Habitação

Jardins Mangueiral: novo bairro na linha de risco da Papuda

A área fica a menos de 1km do presídio federal e é o atual cárcere de Marcola. Especialistas dizem que forças de segurança do DF precisam ficar atentas a instalação do crime organizado. GDF aguarda decisão final da Justiça

Pablo Giovanni
postado em 19/04/2023 06:00 / atualizado em 19/04/2023 14:02
 (crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

Um empreendimento visando a expansão do Jardins Mangueiral é alvo de uma ação no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT). O futuro novo bairro, chamado de "Expansão do Mangueiral" ficaria a menos de um quilômetro do Complexo Penitenciário da Papuda e da Penitenciária Federal de Brasília. O Correio ouviu especialistas que apontaram receio com a possibilidade de instalação do crime organizado nessa região, principalmente com o retorno do líder do Primeiro Comando da Capital (PCC) Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, ao DF.

O processo está nas mãos do juiz Carlos Frederico Maroja de Medeiros. O caso foi ajuizado pela ex-deputada distrital Júlia Lucy (União Brasil), contrária a criação de dois bairros: o Alto Mangueiral e a Expansão do Mangueiral. O primeiro é localizado em uma região acima do Jardins Mangueiral, próximo de São Sebastião. Esse projeto possui a aprovação da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) e já foi aprovado em um decreto publicado no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) de 4 de fevereiro deste ano. O governo local trabalha com a possibilidade de mais de 7 mil unidades habitacionais em uma área de 110,4 hectares — equivalente a mais de 110 campos de futebol —, comportando uma de 23 mil pessoas.

Já o segundo é o projeto que ficaria a menos de um quilômetro dos presídios. O governo ressalta que quer a área para habilitação, porque no Plano Diretor Ordenamento Territorial (Pdot), a área consta como oferta para essa modalidade. Para tentar frear essa possibilidade, a Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) chegou a aprovado um projeto de lei para tornar este espaço como um parque ecológico, mas o governador Ibaneis Rocha (MDB), que vetou por entender que projetos de lei dessa natureza só podem ser propostos pelo Executivo. O caso foi parar na Justiça e o governo local conseguiu sair vitorioso.

Especialistas ouvidos pela reportagem atestam que a existência de um empreendimento tão próximo a presídios pode impactar fortemente a população. Para o especialista em segurança pública Leonardo Sant'Anna, as forças policiais do DF deverão ficar atentas nessas localidades porque o PCC age dessa maneira. "Existe sim, a realidade, de pessoas e criminosos que pertencem a organizações de grande porte, tenham parte de sua assessoria do crime próxima do local onde estejam detidos. Ou seja, todo o planejamento de inteligência deve ter outro nível de critério e avaliação de risco", detalhou.

mangueiral
mangueiral (foto: editoria de arte)

Segurança

O advogado apontou que, caso o governo, de fato, tenha interesse em empreender na região, é necessário dimensionar a questão da segurança como uma das prioridades. Ele citou que apesar da proximidade com os presídios, a segurança ao redor desses complexos sempre foi bem reforçada para evitar eventuais fugas ou situações semelhantes, assim como já ocorreu com o próprio Marcola, quando os planos de fuga foram frustrados após a ida dele para Rondônia. "Isso também fez com que o Mangueiral passasse a ser um dos locais mais cobiçados para moradia no DF. Ou seja, quando o empreendimento já é desenhado para fazer frente a esses níveis de risco, os problemas tendem a ser bem menores do que ficam parecendo ser no imaginário social da população. A nossa polícia nunca deixou o crime organizado se instalar aqui na nossa cidade", apontou.

"É um momento dessa comunidade que vai habitar, fazer as cobranças governamentais adequadas, uma vez que é interesse do governo colocar os dois tipos de atividades próximas. Tem que haver um investimento sim para não colocar a comunidade em uma situação de vulnerabilidade e de risco, nem de comunicação adequada", concluiu.

O presidente da Associação dos Moradores do Jardins Mangueiral (AMOR), Guilherme Carvalho, afirmou que o Pdot está desatualizado, e que a última atualização foi em 2009, quando ainda não existia o presídio federal. "Naquela época, não havia armamentos tão potentes como temos hoje. O espaço é totalmente delicado, porque, mesmo que seja para uso habitacional, temos pessoas que estão no presídio e que são consideradas de grande risco à nossa sociedade. Além disso, temos a questão do meio ambiente. Lá existe um parque, e tentamos fazer uma lei para torná-lo uma reserva ecológica, que foi vetada. Não é só o Marcola. Há problemas maiores, porque existem outros detentos que são tão perigosos quanto ele e nem sabemos a existência. É importante ressaltar isso, já que o governo ainda não entendeu", esclareceu.

Mercado imobiliário

O especialista em direito imobiliário Saulo Malcher Ávila lembrou que o PCC já chegou a agir para tentar alugar imóveis no Lagos Sul e Norte em 2020 para ameaçar uma juíza do DF. O advogado ressaltou, no entanto, que o governo do DF também trava uma outra questão: o déficit habitacional. "Pelo que se pode colher dos debates sobre o tema, não haveria problemas urbanísticos com a implantação dos empreendimentos na região de expansão do Jardins Mangueiral, que, portanto, poderão contribuir com o combate ao déficit habitacional no Distrito Federal, um problema grave em nossa região", detalhou. "A segurança é uma questão que preocupa a todos, independentemente do local, classe social etc. A instalação de presídios em locais próximos a residências é uma realidade que todos devemos nos adaptar", completou.

Para o doutor em desenvolvimento sustentável Christian Della Giustina, a criação de parques, como foi proposta pela CLDF, é a política pública de conservação da natureza mais eficiente em todo o mundo. No entanto, na visão dele, a criação de parques ecológicos deve ser precedida de estudos técnicos que demonstrem a relevância de atributos ambientais a serem protegidos, tais como a fauna, a flora e as águas. "No caso da expansão do Jardins Mangueiral, há de se ressaltar que o plano diretor é o principalmente instrumento constitucional para que a função social da propriedade cumpra o seu papel. Mesmo a área sendo definida como urbana, os projetos de urbanização devem necessariamente contemplar a destinação de áreas verdes."

"O DF tem mais de 70 parques. A grande maioria deles encontra-se jogado às traças. Ao invés de cumprirem seu papel de proteção da natureza e a promoção do desenvolvimento sustentável são centros de ilicitudes tais como o tráfico e uso de drogas, grilagem de terras dentre tantos outros crimes. Então, não necessariamente, a criação de um parque garantirá mais segurança aos moradores, sobretudo se a lógica da gestão precária da maioria dos parques de Brasília for seguida", completou.

O que diz o governo

A Companhia de Desenvolvimento Habitacional (Codhab) diz em nota que o novo bairro ainda está em fase de estudos, porque a área é passível de habitação e está dentro do território do DF. A pasta ressaltou que realizou diversas consultas de viabilidade do empreendimento, principalmente pela proximidade com os presídios, e que foram estabelecidos condicionantes. "As diretrizes estabelecidas pelos órgãos de segurança foram incorporadas ao Plano de Ocupação e às Diretrizes Urbanísticas Específicas (DIUPE) da área, resultando em um parecer favorável da Secretaria de Segurança Pública. No tocante aos estudos ambientais, como todo novo empreendimento, Codhab informa que a Expansão do Bairro Mangueiral respeitou o rito de licenciamento ambiental para a sua implantação."

Para a área, o governo local prevê que possa existir 2.899 unidades habitacionais, conforme estabelecido no Pdot para solucionar parte do déficit habitacional. O governo esclareceu que aguarda a decisão favorável da ação na Justiça para poder avançar, de vez, nos estudos e, posteriormente, tirando o bairro do papel. O Correio não conseguiu contato com a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), responsável por gerir a Penitenciária Federal de Brasília.

 

Colaborou Arthur de Souza

 

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