laudo pericial constatou que as cobras sofriam de maus-tratos e eram colocadas em locais inadequados, o que as deixavam estressadas. As serpentes apresentavam ainda sinais de magreza, deficiência nutricional e lesões. Conforme consta na sentença proferida nesta sexta-feira (5/5), Rose Meire era a responsável por ajudar nos cuidados com os animais. Por ser a responsável pela alimentação das cobras, ela armazenava no freezer de casa diversos camundongos e ratos mortos, que serviam de alimentação para as cobras.
Por outro lado, o tenente-coronel Condi, padrasto de Pedro, prestava apoio financeiro para custear as despesas com o cativeiro e a alimentação dos répteis. A Justiça apontou que o policial agia de forma associada para o cometimento dos delitos contra a fauna. Já Gabriel Ribeiro, teria sido o encarregado de esconder a serpentes em, pelo menos, outros três endereços de amigos de Pedro.
Penas
Pedro Krambeck foi condenado a uma pena de 14 meses de detenção, mais 31 dias-multa pelos crimes de maus-tratos e por vender e manter animais silvestres em cativeiro. O juiz determinou que a pena seja cumprida em regime inicial aberto e substituiu a pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, em que deverá prestar serviços à comunidade.
Rose Meire foi condenada por vender e manter animais silvestres, maus-tratos, fraude processual e corrupção de menores. Ela teve a pena fixada em 1 ano e dois meses de reclusão, bem como 16 meses e 10 dias de detenção e 34 dias-multa. O regime também é aberto e a mulher deverá cumprir duas penas restritivas de direitos.
O tenente-coronel da PM foi condenado por fraude processual e corrupção de menores. O juiz estipulou uma pena de 1 ano e dois meses de reclusão em regime inicial aberto, mais duas restritivas de direito. Gabriel obteve a mesma condenação e pena de Clóvis.
Ao Correio, a advogada de Gabriel, Juliana Malafaia, enfatizou a a discrepância entre o pedido formulado pelo Ministério Público, que totalizava quase 50 anos de pena, e a sentença condenatória que foi fixada em 1 ano e dois meses. "Além disso, é importante enfatizar que Gabriel não fora condenado por qualquer delito em relação a quaisquer animais — comprovando a inocência do futuro médico veterinário quanto à prática de crime ambiental. Por fim, informa que se estuda a possibilidade de apresentar recurso ao Tribunal quanto à pena imposta", frisou a advogada.
William Ricardo, delegado que esteve à frente da investigação na época, falou sobre a condenação. Para ele, fica claro que a investigação foi bem conduzida e forneceu ao processo penal farto material probatório. "Mesmo sendo marcada por ataques aos investigadores e tentativas de destruição de provas, (a investigação) esteve livre de achismos ou especulações, como tentaram tachar aqueles que quiseram menosprezá-la", pontuou.
Cronologia
- 7 de julho de 2020: Pedro Henrique é picado pela naja, no apartamento onde mora, no Guará 2. Na mesma noite, o amigo Gabriel Ribeiro de Moura recolhe as cobras do local, incluindo a naja e as distribuem outros endereços
- 8 de julho de 2020: Gabriel deixa a naja próximo ao shopping Pier 21. Equipe do Batalhão de Polícia Militar Ambiental recolhe o animal
- 9 de julho de 2020: Polícia Militar resgata mais 16 cobras no Núcleo Rural de Planaltina
- 17 de julho de 2020: Mãe e padrasto de Pedro prestam depoimento
- 22 de julho de 2020: Gabriel Ribeiro é preso por atrapalhar as investigações
- 29 de julho de 2020: Pedro Henrique Krambeck é preso por atrapalhar as investigações
- 31 de julho de 2020: Gabriel Ribeiro e Pedro são soltos
- 13 de agosto de 2020: PCDF conclui inquérito e envia à Justiça
- 28 de agosto de 2020: MPDFT denuncia envolvidos
- 3 de setembro de 2020: TJDFT aceita a denúncia
- 5 de maio de 2023: Justiça condena quatro acusados
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