Hoje, Planaltina recebe milhares de fiés de várias partes do país para assistir a 50ª Via Sacra, um dos eventos religiosos mais famosos da capital. A peça teatral montada no Morro da Capelinha revive o trajeto percorrido por Jesus, carregando a cruz, desde o Pretório até o Calvário, onde morreu. Mas por trás da fé, figurino e interpretação existem trabalhadores, pais e cidadãos comuns. Todos os atores que participam da Via Sacra são voluntários e, de forma unânime, conciliam a vida pessoal com o amor em vivenciar a Paixão de Cristo.
A companhia que comanda o projeto, a Via Sacra ao vivo, é composta por 1.400 integrantes que durante a Semana Santa se dedicam totalmente à apresentação religiosa e à disseminação da passagem de Jesus pela Terra. Marcelo Augusto Ramos, 35 anos, nasceu em Planaltina e há uma década interpreta Jesus na Via Sacra. Além de advogado, o personagem principal é pai da Mariana, de cinco anos e contou que, mesmo em tantos anos de atuação na peça, viver Jesus é algo inacreditável para ele. "Eu não sou ator profissional, sou uma pessoa muito tímida, não tenho boa memória. Eu tenho certeza de que para eu estar diante daquela multidão é Deus que age na minha vida", emociona-se.
Há 31 anos na encenação da Via Sacra, Vanderson Francisco Maciel, 48, diz que quando não está empenhado nos ensaios para o papel de Judas, auxilia na direção do evento. Ator profissional, formado pela Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, ele trabalha como servidor público do GDF, na Administração Regional do Guará. Solteiro e sem filhos, ele tem dois cachorros que cria com muito amor. O ator reconhece que viver Judas é uma tarefa complexa. "Existe toda uma questão religiosa, é difícil acreditar que um homem como ele, que partilhou da intimidade de Cristo, tenha virado as costas a Ele no final" , comenta.
Para o ator, em todos esses anos no projeto, um momento foi marcante: o falecimento por infarto de um parceiro de direção, durante a Semana Santa de 2008. "O Uberdan Cardoso era um grande amigo e dividia a direção de cena do espetáculo comigo. Foi muito triste, toda a equipe foi ao sepultamento e retornou para apresentar a Santa Ceia. Mas, a alegria e dedicação ao trabalho me inspiram até hoje", recorda
Muitas vezes, o ator precisa deixar as emoções de lado em prol da celebração religiosa e se desdobrar para conseguir conciliar tudo. "Como moro no Guará, tenho que fazer um verdadeiro malabarismo para participar das atividades. Vou, em média, umas quatro vezes por semana para Planaltina, sendo que nessa reta final vou todos os dias. Tenho como prioridade estar presente em todas as atividades que me são designadas, mesmo tendo que dormir quatro ou cinco horas por dia", explicou.
"Uma correria tremenda, ainda bem que minha família entende, respeita e super me apoia nesta paixão. Na Quaresma não marco nenhum evento, nenhum compromisso, sou praticamente Via Sacra", disse Milena Guimarães, que vive a personagem Maria de Nazaré. Brasiliense, 45 anos, pedagoga, Milena é casada e mãe de três filhos. Ela entrou na Via Sacra aos 14 anos, mas o convite para encenar Maria só veio em 2018. "Um dos melhores presentes e mimos de Deus por mim", conta emocionada.
Gledson Gratão, 46, interpreta Pilatos há sete anos. Ele diz que a semana que antecede a Via Sacra é uma carga pesada para os atores. "Pelo fato de ser Católico Apostólico Romano, mesmo sendo uma peça, me sinto impotente sabendo que eu não posso fazer nada para livrá- lo da morte". Mas, fora de cena ele é técnico em segurança do trabalho, casado, nascido em Formosa (GO), pai de dois filhos, um jovem de 24 anos e uma adolescente de 14. Para administrar a vida religiosa, familiar e profissional ele se espelha na força de Jesus. "Quando se faz por amor a Ele, mesmo sendo muito cansativo, arrumamos tempo pra tudo. No final dá tudo certo e a recompensa vem com os aplausos do público e em saber que a missão foi comprida."
Nascida em Planaltina, Iohana Hanani entrou na Via Sacra ainda criança e hoje aos 32 anos vive Maria Madalena. Na vida real, é empresária. Para se dedicar à peça, se esforça para conciliar os horários entre a vida profissional e o amor por Cristo. "Fazemos ensaios na madrugada se for preciso", afirmou. De acordo com ela, esse é o segundo ano como Maria Madalena. "Pisar no calvário depois de uma pandemia podendo sentir Cristo conforme o Evangelho é ter a certeza que é amor", ressaltou.
Juntamente com Jesus, dois ladrões também foram crucificados, segundo a Bíblia. Na peça do morro da Capelinha, Cristiano Da Silva, 41, interpreta Dimas, o ladrão ruim, em um dos momentos mais emblemáticos e marcantes da encenação. Para ele, uma experiência única e mágica. Mas por trás dessa vivência tem um motorista, casado e pai de três crianças, que durante a Quaresma se dedica aos ensaios e dá o melhor de si. " Não tem como descrever o quanto é gratificante ensaiar e realizar a Paixão de Cristo. É uma sensação de gratidão e dever comprido com Deus" contou.