Jornal Correio Braziliense

ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO

Crônica da Cidade: Brasília das cores, vozes e odores

"Aos 63 anos, comparada com ilustres quatrocentonas como São Paulo e Rio, a capital é bebê que usa fraldas. A tenra idade, porém, não significa inocência"

Ciceroniei um turista alemão pelos pontos mais interessantes de Brasília. Era o ano de 1968. O tour terminou no segundo andar da Torre de Televisão. Lá do alto, ele mirou a vastidão que se abria à sua frente. Fixou o olhar num casal com duas crianças e muitas sacolas que tentava atravessar o Eixo Monumental. Comentou:

— Esta cidade não foi feita para as pessoas. Veja como elas são insignificantes diante dos prédios, dos carros, da imensidão das pistas.

Hoje, 55 anos depois, ele teria a mesma opinião? Aposto que não. O guia o levaria ao Eixão do Lazer no domingo. No trajeto, ele veria que o brasiliense não buzina, respeita a faixa de pedestres, cumprimenta o desconhecido na rua, no elevador, no metrô.

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Ao chegar, veria de perto o melhor de Brasília — o brasiliense. Gente pequena e gente grande enchem o dia de cores, vozes e odores. Crianças correm, gritam, jogam bola, puxam carrinhos e passeiam cachorros.

Skatistas se equilibram em voos que desafiam a gravidade. Corredores invadem o asfalto. Ciclistas pedalam misturados com pedestres que vão e vêm. Cadeirantes circulam, vendedores negociam, olhares se encontram.

É o patrimônio mais precioso da cidade que ganha pernas. Contemporâneo dos novos tempos, relega ao passado a afirmação de que a capital é formada de cabeça, tronco e rodas. As rodas continuam em alta. Mas perderam a exclusividade.

A capital de todos nós nasceu em 21 de abril. É taurina. Quem vem ao mundo sob o domínio de Touro tem determinadas características. O Almanaque de cultura popular as sintetiza assim:

"Como o animal que o representa, trabalhador da terra, o nativo em Touro esbanja persistência, determinação e racionalidade. Não sabe lidar com preguiça, descompromisso ou irresponsabilidade. Os taurinos costumam ter prazer em cultivar hábitos e gostam de fazer as coisas do seu jeito. No entanto, caso entendam que uma mudança é necessária, não pestaneiam em pô-la em prática."

Aos 63 anos, comparada com ilustres quatrocentonas como São Paulo e Rio, a capital é bebê que usa fraldas. A tenra idade, porém, não significa inocência. Ela reflete os problemas das grandes cidades nacionais. Tem violência, desemprego, corrupção, segregação social, fila em hospitais, transporte público deficitário. Mas, boa taurina, solucionará os problemas. Enfrentar desafios é o seu desafio desde que nasceu.