A taxa de desemprego no Distrito Federal é proporcionalmente maior entre as mulheres do que entre os homens. De acordo com o último levantamento feito pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPE-DF), em parceria com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o índice registrado no segundo semestre de 2022 foi de 16,9% do total de mulheres economicamente ativas enquanto a taxa de homens desempregados no mesmo período foi de 13%. No mesmo período, a taxa de participação feminina no mercado de trabalho brasiliense era de 57,1% ante 72,1% da masculina. Mulheres ouvidas pelo Correio relatam dificuldade de inserção, principalmente em funções predominantemente masculinas. Secretarias de Estado da Mulher e do Trabalho no Distrito Federal oferecem programas de capacitação para reduzir a disparidade.
A supervisora do Dieese no DF e uma das responsáveis pelas Pesquisas de Emprego e Desemprego (PED), Mariel Lopes, aponta que a presença feminina varia mais do que a masculina por conta de fatores diversos. "Os homens têm maior inserção no mercado de trabalho em todas as idades. A gente observa que as mulheres precisam sair em alguns momentos, como quando engravidam", pontua. "Durante a pandemia, constatamos que, quando alguém da família precisa de cuidados, geralmente quem se sacrifica e sai são as mulheres", completa Mariel.
Marynara Gomes, 29 anos, se formou em engenharia civil em 2020 e, desde então, busca, sem sucesso, uma colocação na área. "Muitas vezes, as pessoas não conseguem ver mulheres na área de construção civil. É uma sensação de que eles acham que não somos capazes. Já visitei algumas obras, e os clientes e alguns trabalhadores não me viam como engenheira", relata.
Ela conta que, desde a época da procura por estágios, os homens tinham mais facilidade em conseguir colocações. "A maioria dos meus colegas que se formaram comigo já estão empregados na área. Mesmo quando fiz estágio, foi sem remuneração", diz.
Por conta da dificuldade, Marynara declara que aceitaria emprego fora da sua área. "Apesar de ter graduação e pós-graduação, eu aceitaria emprego em qualquer área para não ficar desempregada", afirma.
Cláudia Oliveira, 49, está desempregada há dois anos e também não obteve êxito na busca por uma posição no mercado de trabalho. Assim que deixou o último emprego, em uma empresa de limpeza, ela abriu um pequeno negócio de venda de salgados, mas também não vingou. "Estou lutando por uma nova colocação. Sei que é um desafio, mas sei que posso", frisa, esperançosa. "Além de sentir preconceito por ser mulher no ambiente de trabalho, sinto pela minha idade", ressalta, destacando que é ainda mais difícil conseguir trabalho quando as mulheres passam dos 40 anos. "Acredito que o governo deveria oferecer condições e oportunidades para mulheres da minha faixa etária poderem trabalhar. Para nós, é sempre mais difícil, conforme vamos ficando mais velhas."
A técnica de enfermagem Eluisia da Silva, 57, concorda que a idade é um fator que dificulta a busca por trabalho. "Estou desempregada desde 2015. Consigo alguns trabalhos temporários como cuidadora, mas não consigo nada com carteira assinada. Já fiz processos seletivos em hospitais, passei nas provas escritas, mas, na hora das entrevistas, percebo que os gestores preferem contratar as mais novas", lamenta. "Entrego currículos todos os dias, sou qualificada, trabalhei por 12 anos em pronto-socorro, internação e laboratório, mas sinto muita dificuldade em ter uma chance de mostrar que sei trabalhar", acrescenta.
Qualificação
A Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Renda do DF (Sedet) oferece programas de qualificação profissional que visam à preparação de mulheres para entrada no mercado de trabalho. "Depois de algumas pesquisas, descobrimos que o maior entrave para inserção no mercado de trabalho é a falta de qualificação profissional, haja vista que temos em torno de 150 vagas diárias em nossas Agências do Trabalhador e, tão somente, 70% das vagas são preenchidas devido à falta de qualificação profissional", informa a pasta, em nota. "De acordo com nosso levantamento, mulheres, negras e com menos escolaridade eram as com menores taxas de empregabilidade", completa a pasta.
Programas que impulsionam a capacitação foram desenvolvidos pela Sedet e oferecem treinamento e encaminhamento para o mercado de trabalho. O Renova DF proporciona cursos de iniciação profissional na área de construção civil, aplicados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Distrito Federal (Senai-DF), com duração de 240 horas (três meses) e 4h diárias. Segundo a pasta, a participação média das mulheres é de 70%. Já o Qualifica DF capacita pessoas nas áreas com maior demanda de mercado e colabora para que o aluno conclua o curso com uma vaga de emprego encaminhada. De acordo com a pasta, a participação feminina é de 60%.
Além dos dois programas, a Sedet disponibiliza a Jornada da Mulher Trabalhadora, que consiste em cursos profissionalizantes oferecidos para a fatia feminina que habita regiões administrativas mais vulneráveis. Os cursos são secretariado administrativo, design de sobrancelhas, alongamento de unhas, cabeleireira profissional e informática básica.
Com o objetivo de fornecer capacitação profissional e autonomia econômica para as mulheres, a Secretaria de Estado da Mulher do DF, em parceria com a Secretaria de Estado do Trabalho, criou, em 2019, o Empreende Mais Mulher, um espaço de acesso a projetos e programas de capacitação voltados, principalmente, para as que estão em situação de vulnerabilidade. O espaço oferece acolhimento e acompanhamento psicossocial, elaboração de um plano personalizado e o encaminhamento para cursos de capacitação presencial e on-line, além de mentoria para o empreendedorismo e para o alcance de maior espaço no mercado de trabalho. Mulheres que tiverem interesse no projeto podem procurar a Casa da Mulher Brasileira, em Ceilândia, ou a Agência do Trabalhador, em Taguatinga.
"Muito mais importante do que capacitar é saber o que o mercado de trabalho precisa. Estamos buscando fornecer capacitação voltada ao mercado de trabalho", enfatiza a secretária da Mulher, Giselle Ferreira. "Precisamos dar autonomia econômica às mulheres, principalmente para aquelas que precisam sair do ciclo de violência", completa.
Palavra de especialista
Desigualdade de gênero
Vanessa Dumont, advogada trabalhista
As mulheres têm menos oportunidade para ingressar no mercado de trabalho e também para permanecer nele. Uma prova disso é o percentual de profissionais demitidas após o gozo da licença-maternidade. A desigualdade de gênero não se limita apenas à taxa de participação na força de trabalho. As mulheres seguem ganhando menos e ocupando menos os espaços de liderança e poder que os homens dentro das empresas. Elas são as grandes responsáveis pelo chamado "trabalho de cuidado" não remunerado. Isso significa que são que cuidam dos filhos pequenos, dos filhos doentes, dos parentes com alguma deficiência, de pais idosos, enfim, que prestam suporte no ambiente familiar.
Empresas muitas vezes evitam ou deixam de contratar mulheres porque acreditam que é mais vantajoso que empregar homens, que não engravidam, não gozam de licença-maternidade e não precisam se ausentar do trabalho para cuidado com filhos e parentes.
A desigualdade de gênero no mercado de trabalho possui causas estruturais, relacionadas à nossa formação social. Homens são vistos como provedores, ocupando espaços de dominância, e mulheres e meninas como responsáveis pelo cuidado com a família e a casa.
Para mudar essa realidade, precisamos evoluir culturalmente e compreender que a mulher não é a única ou a principal responsável pelo trabalho de cuidado, que deve ser compartilhado entre todos. Nesse caminho, é possível citar a licença-parental, já adotada em alguns países, como Alemanha, Suécia e Finlândia, que possibilita que pais e mães ou demais responsáveis compartilhem a licença após o nascimento da criança. Também é preciso que se garanta o acesso a creches em horários suficientes para que os pais possam deixar suas crianças pequenas em segurança e retornar ao mercado de trabalho.
A ratificação, pelo Brasil, da Convenção número 156 da OIT, que trata da igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares, também é fundamental nesse caminho de combate à desigualdade de gênero no mercado de trabalho. É preciso combinar legislação, políticas públicas e fiscalização rigorosa para melhorar essa realidade.
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