Desde segunda-feira (13/3), o vídeo em que um aluno "presenteia" com esponja de aço, em sala de aula, a professora negra, no Dia Internacional da Mulher, tem repercutido nas redes sociais e nos noticiários. Na gravação, é possível constatar que a educadora fica visivelmente constrangida com a atitude do estudante. O caso ocorreu no Centro de Ensino Médio (CEM) 09, de Ceilândia e impeliu a Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA) 2 (Taguatinga) a investigar o caso.
O delegado-chefe adjunto da unidade, Flávio Messina, explica ao Correio que, como o caso envolve um menor, não é necessário que a vítima se manifeste para que alguma medida seja tomada por parte da polícia. "A partir do momento que a Secretaria de Educação do Distrito Federal confirmou que se tratava de uma docente da rede pública, instauramos imediatamente os procedimentos. Já intimamos a professora e o estudante para ouvirmos as versões dos fatos de ambas as partes", afirma o delegado. Segundo Messina, ainda que tanto a vítima quanto o adolescente não sejam obrigados a comparecer à delegacia, as testemunhas são, mesmo se tratando de menores. "Queremos entender melhor como é a vivência do estudante com os demais colegas e com a professora", explica.
- Estudante "presenteia" professora negra com palha de aço no Dia da Mulher
- Especialistas analisam caso de racismo em escola de Ceilândia
O advogado criminal Oberdan Costa lembra que, caso fosse maior, o aluno seria enquadrado no crime do artigo 2º da Lei 7716, que é injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade em virtude da raça. Como se trata de um adolescente de 17 anos, ele não comete crime e é penalmente inimputável. "Por outro lado, se após responder ao processo, com direito de defesa, for considerado culpado, estará sujeito a medidas socioeducativas, que podem ser mera advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade ou internação em estabelecimento educacional", detalha o advogado.
A atitude do estudante pode ser enquadrada em dois aspectos opressivos: o racial e o de gênero. Entretanto, de acordo com o jurista, a lei ainda não prevê um desvalor criminal especial em casos de injúria em virtude do gênero, mas há um projeto de lei que pretende criminalizar também a prática.
Atrocidades dissimuladas
O Sindicato dos Professores (Sinpro-DF) destacou, em nota, que o gesto do adolescente foi racista e misógino, "duas atrocidades dissimuladas em brincadeira". "A escola conversou com os pais e pediu ao estudante para fazer uma carta e lê-la em público pedindo desculpas e se retratando. Contudo, na avaliação do Sinpro, isso não é suficiente para reparar a profundidade e a extensão do constrangimento, do sofrimento e da dor que marcou não só a professora, mas também todos (as) que viveram a cena e sentiram o peso do racismo estrutural e do ódio às mulheres", contestou o sindicato, que se põe à disposição de todas as direções das instituições de ensino para apresentar propostas que visem a realização de trabalhos de enfrentamento ao racismo nos ambientes escolares.
A professora e mestra em direitos humanos e cidadania Aldenora Conceição de Macedo explica que a educação antirracista deve ser vista como uma política pública de estado, sendo avaliada e acompanhada pelos órgãos responsáveis. "A implementação e execução [da educação antirracista] é uma obrigação legal. Lei se cumpre, não se negocia", frisa. Segundo ela, a falta de subsídios não é explicação plausível para que a abordagem contra o racismo não seja implementada nas escolas, como impõe a Lei 10.639/ 2003.
"É, acima de tudo, negligência, descumprimento de dever. Uma educação que respeita as diferenças, não as coloca como desigualdades, e que valoriza a pluralidade brasileira, com olhar para as enormes contribuições do povo negro, aliás, a maioria da população brasileira. Essa é a educação antirracista, e ela carrega esse olhar interseccional, também para as questões de gênero, sexualidade, de religião", analisa Aldenora, que também é doutoranda em educação.
Retratação em voz alta
A sala de aula que aparece na filmagem é de uma turma do terceiro ano do ensino médio. O diretor da escola, José Gadelha, contou para a reportagem que o fato só chegou ao conhecimento da instituição na segunda-feira, quando um grupo de alunos indignados com o episódio procuraram a direção para reportar o que havia ocorrido em sala de aula em 8 de março. Gadelha, que confirma a leitura da redação de desculpas em alta e classifica o episódio como "deprimente", diz que a delegacia não foi procurada porque a direção da instituição ainda não conversou com a professora, Edmar Sônia, que dá aula de redação e chegou à escola neste ano. A docente não foi ouvida pela reportagem porque ainda está sendo preservada.
Em nota, a Secretaria de Educação declarou que a escola tem autonomia para conduzir o ocorrido e que a direção da instituição indicou que fará ações nas salas de aula, como rodas de conversa para instruir os estudantes sobre o assunto. A pasta vai lançar, em maio, o Guia de Prevenção à Vida em todas as escolas públicas do DF. "Vamos trabalhar com esse guia, em parceria com a Diretoria de Serviços de Apoio à Aprendizagem, Direitos Humanos e Diversidade, a conscientização contra racismo e misoginia", antecipou, ao Correio, o coordenador regional de ensino de Ceilândia, Carlos Ney Menezes Cavalcante.
Colaborou Aline Gouveia
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para contato. Clique aqui e mande o e-mail.