Taxa de consumação mínima, vedação de transferência de ingresso, cobranças em razão de perda de comanda e de couvert artístico sem aviso prévio são algumas das práticas abusivas mais frequentes em boates, bares, casas de festas e de shows. Os proprietários desse tipo de estabelecimento e os produtores, no caso de eventos, têm a liberdade para estabelecer suas normas. Porém, isso não anula o dever de cumprirem o que é preconizado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Com frequência, empresas obtêm lucros em cima do cliente — incluindo contratos com cláusulas abusivas. E muita gente nem percebe que está sendo lesada. A taxa mínima de consumação, por exemplo, é uma política comum. "Apesar de ainda adotada por alguns estabelecimentos, essa cobrança é ilegal. O CDC traz, no artigo 39, que é vedado condicionar o fornecimento de um produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos", explica Sarah Prado, especialista em direito do consumidor.
Extraviar a comanda pode se transformar em uma dor de cabeça. Foi o que aconteceu com Lucas Ribeiro, 24 anos, em uma casa de festas. "Quando cheguei no evento, foi entregue a comanda. Nela mesmo, aparecia escrito que, em caso de perda, o consumidor seria obrigado a pagar esse valor", relata. "Só que a empresa tinha o controle de tudo que era consumido, pois os pedidos eram adicionados digitalmente à nossa conta. Mesmo assim, tivemos que arcar com os R$ 400. Se algum cliente tivesse gasto R$ 30, por exemplo, mesmo que eles tivessem esse controle, se não estivesse com a comanda, teriam de bancar os R$ 400", detalha.
Sarah confirma que o entendimento de Lucas está correto. "A responsabilidade pelo controle do consumo do cliente é do estabelecimento e não pode ser atribuída ao consumidor por meio do uso de comanda avulsa de controle individual. No caso de perda, o consumidor deve procurar o gerente e pagar apenas o que consumiu", explica a advogada.
O couvert artístico e a taxa de 10% também costumam gerar dúvida. Flávia Aguiar, 21, foi comemorar o seu aniversário com um grupo de amigos, em um bar na Asa Sul, em fevereiro. "Cada um pagou a sua parte e me mostrou a nota. Quando fomos fechar a conta, ainda faltavam R$ 144", relembra. De acordo com a estudante, o valor se referia a couvert artístico, mas eles haviam chegado depois que o show tinha terminado. "Sei que passaram a perna em mim, mas não tive o que fazer, não tinha como comprovar", lamenta.
Sobre esse tipo de prática, a advogada Nathália Mello informa que a cobrança é possível, desde que o frequentador esteja ciente. "O CDC determina que o consumidor deve ser comunicado previamente de maneira bastante clara e ostensiva, e de preferência na entrada do estabelecimento, tanto sobre a cobrança, quanto sobre o valor que será cobrado pelo couvert artístico. Caso contrário, se tiver escrito em letras pequenas, em local de difícil entendimento ou difícil visão, o consumidor não é obrigado a pagar", ensina a especialista.
Quanto a taxa de serviço, a cobrança é legal, porém, é facultativa. O consumidor paga se assim o desejar. Nathália chama a atenção, ainda, para casos em que os estabelecimentos têm calculado os 10% em cima do total da conta, incluindo o couvert, o que está errado, porque esse último é uma taxa à parte, destinada aos artistas contratados. "Também configura uma prática abusiva, na qual há uma obtenção de vantagem em cima do cliente", diz.
Espetáculos
Cancelamento de eventos e alteração da data programada também geram ressarcimento e até indenização para o consumidor, conforme as advogadas ouvidas pelo Correio. No caso do cancelamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) compreende que todos os que atuaram na organização são solidariamente responsáveis pelos danos sofridos, tanto materiais quanto morais. Em razão da falha na prestação de serviço e na passagem de informação prévia e adequada, todos os integrantes da cadeia de consumo devem arcar com a indenização, desde o proprietário até o vendedor dos ingressos.
A mesma coisa ocorre quando há alteração da data programada. O consumidor pode pleitear a devolução do valor do ingresso, além do transporte, alimentação, hospedagem e todos os gastos que teve.
A exceção são os cancelamentos e adiamentos feitos devido às restrições impostas pela pandemia da covid-19. A lei nº 14.390/22 prevê a possibilidade de remarcação desses serviços e eventos até 31 de dezembro de 2022, para os cancelamentos realizados até 31 de dezembro de 2021, e até 31 de dezembro de 2023, para os cancelamentos realizados de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2022. Ambos se encaixam na hipótese de caso fortuito — quando os efeitos não são possíveis de se evitar ou impedir.
Se, antes, o interessado quiser o cancelamento do contrato, a empresa pode disponibilizar crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços por ela oferecidos. Passado o prazo determinado pela lei, caso a data não tenha sido remarcada, a empresa fornecedora deverá reembolsá-lo.
A proibição de transferência de ingresso de uma pessoa para outra também é irregular, de acordo com ambas as especialistas. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), "embora o ingresso tenha natureza adquirida, pessoal e intransferível, a possibilidade de transferência se mostra razoável, pois não traz prejuízo ou risco algum à segurança do evento ou ao fornecedor".
Práticas ilegais
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Taxa de consumação mínima;
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Taxa em razão de perda de comanda;
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Cobrança de couvert artístico sem aviso prévio;
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Obrigatoriedade do pagamento da taxa de serviço;
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Publicidade enganosa ou abusiva;
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Taxa de serviço sobre o total da conta, ou seja, incluindo o couvert;
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Falta de reembolso diante do cancelamento ou adiamento do evento;
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Proibição de transferência de titular do ingresso.
Fontes: CDC, STF, TJDFT
*Estagiários sob supervisão de Malcia Afonso
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