CONTRACAPA

A comunidade atenta ao autocuidado por meio das terapias comunitárias

Terapia Comunitária Integrativa reúne grupos para conversas gratuitas que facilitam o acesso a tratamento da saúde mental. A prática de abordagem psicossocial é aprovada pelo SUS

Pedro Marra
postado em 17/04/2023 06:00 / atualizado em 17/04/2023 07:19
 (crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
(crédito: Fotos: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Desenvolvida pelo psiquiatra e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) Adalberto Barreto, em 1980, a Terapia Comunitária Integrativa (TCI) envolve o cuidado com a saúde mental em grupo, por meio da troca de experiências entre os participantes. De forma gratuita, os gestores propõem a integração de saberes por meio de memórias afetivas, cantigas e ações lúdicas. A atividade, considerada pelo Ministério da Saúde uma abordagem psicossocial, é adotada em várias unidades de saúde distritais, estaduais e municipais como forma de construção de redes sociais solidárias e fortalecimento da saúde mental. O Distrito Federal possui diversos grupos de apoio que se reúnem semanalmente para dialogar sobre os problemas vividos e buscar soluções em conjunto.

A capital do país ganhou, em 18 de março, mais 37 terapeutas comunitários integrativos. O grupo, junto desde março de 2022, recebeu um certificado de formação nessa, que é uma das práticas aprovadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com regularização da Associação Brasileira de Terapia Comunitária (Abratecom). Em forma de roda, cada participante da sessão é co-responsável pelo processo terapêutico individual e coletivo. A partilha de experiências favorece o resgate da identidade, a restauração da autoestima e a ampliação da percepção sobre a sociedade. 

As etapas de formação foram desenvolvidas pelo Polo Correnteza, com sede em Sobradinho, em parceria com a Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua (AscapBsB), sediada no Setor O, em Ceilândia. Após 240 horas de curso e 30 práticas das rodas de conversa, a professora de séries iniciais do ensino fundamental, Érica Borges, 51 anos, conta que amou a experiência, diferente do trabalho desenvolvido em sala de aula. "É muito importante que viremos intermediadores para que todos falem e sejam escutados. É um processo semanal de cura", comenta.

Segundo Érica, que atua na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes, em Sobradinho, a terapia comunitária integrativa foi criada para ser uma prática de intervenção coletiva que visa criar e fortalecer os laços sociais como um espaço de acolhimento que favorece a troca de experiências entre as pessoas. "É uma forma de encontrar mais possibilidades que te dão estratégias para sobreviver àquele problema, além de um momento importante para saber que não é a única pessoa que passa por algo ruim", explica a terapeuta de Sobradinho.

Dois lados

Paciente da roda desde 2020, realizada no formato on-line, a secretária-executiva, Cristiani Vieira, 47, também tornou-se terapeuta comunitária e aprendeu a ouvir os outros. Com quadro de depressão e ansiedade, ela explica que ao escutar outra pessoa sobre as estratégias para superar um problema, conseguiu refletir sobre a melhor maneira de enfrentar os próprios desafios. "O que mais vemos são pessoas entendendo que precisam se cuidar para, depois, cuidar do outro", analisa.

Cristiani, que também incorpora a palhaça Pipoca em festas particulares há 33 anos, leva a alegria para as rodas de conversa, realizadas todas as quintas-feiras. Para ela, é um encontro totalmente diferente das experiências que teve com terapia comportamental e psicanálise. "É outra realidade e me ajudou muito, porque o mais legal é o aprendizado do autocuidado", complementa a secretária-executiva.

O morador de Sobradinho 2, Eduardo Rios Costa, 41, também participou da formação. De aluno, tornou-se instrutor dos usuários atendidos no Centro de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas (Caps-ad), na cidade onde vive. Ele deu entrada no projeto em abril de 2019 para se recuperar de um vício. Lá, conheceu o projeto da Ação Social Caminheiros de Antônio de Pádua. "Aprendo muito, me reconheço na história do outro, mas a importância mesmo é para a comunidade. É um lugar de fala, escuta e compartilhamento, com ganho social que não tem como medir", emociona-se.

Nesse período, Eduardo diz que voltou a cursar o 9º ano do ensino fundamental, após 23 anos longe das salas de aula. "Não tenho formação acadêmica, mas, no curso, me encontrei com psicólogas, educadoras sociais e isso vem me ajudando na escola. Na última sexta-feira, reparei a forma como um menino desenhava rápido, o que chamamos de pensamento sistêmico, onde conseguimos perceber como a pessoa está. Ele disse ter ansiedade e me agradeceu pela atenção", detalha.

Empoderamento social

Para a coordenadora do projeto, Mirna Almeida, 41, o curso é uma ferramenta política de empoderamento social que constrói vínculo entre as pessoas. "A roda é para que a sociedade tenha espaços gratuitos de acolhimento e de ouvir as dores da alma, porque nem todo sofrimento precisa ser medicado. E os terapeutas cuidam da saúde emocional dos outros, sem julgar e dar conselhos, porque, às vezes, o que é remédio para uma pessoa é veneno para outra", avalia.

Mirna destaca que os terapeutas comunitários também estão sendo beneficiados pelo encontro. "Durante o curso, os alunos se transformam e veem como um marco divisor da vida deles porque a experiência mexe muito com as questões internas. A roda é para todos", enfatiza.

Zona rural

Os cuidados com a saúde mental também chegam a quem mora no campo. Para isso, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater-DF) oferece cinco pontos de encontro. São rodas de conversa em terapias comunitárias integrativas para encontrar alternativas de melhora da saúde mental voltadas a um público que mora longe dos serviços de saúde. "Uma frase que a gente fala é que, se o corpo cala, a gente adoece. E quando a gente fala, o corpo sara", explica a assistente social da Emater-DF, Maria Bezerra.

Na instituição, ela trabalha como extensionista rural para resolver problemas dos pacientes como o relacionamento com filhos, pais e companheiros, além de abordar questões relacionadas à autoestima. "Como começamos em julho de 2022, retomando a vida fora de casa, muitas pessoas tiveram perdas durante a pandemia da covid-19. Tivemos o relato de que o marido era o provedor da casa, morreu pela doença e a mulher não teve a oportunidade de falar da dor dessa perda. Ela não tinha falado para ninguém", lembra.

Segundo a psicóloga e referência técnica distrital de terapia comunitária integrativa no DF, Doralice Oliveira Gomes, após a retomada das atividades presenciais, o luto pelas perdas de parentes e a sobrecarga na vida pessoal e profissional influenciaram no aumento de pacientes nas rodas de conversa. Ela acrescenta que as terapias on-line vieram para ampliar o cuidado da saúde emocional. "Temos desde pacientes com transtorno mental grave — que aprendem a se colocar em grupo, se comportar e ter um diálogo interessante — a pessoas que ainda têm medo do contágio com o coronavírus. Estamos fazendo um processo de readaptação", complementa.

Atualmente, Doralice atua em três frentes: na Secretaria de Saúde (SES), em parceria com a Secretaria de Educação e com a Universidade de Brasília (UnB). A cobertura vai desde a educação básica até o ensino superior, com grupos fechados em presídios. "A terapia comunitária é uma abordagem terapêutica que proporciona amadurecimento coletivo e acolhimento do sofrimento. As pessoas não vão passar por diagnóstico, mas para encontrar um espaço de partilha da história de vida", conclui.

 

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  • Grupo de terapia comunitária integrativa no Assentamento Pinheiral, em São Sebastião
    Grupo de terapia comunitária integrativa no Assentamento Pinheiral, em São Sebastião Foto: Emater-DF/Divulgação
  • Rodas de terapia comunitária integrativa no Núcleo Rural Catingueiro, em Sobradinho
    Rodas de terapia comunitária integrativa no Núcleo Rural Catingueiro, em Sobradinho Foto: Emater-DF/Divulgação
  • Rodas de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris
    Rodas de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris Foto: Emater-DF/Divulgação
  • Grupo de terapia comunitária integrativa no Assentamento Pinheiral, em São Sebastião
    Grupo de terapia comunitária integrativa no Assentamento Pinheiral, em São Sebastião Foto: Emater-DF/Divulgação
  • Grupo de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris
    Grupo de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris Foto: Emater-DF/Divulgação
  • Grupo de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris
    Grupo de terapia comunitária integrativa no Café Sem Troco, comunidade da Quebrada dos Neris Foto: Emater-DF/Divulgação
  •  30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes.
    30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
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    30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Grupos de terapias comunitárias integrativas estão presentes em todo o DF
    Grupos de terapias comunitárias integrativas estão presentes em todo o DF Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Cristiani Vieira.
    30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Cristiani Vieira. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Érica Borges.
    30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Érica Borges. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Érica Borges.
    30/03/2023. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Terapias comunitárias integrativas no DF. Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes. Terapeuta Érica Borges. Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Terapeuta Cristiani Vieira, da Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes
    Terapeuta Cristiani Vieira, da Roda de conversa na Paróquia Bom Jesus dos Migrantes Foto: Minervino Júnior/CB/D.A.Press

Atendimentos

Polo Correnteza, de Sobradinho
Contato: (61) 99844-5304
E-mail: correntezaterapias@gmail.com
Instagram: @correntezaterapias

Zona rural (pontos da Emater)
Café Sem Troco (CFST), na Quebrada dos Neris (QN), no Paranoá
Assentamento Pinheiral (Pinh), em São Sebastião
Núcleo Rural Taquara (TQ), em Planaltina
Vargem Bonita (VB), no Núcleo Bandeirante
Núcleo Rural Catingueiro (CTG), em Sobradinho
Contato: (61) 3311-9373 da Gerência de Desenvolvimento Sócio Familiar (Gedes)
E-mail: gedes@emater.df.gov.br

Secretaria de Saúde do DF
Coordenação técnica de terapia comunitária integrativa
Contato: (61) 3348-6191
Site: www.saude.df.gov.br/praticas-integrativas-em-saude
E-mail: terapiacomunitaria.ses.gdf@gmail.com

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