Acusado de ser o mentor da maior chacina da história do Distrito Federal que vitimou 10 pessoas da mesma família, Gideon Batista de Menezes, 55 anos, responde por mais de 12 crimes e permanece preso em uma cela isolada no Complexo Penitenciário da Papuda. Ainda pesa contra ele uma suspeita que pode se transformar em investigação e culminar em mais uma pena para o assassino. O Correio Braziliense revela, em detalhes, com base em entrevistas, registros fotográficos e áudios, que familiares e conhecidos de Gideon acreditam ser ele o responsável pela morte do próprio irmão de criação, José Guilherme de Meneses, 57. O suposto assassinato teria ocorrido em novembro de 2021, quando os dois deixaram a cidade de Mar Grande (BA) com destino à capital federal. Gideon chegou em solo brasiliense, mas o irmão não. Desde então, o paradeiro de Guilherme é desconhecido.
José Guilherme cresceu em um lar pobre, assim como Gideon e a irmã. Ainda recém-nascido foi adotado e viveu toda a infância, juventude e vida adulta no interior da Bahia. Mas a aparência de uma irmandade harmônica tomou outro rumo depois da primeira prisão de Gideon, em 1996. Já no DF, o criminoso foi detido pela polícia por roubo qualificado e, depois, por roubo de veículo. A matriarca da família, que sofre de câncer e vive acamada, sabia vagamente dos crimes praticados pelo filho e chegou a visitá-lo uma vez no Complexo Penitenciário da Papuda, mas, depois, retornou à Bahia e pediu para que as visitas fossem feitas por Guilherme e uma familiar. Até hoje, a idosa desconhece o episódio da chacina e não sabe da prisão de Gideon.
Guilherme esteve em Brasília pela primeira vez em 2004, depois que a mãe lhe atribuiu a missão de visitar Gideon na Papuda. Era a segunda vez que o criminoso era preso no DF. Mas anos antes, entre 1999 a 2003, Gideon recebia visitas de uma outra parente. "Foram anos de luta e abdicação da própria vida", desabafa ela, em entrevista exclusiva ao Correio. Sob condição de anonimato, a mulher contou detalhes sobre o passado e a vida de Gideon, inclusive as amizades duradouras mantidas por ele com Horácio Carlos Ferreira Barbosa, 49, e Fabricio Silva Canhedo, 34, ambos detidos por envolvimento na chacina (leia na próxima reportagem A mente do articulador da maior chacina do DF).
No DF, Guilherme e Gideon moraram juntos em uma casa na região da Fazendinha, no Itapoã. O imóvel foi comprado pela mãe dos dois e seria uma forma de abrigar Gideon após ele ser liberado da cadeia. Mas não demorou muito para que Gideon convencesse o irmão a vender a casa para ficar com parte do dinheiro. Uma amiga da família entrevistada pelo Correio revela que o imóvel foi vendido por R$ 60 mil, e o valor dividido entre os dois. "O Gideon colocou na cabeça do Guilherme que ele precisava vender o lote. Ficou R$ 30 mil para cada. Mas o Gideon ainda pediu a parte do Guilherme emprestado e disse que pagaria depois", conta.
Com medo de Gideon, Guilherme decidiu sair de casa e passou a morar com outra familiar no DF. No final de 2018, antes de vender a residência, Gideon viajou para a Bahia para auxiliar nos cuidados à mãe. A familiar do assassino relata que, no período em que ficou fora, ele encarregou Horácio de residir no imóvel do Itapoã. "O Guilherme já morava comigo, porque ele não se sentia seguro ao lado do Gideon", detalha a parente.
Gideon retornou ao DF em novembro de 2020, quando saiu da casa do Itapoã junto a Horácio. Os dois começaram a morar no lote de Marcos Antônio Lopes, 55, no Condomínio Entre Lagos, no Itapoã. Marcos e Gideon eram amigos e se conheceram dentro do cárcere, na década de 1990. Mas Marcos mal sabia que logo seria traído pelo amigo e se tornaria uma das vítimas da barbárie que comoveu o país (veja A chacina).
Falsa promessa e sumiço
Guilherme tentava reconstruir a vida na capital para juntar dinheiro e arcar com a despesa dos dois filhos e com os exames e as consultas da mãe. Em 2016, ele conseguiu um emprego na área de serviços gerais do Ministério do Esporte. A reportagem localizou e conversou com uma amiga que trabalhou diretamente com Guilherme. A mulher, que prefere não se identificar, contou que os dois prestaram serviço juntos por dois anos, até 2018, quando a empresa perdeu a licitação. "Ele era uma pessoa muito calada e acuada. A gente sentia quando o Guilherme estava aflito. Quando alguém pedia para ele limpar a mesa mais de uma vez, por exemplo, ele se sentia incompetente e achava que tinha algo de errado com ele", diz.
Depois de ficar desempregado, Guilherme precisou retornar à Bahia. "O Guilherme economizava dinheiro há muitos anos. O Gideon sempre falava que ele não ajudava em nada e só guardava dinheiro no banco, o que era uma mentira. O Guilherme chegou a arcar com mais de R$ 3 mil só com os exames da mãe", diz a familiar.
Em novembro de 2021, Gideon apareceu com uma suposta proposta de emprego em Brasília ao irmão. Ele disse que a oportunidade era boa e que os dois fariam a viagem em breve. A oferta rápida e aparentemente bondosa causou estranheza na família. A parente entrevistada pelo Correio foi uma das responsáveis por tentar convencer Guilherme a desistir. "Lembro que o Guilherme estava com uma alta quantia guardada na conta. Uma semana antes da viagem, tentamos fazer com que ele comprasse uma casa e não deixasse o dinheiro no banco. O Gideon ficou furioso e falou que não era para gastar o dinheiro com isso", conta.
Mas a viagem foi acertada. Em 11 de novembro, Gideon e o irmão adotivo saíram do interior da Bahia com destino ao DF. A familiar relembra uma das últimas palavras ditas por Gideon antes de sair de casa. "Ele falou que não era para ficar ligando para ele no meio da estrada, porque ele não ia atender o telefone."
Premeditação
No mesmo dia da viagem, um primo da família levou a mãe de Gideon, a irmã e outros parentes até a praia. Segundo a familiar, eles não iam à praia há anos e, justamente naquele dia, foram convidados. "Parece que foi tudo para tirar a nossa atenção."
A viagem ocorria sem interferências, até Gideon tirar uma foto do irmão na beira da estrada e enviar aos familiares. O fato é que a feição de Guilherme preocupou os parentes. A foto, obtida pelo Correio, mostra o homem do lado de fora do carro e aparentemente assustado com o registro. "Pelo o que conheço dele, a fisionomia me deixou preocupada. Me passa uma sensação de aflição, melancolia. Quando ele se sentia aflito no trabalho, o aspecto era o mesmo", disse a colega de serviço de Guilherme.
Quando Gideon chegou no Distrito Federal disse aos familiares não saber do paradeiro de Guilherme. O criminoso alegava que o irmão havia ido se encontrar com amigos em Samambaia e não deu mais notícias. A família não acredita nessa versão. "Ele fez algo com o Guilherme. Premeditou tudo nos pequenos detalhes", fala a familiar.
Um boletim de ocorrência foi registrado em 21 de novembro de 2021 na Delegacia Territorial de Vera Cruz, na Bahia. À época, a amiga da família fez questão de divulgar fotos do Guilherme nas redes sociais pedindo por ajuda para localizá-lo. Enquanto isso, Gideon seguia a vida como se nada tivesse acontecido. A familiar acusa o criminoso de ter se passado por Guilherme pelo WhatsApp. "O Guilherme só enviava áudios e do nada começou a digitar textos. Ele nunca mandava mensagem escrita", desabafa.
Em janeiro de 2022, Gideon retornou à Bahia na companhia de Horácio e, no momento em que entrou em casa, foi questionado pela irmã: "Onde você desovou o corpo do meu irmão?", disse ela. A discussão entre Gideon e a irmã foi registrada em um áudio, também obtido pelo Correio. Na gravação, o criminoso acusa a mulher de calúnia. "Prova. Eu quero que você prove que fiz algo", argumenta ele (ouça abaixo).
Gideon permaneceu na Bahia por poucos meses e voltou para Brasília com Horácio. O assassino está preso na Papuda e foi denunciado pelo Ministério Público por ao menos 12 crimes. A família segue até hoje em busca de qualquer informação do paradeiro de Guilherme. A parente de Guilherme não perde a esperança. "Ainda vamos localizá-lo e se o Gideon fez isso, ele vai pagar caro." Qualquer informação pode ser repassada pelo número 197, da Polícia Civil.
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A chacina
Gideon é apontado como o responsável por arquitetar o sequestro e a onda de assassinatos de 10 pessoas da mesma família: a cabeleireira Elizamar da Silva, 37, e os filhos, Gabriel, 7, e os gêmeos Rafael e Rafaela, 6; o marido dela, Thiago Belchior, 30; os sogros de Elizamar, Renata Juliene Belchior, 52, e Marcos Antônio Lopes, 54; a filha de Renata, Gabriela Belchior, 25; a ex-mulher de Marcos, Cláudia Regina, 55, e a jovem Ana Beatriz, 19. O crime foi articulado no final de dezembro do ano passado. A motivação da chacina, segundo as investigações, foi ganância por dinheiro, terras e eliminação de herdeiros.