A baixa adesão à imunização está se tornando um grave problema no Distrito Federal. Dados da Secretaria de Saúde (SES-DF) mostram que, desde de 2017, a capital do país vem decrescendo nas coberturas vacinais, se comparado aos anos anteriores. A meta para as vacinas BCG e rotavírus é de 90% e, para as demais vacinas do calendário infantil, o objetivo é de 95%. De acordo com a pasta, em 2022, o DF atingiu o índice ideal apenas para BCG, e isso preocupa.
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Segundo a SES-DF, no ano passado, a vacina tríplice viral (que previne contra sarampo, caxumba e rubéola) teve a maior taxa de abandono entre os imunizantes que contam com duas doses no esquema vacinal: das 35.308 crianças de até 1 ano que tomaram a D1, quase 12 mil não retornaram para completar o ciclo — somando 33,8% de abandono.
Outros imunizantes também estão na mesma situação, como a vacina inativada poliomielite (VIP) — confira o infográfico — e, de acordo com a infectologista do Centro Especializado em Doenças Infecciosas Joana D'Arc Gonçalves, a junção das baixas coberturas vacinais e das desistências na aplicação das doses de reforço, podem criar um cenário de perigo e de risco elevado para reintrodução de doenças que estavam controladas e o surgimento de surtos.
"A proteção do coletivo fica prejudicada, não haverá imunidade de rebanho por causa do aumento de pessoas suscetíveis à infecção", avalia a médica. "Os esquemas com mais de uma dose são mais difíceis de serem executados, mas é imprescindível que façamos o possível para o cumprimento do que está prescrito em bula, por conta do risco de diminuição da eficácia das vacinas", ressalta. Para a especialista, a pessoa que não completa o ciclo pode ter uma falsa sensação de segurança e, ao se expor, acaba infectada e sofre as consequências da história natural da doença, que pode ser devastadora. Outro motivo para o não complemento do esquema imunológico está ligado à propagação de notícias falsas, segundo a infectologista do Exame Medicina Diagnóstica, Maria Isabel de Moraes-Pinto (leia Artigo).
Além do sarampo, há o risco de reintrodução da poliomielite — outra doença erradicada do continente americano. Os primeiros surtos da paralisia infantil começaram a ser registrados há cerca de 70 anos. Com as mortes, em 1961, as primeiras campanhas de imunização foram iniciadas no país. Um ano depois, nasceu em Juazeiro (BA), Paulo Roberto Carvalho, 60 anos. Apesar de ter a idade mínima para tomar o imunizante na época, ele não conseguiu ter acesso à vacina — que era distribuída apenas nas grandes cidades.
Aos 6 anos, a consequência: Paulo contraiu poliomielite e perdeu o movimento das pernas. "Ainda não tinha chegado a vacina nos interiores. Muitos morreram Brasil afora por isso", relembra. Vivendo em uma cadeira de rodas desde então, ele conheceu o pior e o melhor da vida. Foi campeão nacional de basquete sobre rodas, casou e viu seus três filhos crescerem.
Por outro lado, sentiu o preconceito por ser cadeirante. "O deficiente físico é muito discriminado. Muita gente acha que ele é incapaz, acha que é uma pessoa inútil na sociedade", desabafa. Com a piora do seu quadro de saúde e desempregado, veio para Brasília em busca de recursos para comprar uma cadeira motorizada, se dividindo entre o Congresso Nacional, Palácio do Buriti e os semáforos da capital atrás de ajuda.
Para ele, se a gotinha tivesse chegado à sua boca, esse esforço não seria necessário. "Se imunizar é muito importante. É necessário que as pessoas tenham consciência e tomem as vacinas, seja de covid, paralisia infantil (poliomielite) ou qualquer outra", explica. "É um ato de amor aos filhos. Os pais e mães que têm consciência e querem bem dos seus filhos, optam pela aplicação (do imunizante)", aponta.
Mortes e muita dor
A covid-19 é a doença com o surto mais recente. No DF, até o momento, mais de 7 milhões de vacinas contra o novo coronavírus foram aplicadas na população, entre todas as doses disponíveis. Só que existem pessoas que não entram nessa estatística, mas na de óbitos — que totalizam 11.853 vítimas na capital federal. Algumas pelo fato de não terem acesso à criação da ciência, por terem morrido antes da liberação do imunizante, outras por simplesmente porque não quiseram aplicar a vacina no braço.
Rosângela Silva é vice-presidente de Saúde da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), um coletivo social que luta por justiça e memória às vítimas fatais da doença e também pela garantia e acesso aos direitos humanos constitucionais dos sobreviventes da covid-19. Segundo ela, a Avico recebe, diariamente, vários relatos de familiares de pessoas que eram negacionistas e acabaram morrendo por conta da doença, mesmo tendo a oportunidade de tomar a vacina. "A ideia de que o imunizante não era eficiente (por causa das fake news), criou um medo na população. Por isso, muitas dessas pessoas vieram a óbito", lamenta.
A representante da Avico afirma que grande parte dos relatos partem de pessoas com idades entre 40 e 60 anos. "Elas resistiram, muito por conta do medo. Mesmo tendo tomado todas as outras vacinas existentes", comenta Rosângela Silva. Uma fala bastante comum, segundo a vice-presidente, é: "Sei de gente que tomou duas doses e, mesmo assim, adoeceu". Para tentar reverter o cenário, ela conta que a Avico faz um enfrentamento ao negacionismo. "A gente disponibiliza documentos com dados técnicos sobre a vacina. Além disso, procuramos mostrar relatos de famílias que sofreram por conta da covid, na tentativa de sensibilizá-los", detalha.
Aos que ainda têm alguma dúvida sobre tomar ou não qualquer que seja o imunizante, a representante da associação deixa um recado. "A ciência avançou o suficiente para que a gente tenha confiança e segurança em todas as vacinas. As pessoas não podem ter medo de acreditar naquilo que vem da ciência", aconselha. "O SUS (Sistema Único de Saúde) nos oferece a vacina de forma gratuita, então, não tem porquê não ir se vacinar ou levar seu parente para fazer o mesmo", conclui.
Três perguntas para
Tereza Luiza Pereira, gerente da Rede de Frio Central da Secretaria de Saúde
Quais são as estratégias da SES para conscientizar a população sobre o fato de que vacinas salvam vidas e/ou evitam doenças que deixam sequelas?
A Secretaria de Saúde vem se mobilizando, por meio de treinamentos para os servidores das salas de vacinas, para aprimorar os serviços prestados e para capacitar esses profissionais para bem receber os usuários e deixá-los seguros quanto à vacinação. Além disso, estamos fortalecendo os trabalhos junto à Ascom para produção de mídias e materiais que conscientizem a população sobre a importância das vacinas e sua segurança, além do combate às notícias falsas (Fake News).
O que explica o cenário atual de baixa cobertura vacinal?
A explicação para este cenário é multifatorial. Dentre esses fatores, podemos citar a hesitação vacinal, que é uma recusa ou relutância a se vacinar, mesmo havendo disponibilidade de vacina. Essa hesitação pode ser consequência do medo e da insegurança, da propagação de notícias falsas (Fake News) e da ilusória sensação de proteção devido ao desaparecimento ou diminuição da gravidade de doenças. Além desses motivos, há o problema de acesso às salas de vacinas e do desabastecimento por parte do Ministério da Saúde de alguns imunobiológicos.
Em quanto tempo o GDF espera voltar a ser referência em imunização da população?
Esperamos que com as mobilizações que estão sendo realizadas, o mais brevemente possível retornaremos a apresentar elevadas coberturas vacinais.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira