Ao ser depositado na lixeira, o lixo produzido diariamente deixa de ser um problema imediato para o cidadão para se transformar em uma situação social. Quando descartados em lixões a céu aberto, o acúmulo de produtos orgânicos pode representar grande dano à saúde da população, especialmente para famílias que sobrevivem de catar material reciclável para vender. No Distrito Federal, desde que o lixão da Estrutural foi fechado, em 2018, esse serviço é organizado em 21 associações e cooperativas de coleta e processamento de materiais recicláveis, que atuam bem distantes da realidade do antigo vazadouro insalubre.
De segunda-feira a sábado, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do DF envia o lixo que foi recolhido pelas ruas às cooperativas, que realizam a triagem. "Após a triagem, os cooperados realizam a classificação, a prensagem, o armazenamento e a venda do que foi coletado. As associações, então, apresentam as notas fiscais ao SLU como comprovante da quantidade de resíduos desviados do Aterro Sanitário de Brasília (ASB), e recebem remuneração por este serviço prestado", explica o Francisco Mendes, chefe da Unidade de Sustentabilidade e Mobilização Social do SLU.
Com um total médio de 1.513 catadores, o conjunto de cooperativas processou, em 2022, 42.505 toneladas de material reciclável, com aproveitamento de 22.939 toneladas (cerca de 46%). A taxa diária de processamento não fica atrás, com média de 1.635 toneladas, das quais são aproveitadas 882 toneladas por dia.
Catadores
O trabalho se sofisticou, a natureza agradece e os resultados se refletem também na vida dos que fazem parte desse processo. Marilene Dias, 62 anos, moradora da Estrutural, atua na Centcoop há cinco anos e notou uma grande diferença nas condições de trabalho do local. "Antes eu trabalhava no lixão, sofríamos. Carregávamos os sacos de lixo nas costas, ficávamos no sol e na chuva. Aqui é muito diferente, não tem nem comparação. As máquinas empurram o lixo e o pessoal designado coloca na esteira e separa. Um serviço organizado é positivo para todos", relembra.
Aparecida Ferreira, 38, também é uma das colaboradoras na central de cooperativas, da qual participa há quatro anos. "Melhorou bastante, porque eu moro de aluguel e tenho sete filhos para sustentar. Minha renda aumentou, agora consigo arcar com tudo e não falta alimento aos meus filhos", conta a ex-vendedora de doces.
No entanto, ambas concordam que a conscientização da sociedade para a separação de material é um desafio com que ainda é preciso lidar. "Pedimos muito sobre isso. Os itens que poderiam ser reciclados ficam contaminados. Fica até difícil de separar, porque vem tudo misturado. Tem até resíduo de hospital", explica Ferreira.
Marilene Dias também observa que projetos de conscientização da população são capazes de influenciar na remuneração mensal dos catadores. "Nosso ganho depende do quanto trabalhamos. Isso pode mudar se vier melhor material. Tem lixo que vem com sujeira e não dá para reciclar. Se melhorar, podemos até ganhar mais", reitera.
Um dos empecilhos para os profissionais é a falta de representatividade, seja em nível social, político e ambiental. Além disso, os trabalhadores ainda não contam com infraestrutura adequada, como veículos para realização de coleta, nem profissionalização dos processos de rotinas administrativas, logística e comercialização.
Impacto
Vale lembrar que os efeitos dos trabalhos desse setor têm repercussão na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Mendes ressalta a importância do que é realizado no DF e classifica os colaboradores não só como trabalhadores de uma categoria, mas agentes ambientais, sociais e de saúde. "Mitigam o envio de recicláveis a serem aterrados e prolongam assim a vida útil do local. São atores ativos na economia circular dos resíduos", afirmou Francisco Mendes, chefe da Unidade de Sustentabilidade e Mobilização Social do SLU.
Para ele, o papel das cooperativas de Brasília na PNRS fez com que os catadores da capital ganhassem protagonismo dentro da cadeia produtiva. "Ela veio dar a devida visibilidade e relevância ao trabalho histórico de inclusão de trabalhadores com extensa jornada e, na sua maioria, em condições a que poucos se submetem", explicou.
Esse impacto pode ser ainda maior caso a população se engaje na separação de materiais, também divulgando para pessoas próximas os benefícios de realizar isso. "Assim, é possível se tornar um agente ambiental familiar, adotando e propagando as boas práticas de consumo consciente e descarte socioambiental correto", concluiu o gestor do SLU.
Conscientização
Para o ambientalista Thiago Ávila, além das próprias emissões de gases em si, a reciclagem também age positivamente para impedir outros limites planetários, como a destruição de biomas. "Para além das mudanças climáticas, a reciclagem age positivamente em desafios que a humanidade também precisa vencer para manter as condições amigáveis de vida em nosso planeta", expressa. O socioambientalista pontua que, na dinâmica das cidades, a não separação aumenta a quantidade de resíduos inutilizáveis nos sistemas de reciclagem atual. "Isso impede tanto a reciclagem adequada do máximo de resíduos, como também a própria compostagem dos resíduos orgânicos gerados", garante.
Para Thiago, o trabalhador da reciclagem é alguém que já está, hoje, numa profissão do futuro, que cada vez mais a sociedade vai perceber seu valor. "O problema é que, no presente, ele ainda é extremamente desvalorizado e tratado com preconceito. Numa cidade desigual e segregada, vemos ações hostis a famílias catadoras", comenta. O especialista expõe que é necessário tentar produzir menos resíduo em casa e separar corretamente o lixo. "Ainda estamos longe disso, mas quanto mais pessoas se conscientizam, maiores são os efeitos benéficos sobre a cidade e as comunidades", afirma.
*Estagiário sob a supervisão de Patrick Selvatti
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