Crimes bastante comuns de ocorrer, os furtos e roubos (com violência) assombram a população do Distrito Federal. Fazendo um recorte mais específico, o aparelho celular aparece no topo da lista como o objeto mais visado pelos ladrões, de acordo com dados da Polícia Civil (PCDF). O eletrônico corresponde a 28% das ocorrências registradas na capital do país em 2022 e, segundo o levantamento da corporação, o número de furtos de celulares aumentou 48,4% entre 2021 e 2022, enquanto o de roubos teve um acréscimo de 2,5%.
Somente neste ano, foram 3.067 furtos e 2.039 roubos de aparelhos celulares no DF, ainda de acordo com a PCDF. Especialista em segurança pública e gestão estratégica em segurança e ordem pública pela Universidade de Brasília (UnB), Leonardo Sant'Anna afirma que o celular é o objeto mais visado, pois ele agrega uma série de itens que são de interesse dos criminosos. "O principal deles é a baixíssima cultura de segurança que temos em relação a adotar algumas posturas preventivas, como não deixar os aparelhos guardados no bolso de trás da roupa ou ficar transitando na rua com o celular, em áreas onde possam ter um risco maior de ser furtado/roubado", destaca.
A profissional de educação física Nathane Cândida, 24, é uma das vítimas dos criminosos por não ter se atentado ao ambiente onde se encontrava. Porém, ela tomou atitudes que não são recomendadas para esse tipo de situação (leia as dicas). A moradora do Paranoá conta que estava saindo de casa e, quando pegou o celular para falar com a mãe, foi abordada por um rapaz de bicicleta. "Fiz uma coisa que não deveria: quando ele pegou o celular da minha mão, eu segurei, puxei de volta e saí correndo", recorda. "Só depois que fui perceber o que poderia ter acontecido comigo, pois a rua estava deserta e não teria ninguém para me socorrer, caso ele me alcançasse", comenta Nathane.
Ela conta que a reação se deu pelo fato de ela não ter percebido nenhum tipo de arma com ele. "Mas, com certeza, não foi uma ação correta. Deveria ter entregado mesmo, pois, apesar de não ter visto se ele estava armado, poderia me machucar", arrepende-se a educadora. Depois disso, Nathane afirma que agora evita mexer no celular quando está na rua ou dentro do ônibus, por exemplo. "Inclusive, uma prima minha foi furtada justamente porque estava com o aparelho na mão. Também teve outra vez que estava com três amigas e duas mulheres furtaram os celulares delas, mas não o meu, pois, como eu não estava com ele à mostra", lembra.
Quem também tem história para contar sobre roubo de celular é Miguel Andrade, 20. O morador do Riacho Fundo II não se esquece das duas vezes em que foi abordado por um bandido. "Quando tinha 12 anos, estava indo para a casa de um amigo fazer trabalho escolar quando dois caras armados me pararam, pegaram o celular do meu bolso e foram embora", recorda. "Na época, cheguei a ficar traumatizado com o ocorrido durante dias", acrescenta o estudante.
"Na segunda vez, com 16 anos, por não estar com algo de valor, não levaram nada. Mas chegaram a me parar e anunciar o assalto", comenta. "Depois dessas experiências, passei a ter mais cuidado com os locais por onde ando e estou mais atento aos movimentos na rua. Além disso, não ando mais com a mochila fora do meu alcance de visão. Isso foi uma dica de um amigo, logo depois da segunda vez que me abordaram", destaca. Para Miguel, a sensação de insegurança se dá pela falta de policiamento. "Principalmente próximo às escolas. Tenho amigos que foram roubados e levaram até o passe estudantil", pontua.
Apesar de morar em Águas Lindas, a estudante Letícia Souza, 22, sabe conhece a violência de perto. "Passei por quatro vezes por esse tipo de crime em 2019. Um foi assalto consumado e as outras ficaram na tentativa", relembra. "Na que realmente levaram meu celular, estava a caminho da faculdade, junto ao meu irmão, e quatro criminosos abordaram a gente. Eles pediram a minha mochila e todas as minhas coisas, e eu entreguei", conta a estudante.
Ela comenta que foi tudo muito rápido e, por isso, não viu se eles estavam armados ou não. "Sem contar que mandaram não olhar para a cara deles e, enquanto dois estavam levando minhas coisas, os outros batiam no meu irmão. Tiraram a roupa dele, que ficou só de bermuda. Fiquei traumatizada", lamenta. Letícia afirma que mudou de postura depois desse período tenebroso. "Desde então, só saio com o celular quando estou de carro, com a minha família ou com o meu namorado. Além disso, evito ao máximo sair sozinha, sempre tento estar com alguma companhia, para qualquer lugar que eu vá", ressalta.
Perigo nas aglomerações
De acordo com o especialista, os locais que fazem parte do cenário criminal, no DF, são os transportes coletivos em geral e suas estações/paradas, centros comerciais e locais de trânsito turístico e de diversão. "Sendo os espaços para grandes shows e eventos os mais procurados, inclusive por quadrilhas", alerta. "Normalmente, nesses grandes eventos, você tem uma aglomeração muito significativa de pessoas. A própria vestimenta que o público usa deixa o celular muito mais à mostra para quem deseja realizar a atividade criminal", aponta o especialista.
Para Leonardo Sant'Anna, nesses tipos de lugares a baixa luminosidade, o grande acúmulo de pessoas e a dificuldade de reconhecimento de quem realizou o furto ou roubo, são os pontos em que as quadrilhas realmente têm uma vantagem muito grande. Ele comenta que existem alguns pontos que levam ao aumento "bastante significativo" dos furtos e roubos de celulares. "A nossa legislação não é favorável a quem perdeu esse tipo de equipamento, ou seja, não há uma punição que preocupa os criminosos" lamenta. "O celular agrega também uma quantidade muito grande de dados pessoais, senhas de banco e acesso a cartão de crédito. Então, o valor desse equipamento vai muito além do aparelho em si", destaca.
Professor de direito do CEUB e também especialista em segurança pública, Antônio Suxberger comenta que, além dos motivos citados por Leonardo Sant'Anna, o aumento de circulação das pessoas em espaços públicos — devido ao fim das restrições impostas pela covid-19 — e o avanço tecnológico também impactam nos números (leia mais em Palavra de especialista).
Como se proteger
Especialista em privacidade e proteção de dados, Lucas Karam destaca como melhores dicas de prevenção para não ter informações acessadas, caso tenha o celular roubado, usar uma senha forte e ativar bloqueios adicionais (biométrico e facial). “Elas também abrangem o lado jurídico. Isso porque alguns juízes entendem que, se a comunicação do roubo/furto não ocorrer em até 48h — caso a vítima tenha algum prejuízo financeiro por conta de dados vazados ou manipulação — o prejuízo poderá ser totalmente dela, devido a sua negligência em não comunicação”, alerta (Todos os detalhes no QR Code).
O porta-voz da Polícia Militar do DF, major Michello Bueno, afirma que, até março, foram recuperados cerca de 1.400 celulares roubados ou furtados. "A Polícia Militar tem feito diversas ações, tanto para prevenir quanto para prender quem comete esses tipos de crimes. A gente mapeia os locais onde ocorrem com mais frequência e reforça o policiamento, o que aumenta o número de flagrantes", destaca.
Segundo o militar, roubos de celulares costumam ocorrer em locais mais escuros e, geralmente, os ladrões estão com arma de fogo ou faca e os crimes têm ocorrido em todo o território do DF. "Não tem um local onde os índices são mais alarmantes do que outro", avalia o porta-voz da PM. "Em relação aos furtos, eles acontecem, em sua maioria, nos centros urbanos — rodoviárias, feiras e dentro de coletivos. Existem quadrilhas especializadas nesses tipos de crimes", aponta.
O militar traz dicas para evitar os furtos de celulares. "Em primeiro lugar, não deixe o celular no bolso de trás ou em mochilas. O ideal é que a pessoa ande com o aparelho dentro de uma doleira, pois ele vai ficar escondido mais próximo do corpo, ou no bolso da frente da calça, melhor ainda se ele tiver zíper", explica. "É importante ficar atento a qualquer esbarrão, pois pode ser um criminoso que pegou seu celular sem que você tenha percebido", alerta.
"Em relação aos roubos, o mais importante é evitar andar por locais desertos ou que estejam com pouca ou nenhuma iluminação. Isso chama atenção dos criminosos", ressalta. Caso acabe sendo vítima de um roubo, a dica do major é evitar a reação. "O criminoso, muitas vezes, não mede as consequências do ato ou está sob efeito de drogas. Se a vítima reagir, ela pode ser ferida ou até mesmo perder a vida", alerta. "O melhor é tentar manter a calma, observar as características físicas do criminoso e acionar a PM, de imediato", aconselha.
Palavra de Especialista
O crescimento de casos envolvendo furto e roubo de aparelhos celulares não causa surpresa. São duas as possíveis explicações para o aumento dos registros. A primeira se refere ao incremento tecnológico, que hoje permite ao titular do aparelho emitir alertas e acompanhar a localização, por georreferenciamento, do aparelho. Isso tem incrementado as notificações de furtos e roubos, porque a recuperação dos aparelhos subtraídos se tornou mais facilitada. Com a possibilidade concreta de recuperação do aparelho subtraído, as vítimas têm apostado na formalização do registro da ocorrência para, então, provocarem a apreensão e restituição do aparelho. A segunda explicação diz respeito aos crimes de oportunidade: em geral, a subtração do dispositivo móvel se dá em locais de ampla circulação de pessoas, o que voltou a ocorrer com o fim das restrições impostas pela pandemia da covid-19. Isso implicou no crescimento dos casos noticiados de furtos e roubos de aparelhos celulares.
Antônio Suxberger, especialista em segurança pública e professor de direito do CEUB