A arte é um dos fios condutores da história da jovem capital da República. Erguida no meio do nada, Brasília foi e é solo propício para diversas manifestações artísticas. É a vocação da cidade. No teatro e no cinema, não é diferente. Nomes de peso da arte provam que a cidade também é capital da cultura brasileira.
Hugo Rodas (1939-2022) foi a porta de entrada de muitos atores brasilienses para o teatro. Uma das heranças deixadas pelo uruguaio diretor do antológico Os saltimbancos (1977), com a Agrupação Teatral Amacaca (ATA). "Vi um espetáculo de Hugo pela primeira vez quando tinha 16 anos e fiquei impactada com a força dele no palco. Era muito corpo, muita dança e pensei 'é esse o tipo de teatro que quero fazer'", recorda Camila Guerra, uma das fundadoras do grupo e uma dos 12 integrantes.
Acesse todas as reportagens do especial de 63 anos de Brasília
Camila teve o privilégio da intensa convivência com Rodas, que, segundo a artista, tinha o teatro como família, além de ter uma enorme curiosidade com a vida. "Todo tempo com ele, era tempo que valia a pena estar viva. Era entrega total à arte de viver", conta Camila. "A agrupação traz a energia do Hugo, da lógica de grupo, de amor e revolução. Embarcamos no sonho dele de viver a utopia de fazer teatro em Brasília", explica.
Apesar do sonho e da vontade de fazer arte, Camila Guerra diz que os desafios são muitos. "Para fazer teatro em Brasília, é preciso paciência. É uma cidade muito nova. Somos as primeiras gerações do teatro na cidade, o que também a torna um lugar fértil, com uma cena ainda em construção. Mas a nossa cadeia produtiva ainda é pouco desenvolvida, com carência de profissionais em áreas técnicas, como iluminação, produção de palco e figurino", diz a atriz. "Mas, mesmo com as intempéries, com a morte de Hugo e a pandemia, vale a pena continuar", confessa.
Atualmente, o grupo está se preparando para apresentação do espetáculo Rinoceronte, que tem a direção de Hugo Rodas. As apresentações serão nos dias 28, 29 e 30, no Sesc Ceilândia. A entrada é gratuita.
Sexualidade
Nos últimos anos, a diversidade de gênero e de sexualidade é um tema que tem ganhado amplo espaço nos debates públicos, mas nem sempre foi assim. Alexandre Ribondi, 70, escreve e atua em peças teatrais com temáticas LGBTQIPA desde 1970. "Era enfrentar a repressão, a desconfiança e o sarcasmo o tempo todo, foram as situações de violência. Mas a mensagem que levávamos para o teatro era de que não queríamos nos esconder. 'Não queremos esperar a ditadura acabar para ter prazer', era o nosso lema à época", lembra.
O sonho de ser ator vem da infância, aos 7 anos, após assistir Marcelino, pão e vinho, produção cinematográfica espanhola de grande sucesso nos anos 1960. "Assim que saímos da sala de cinema, falei para minha mãe que queria ser ator. Ela me falou que não tinha criado filho para ser palhaço", recorda, entre risos. Apesar da negativa da mãe, o destino foi implacável, entregou-se para a arte e, de lá para cá, espetáculos de sucesso foram criados por Ribondi, como Filó Brasiliense (1975), Os rapazes da banda (1981), Crépe Suzette, o beijo da Grapette (1980), Abigail é mais velha que Procópio (1986), No verão de 62 (1985), A última vida de um gato (2002), Virilhas (2005), Felicidade (2015) e Mimosa (2018).
Outros países também puderam ver de perto o trabalho de Alexandre Ribondi. Fez teatro de marionetes na França e, em Portugal, tanto atuou quanto deu aulas de teatro. Mas Brasília, cidade à qual chegou em 1968, é a sua base. "É um lugar que me inspira, seja nos momentos em que estou terrivelmente apaixonado por ela ou nas horas em que olho pela janela e digo que quero ir embora dessa cidade seca e quente", revela o ator.
Atualmente, Ribondi ministra duas oficinas de teatro na Casa dos Quatro, espaço multicultural na 708 Norte, fundado por ele e que também serve para ensaios e espetáculos de diversos grupos da cidade, e está escrevendo, dirigindo e preparando a montagem De volta à felicidade, com atores LGBT's do Sol Nascente. Outro projeto em andamento é o espetáculo Depois desse dia feliz, que se prepara para chegar aos palcos futuramente.
Cinema
A arte pareceu um caminho inevitável desde a infância de Marcus Ligocki Jr., um dos principais cineastas da cena candanga. Ele nasceu em Belém, mas veio com a família ainda com um ano e meio de vida. Devido às habilidades com o desenho, Marcus chegou a pensar que seria artista plástico, sendo premiado em concursos de desenho ao longo do ensino médio. No entanto, na hora de escolher a carreira, ele decidiu sair do óbvio.
Era início dos anos 1990 e o cinema brasileiro passava por tempos difíceis. O curso de cinema estava fechado na Universidade de Brasília (UnB) e acabou optando por publicidade, onde teve a oportunidade de fazer disciplinas do audiovisual, como produção e roteiro. Na mesma década, também fez cursos de cinema de curta duração, no Rio de Janeiro — experiência que o encorajou a investir ainda mais na sétima arte. Em 2003, gradua-se em formação executiva em cinema e televisão, na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ligocki teve a oportunidade de se fixar em outros lugares, mas foi em Brasília que decidiu ficar. "Brasília é um espaço de possibilidades, sonhada e construída do nada, uma missão aparentemente impossível. É um lugar diverso e inspirador", descreve Ligocki, que também ressalta o papel que a UnB desempenhou na vida dele. "As discussões que tive lá foram muito vibrantes", recorda.
Entre as produções que levam a assinatura do diretor, estão As vidas de Maria (2005), no qual atuou como produtor, e Uma loucura de mulher (2016), primeira experiência como diretor. Em Pureza (2019), longa-metragem de grande repercussão nacional, que retrata o contexto de trabalho análogo ao escravo no Brasil e estrelado pela atriz Dira Paes, Ligocki foi roteirista e produtor.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.