A sociedade de serviços, também chamada de pós-industrial, se firma dia a dia. Relevante para o Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países, os serviços também se configuram como componente cada vez mais notável da sociabilidade contemporânea. A dimensão dessa influência é tamanha que um grande estudioso do fenômeno turístico, o britânico John Urry, afirmou, em uma de suas principais obras, que agir como turista é condição do sujeito moderno. E esse sujeito, em linhas gerais, é ávido por novidades e está conectado com demandas globais que se internalizam como desejo.
A sede dos Três Poderes da República se impõe, por muitos motivos, como um marco da arquitetura e projeto social moderno. Mas a história dos fluxos turísticos de nossa capital não se inicia em busca de sua paisagem, expressões culturais e artísticas, nem mesmo de suas muitas outras opções de lazer.
Brasília é Patrimônio Mundial da Humanidade. Antes mesmo de receber tal honraria, concedida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 1987, já atraía milhares de residentes e visitantes. Durante sua construção, se notabilizou a chegada contínua e crescente de pessoas, em sua imensa maioria, trabalhadores e trabalhadoras, para a então futura nova capital do país.
Tal poder de atração só aumentou com o tempo e hoje a capital conta, em sua peculiar estrutura administrativa, composta por 33 regiões administrativas (RA's), que já foram conhecidas como cidades-satélites, com mais de 3 milhões de habitantes e um intenso fluxo de visitantes.
Nesse universo, apelidado carinhosamente de quadradinho, em referência ao formato geométrico dos limites administrativos, há muito que se conhecer. O turismo desponta como importante vetor de desenvolvimento, notadamente do ponto de vista das ocupações relativas ao fenômeno turístico. Em suas múltiplas dimensões e escalas, esse conjunto de experiências fascina quem tem a possibilidade de acessá-las.
Para além do horizonte do que está consagrado na publicidade turística e reconhecido pela patrimonialização, Brasília completa seus 63 anos vendo emergir nas paisagens novos frutos turísticos cerratenses. Vejamos as cores de dois deles. A participação da população negra na construção de Brasília e no seu desenvolvimento, compreendidos de modo mais amplo possível, é marcante. Mas onde pode ser visualizada? Perscrutando cuidadosamente as marcas históricas dessa presença no Plano Piloto, a agência Me Leva Cerrado elaborou um roteiro que revela tal trajetória e problematiza sobre seu apagamento.
Conduzido pela guia de turismo Bianca D'Aya, o tour ressalta personagens, lugares, histórias e cultura negra. Seu nome? Brasília Negra. Essa experiência conta com a parceria do Guia Negro, plataforma de afroturismo que teve início com a Caminhada São Paulo Negra e hoje organiza propostas semelhantes em outros seis estados.
Mudando de ares e áreas, o convite é para experienciar o Turismo Fora Do Avião (como é conhecido o Plano Piloto por seu desenho, que em verdade faz referência, segundo Lucio Costa, ao sinal da Cruz). Sua idealizadora e executora, a bacharela em turismo e mestra em preservação do patrimônio cultura, Aline Karina, invita para adentrar a seara turística das demais RA's do Distrito Federal, também objetivando a valorização da memória e da cultura negra e periférica. Destaca-se nessa proposta, o roteiro da RA XIV, São Sebastião. Por meio da Sebas Turística, o Turismo de Base Comunitária (TBC) floresce com força e esplendor para valorizar os personagens, a cultura e a história deste local, fundamental na construção de Brasília. Ressalta-se, por fim, o Guia do Afroturismo no DF e Entorno, onde estão catalogados equipamentos e experiências semelhantes.
A inovação social de experiências como as expostas são índices de que turismo e economia criativa podem e devem dialogar. Que ambas as jovens empreendedoras sejam graduadas em turismo pelo Centro de Excelência em Turismo (CET) da Universidade de Brasília (UnB) não é mera coincidência. Se a história da UnB se funde com a história de Brasília, os rumos do turismo nacional e local ganharam um grande aporte com a organização do CET, que tem participado ativamente na construção de políticas públicas, entre as quais merecem destaque os recentes documentos Política Nacional de Qualificação em Turismo e Cartilha para Plano Diretor Orientado ao Turismo. O CET se orgulha de contribuir para um jardim tão promissor.
A transformação na composição do corpo docente e discente nas universidades públicas nos últimos anos, que se reflete nitidamente na UnB, dá o tom dos novos sons das canções turísticas brasilienses. Os pássaros da contemporaneidade entoam melodias que encantam quem busca novidades e quer se afastar das formas pouco harmoniosas com as comunidades locais que caracterizam o chamado turismo de massa. A soma de temas historicamente relegados e a emergência de novos regam o florescimento de experiências calcadas na exaltação e defesa da diversidade existencial. Visitar um produtor artesanal de tijolos e tomar conhecimento dos aspectos históricos da construção do Plano Piloto e seus inúmeros monumentos é, concomitantemente, educativo e uma contribuição social ao fortalecimento das comunidades.
Tais experiências crescem e avançam no DF. Dos assentamentos de reforma agrária que se abrem para visitações às ocupações culturais, o tecido social brasiliense que sustenta as experiências turísticas e é por elas fortalecido se firma como terra fértil para quem busca (re)conhecer a diversidade existencial que constitui a capital. Focando nos exemplos supracitados, é possível assegurar que a potência do TBC consorciado com o afroturismo plantou sementes cujos frutos brindam mais um aniversário deste projeto popular chamado Brasília!
THIAGO SEBASTIANO DE MELO é docente no Centro de Excelência em Turismo (CET/UnB)