Nas compras via aplicativo, especialmente de produtos alimentícios para consumo imediato, a relação entre entregadores e clientes tem gerado conflitos. Na tarde da última terça-feira, um morador da quadra 311 do Noroeste não quis descer até a portaria para buscar o pedido e, quando o entregador decidiu subir, iniciou-se uma forte discussão. Na noite seguinte, um grupo de motociclistas — o principal tipo de profissionais que atuam com delivery — foi até a região fazer um buzinaço em protesto.
No Distrito Federal, casos como esse têm sido comuns e o Correio procurou alguns desses trabalhadores sobre duas rodas, que relataram a dificuldade no relacionamento com o consumidor e ao lidar com as regras dos condomínios e com os termos impostos pelas plataformas para as quais prestam serviço autônomo.
Subir ou não subir?
Para evitar o embate, a maioria dos motociclistas ouvidos pela reportagem afirma que prefere ir até a porta do apartamento. Segundo Gilberto Bezerra, 32 (nome fictício), os clientes não entendem que a demora na entrega ocorre devido ao atraso no preparo de uma comida e reforçam que eles poderiam facilitar, como alguns poucos moradores que deixam o código do pedido com os porteiros. "Até porque, se a nossa moto é roubada, a plataforma não paga outra, porque ela não se responsabiliza por isso", opina.
O presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do Distrito Federal (Sindmoto-DF), Luiz Carlos Garcia Galvão, reforça que os entregadores sobem como forma de gentileza, mas alerta que a moto fica do lado de fora, com produtos dentro. "Somos roubados e quem arca com o prejuízo somos nós. Essa situação de subir é bem mais complexa do que o pessoal pensa. No momento em que deixamos a moto e entregas embaixo, o veículo fica vulnerável a furto", explica o dirigente.
Entre as regras de conduta e os direitos
Outro problema, percebido por Sérgio da Silva, 28 (nome fictício), também motociclista profissional, é quando o entregador diz que não irá subir. "O cliente pirraça, demora a descer. Acontece muito na Asa Sul, Lago Norte, Lago Sul, Noroeste, Sudoeste", detalha. E desabafa: "A gente fica feliz quando a pessoa está nos esperando com o código, mas 90% não faz isso. Por isso, evito estresse e subo logo".
Há dois anos na área, Sérgio sugere que as plataformas façam uma campanha de conscientização para os consumidores entenderem o papel dos entregadores. "Muitas vezes, o restaurante atrasa, e o pedido demora 40 minutos. Quando chegamos no endereço, o cliente está irritado e pensa que somos os responsáveis por isso. Têm pessoas que não querem nem passar o código, e isso gera problema para ligarmos na empresa", relata.
Integrante do grupo Trabalho, Constituição e Cidadania do curso de direito da Universidade de Brasília (UnB), a pesquisadora Bruna Vasconcelos de Carvalho explica que, no campo das plataformas digitais, as empresas impõem uma série de regras de conduta, mas não assumem algumas responsabilidades trabalhistas ou perante o consumidor. Ela acrescenta que um cliente pode avaliar mal o entregador, e ele pode ser descartado do aplicativo por um comportamento não aceito na plataforma. "Isso evidencia que é uma plataforma de serviço de delivery, e não de entregadores. O trabalhador assume uma responsabilidade maior do que ele tem domínio, enquanto deveria ter resguardado o direito de subir ou não", critica.
Segundo o Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF), a entrada dos entregadores é decidida pelo regulamento do condomínio. "O consumidor tem direito de receber o produto conforme a oferta feita pela empresa e a compra feita no aplicativo. Todavia é necessário observar o que está estabelecido nas normas do condomínio", pondera o órgão.
O Procon acrescenta que não há dispositivo legal que obrigue que a entrega seja feita na porta do consumidor. Contudo, o fornecedor deve apresentar, de forma clara e acessível, as regras quanto à entrega do produto. Para o professor de direito do consumidor do Ceub Nauê Bernardo, a questão do motociclista ter que subir para entregar é algo que deve ser regulado. "É muito melhor que a pessoa desça, por segurança. Essas pessoas têm uma demanda muito grande, e essa compreensão dialoga com o princípio da boa-fé, que se aplica ao Código de Defesa do Consumidor (CDC)", contextualiza.
Nauê apresenta outra perspectiva quando lembra que o contrato é feito entre as plataformas e o consumidor. "É preciso entender o quanto isso representa de conforto e está embutido no valor cobrado (no aplicativo). É uma questão contratual, que tem de ser resolvida da melhor forma para que não hajam episódios violentos", pondera.
O que dizem as plataformas de venda
A reportagem procurou duas plataformas de delivery. Para o iFood, descer para buscar o pedido é uma das formas que podem ser adotadas no dia a dia para demonstrar respeito aos entregadores. "Não existe obrigatoriedade e o iFood não faz nenhuma exigência aos profissionais que trabalham na plataforma para realizar a entrega diretamente no apartamento do cliente, por entender que há variáveis, como regras do condomínio, questões de segurança ou por não existir condições de estacionar a moto na via pública, por exemplo", argumenta a empresa.
Já o Rappi esclarece, também em nota, que "repudia qualquer comportamento ilícito ou desrespeitoso de qualquer uma dessas partes entre ela"s. A empresa informa, ainda, que os entregadores parceiros não são obrigados a subir até a porta do apartamento do cliente. O indicado, nos Termos e Condições do aplicativo, é que ele aguarde na portaria das casas e prédios. "A opção de subir, inclusive, não existe no app", diz o texto.
Colaborou Aline Gouveia
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