O rock de Brasília está de luto. Morreu, nessa segunda-feira (13/3), aos 57 anos, José Henrique Campos Pereira, o Canisso, baixista da banda de rock Raimundos.
Canisso sofreu um desmaio em casa e foi levado às pressas a um hospital, em São Paulo, onde não resistiu e veio a óbito. Segundo informações preliminares, a causa da morte foi um infarto.
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Canisso fez parte da formação original dos Raimundos, ao lado de Digão e Rodolfo, unidos em 1987. Com eles, viveu uma relação inconstante, marcada por rompimentos e reconciliações. Em 1990, antes da fama nacional, chegaram a se separar por dois anos, período em que Canisso se dedicou ao curso de direito, na Universidade de Brasília (UnB). Na volta, com a entrada de Fred nas baterias, registraram o momento de maior sucesso do grupo, desde o disco homônimo, de 1994, até o mais conhecido, Só no forevis, de 1999, com as faixas Mulher de fases, Mato véio, A mais pedida e Me lambe.
Em 2001, o vocalista Rodolfo Abrantes se desligou da banda, seguindo sua conversão a uma igreja evangélica, o que marcou o fim definitivo do icônico trio. No ano seguinte, Canisso também foi embora, mas temporariamente, voltando em 2005. "Os Raimundos sempre andam entre tapas e beijos", comentou Digão, em entrevista ao Correio em 2014.
Após a gravação do álbum Kavookavala, em outubro de 2002, o grupo passava por uma fase delicada, com desentendimentos internos. Em decorrência disso, o baixista voltou a sair da banda. Foi baixista temporário da banda Detonautas Roque Clube, fazendo shows no lugar de Tchelo, que havia quebrado a mão. Logo depois, entrou na banda Rodox, que acabou quase um ano depois. Em seguida, formou a própria banda como vocalista, mas não chegou a ir para frente, não há nenhum registro de gravação oficial ou apresentação pública. Em 2006, Canisso integrou a banda hardcore brasiliense Quebraqueixo, como guitarrista.
Em 2007, com a saída do baixista da banda Raimundos, que na época era Alf, Digão fez o contato com Canisso, para ver se ele queria voltar, ele aceitou. Em meados do segundo semestre de 2008, surgiu o convite de fazer uma pequena tour tocando clássicos do rock com um time de músicos formado por Paul Di'Anno, ex-vocal do Iron Maiden e Killers; Jean Dolabella, baterista do Sepultura; e Marcão, guitarrista do Charlie Brown, paralelamente aos Raimundos.
Mais recentemente, Canisso expôs rusgas políticas entre os membros da banda, em discordância com as declarações pró-Bolsonaro por parte de Digão. Em junho do ano passado, ele rebateu um comentário no qual o grupo era chamado de "fascistas safados". Em resposta, o artista deu a entender que não tinha as mesmas opiniões políticas do vocalista Digão, conhecido por sua postura anti-esquerda. Canisso deixava claro que no Raimundos nunca houve espaço para discussão ou músicas sobre política, e que o respeito prevalecia entre os integrantes.
A dor dos amigos
Um homem simples, divertido e responsável, é dessa forma que os amigos e colegas de trabalho lembram de Canisso. Juarez Garibaldi, baterista dos Raimundos antes da fama, lembrou da época da juventude ao lado do baixista. "Canisso era um estudante de segundo grau muito divertido e irreverente. Sempre falando de kung fu, chegava a dar "aulas" para a galera, que morria de rir. Figuraça", recorda o agora professor de história ao Correio. O amigo destaca a índole do eterno baixista dos Raimundos. "Antes da fama se tornou pai e foi trabalhar em uma loja no Conjunto Nacional de maneira responsável. Logo depois veio a fama, que nunca alterou sua simplicidade e cuidado com os amigos", complementa. "Muito triste. Era um grande amigo!", lamenta.
Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, recorda a amizade marcada pelas estradas. "O Canisso era um amigo de décadas. Nos encontrávamos na estrada, durante turnês, quando dividíamos o palco em shows do Capital Inicial e dos Raimundos. Houve um período em que ele morava aqui, em São Paulo, e nos víamos bastante", afirma. O companheirismo foi escrito em uma partitura, gravada por aquilo que ambos compartilhavam, o rock. "Um dos nossos últimos contatos foi por telefone. Ele me ligou para falar sobre a gravação de uma música do Billy Idol. Fui tomado por uma tristeza imensa, ao saber da morte de Canisso por meio do Pedro Ribeiro, irmão do Bi Ribeiro (baixista dos Paralamas do Sucesso), que também era amigo dele", completa.
Para Philippe Seabra, vocalista e guitarrista da Plebe Rude, apesar de não serem próximos, ficou comovido pela notícia. "Acompanhava a trajetória dele. O Canisso partiu muito jovem. Fico muito comovido, porque sei que por traz do músico havia uma pessoa, um pai de família, que, como eu, tinha um filho", relata.
Evandro Esfolando, vocal da banda de hardcore brasiliense Quebraqueixo, que Canisso integrou em 2006, lembra da simplicidade do músico e o quanto ele era uma pessoa atenciosa, "uma das várias qualidades do Canisso era a sua simplicidade. Ele sabia da sua grandeza e não a utilizava de maneira vulgar. Sempre cumprimentava as pessoas de maneira igual, do mais humilde ao mais famoso". O amigo ainda fala que a perda do músico. "Sua passagem me lembra o incêndio de uma biblioteca rara, ele era um mestre na tradição oral de contar histórias, agora muitas delas se perderam", lamenta Evandro.
Segundo Marcos Pinheiro, jornalista e produtor cultural da Rádio Cultura conta que foi uma honra tocar versões iniciais de músicas da banda. "Conheci o Canisso no final de 1992, quando os Raimundos estavam divulgando a primeira fita-demo, que tinha versões iniciais de músicas como Nêga Jurema e Palhas do coqueiro. Tivemos a honra de tocá-la em nosso programa de rádio, o Cult 22, pela Rádio Cultura FM", conta.
Para o ex-vocalista da banda de punk rock brasiliense Detrito Federal, Paulo César Cascão, o baixista era um músico incrível. "Canisso era a interseção entre o rock de Brasília dos anos 1980 com o dos anos 1990! Um músico de grande qualidade e um grande contemporizador no estresse de uma banda. Era o eixo dos Raimundos", destaca.
Cantor e personagem marcante da história do rock nacional, Supla comenta a perda do músico e amigo. "Estou muito triste, gravamos recentemente uma canção e infelizmente acabamos não lançando. É uma grande perda para o rock nacional". Paulo Verissimo, guitarrista do Distintos Filhos, se lembra das conversas que teve com Canisso. "A gente se encontrou algumas vezes em backstage, ele sempre foi um cara muito cordial. Falamos algumas vezes quando fiz um show com a Plebe Rude. Ele comentou no post que estava feliz que tinha rolado isso. Tocamos juntos também uma vez, a gente dividiu palco fazendo alguns sons."
Paulo Marchetti, autor do livro O Diário da Turma, relata que o depoimento do Canisso dado pala ele deve ser enviado para o Museu do Rock. "Soube da morte do Canisso por minha irmã Mila, que era muito amiga dele. Conversando com o Phillipe Seabra, por telefone, liguei o alerta no sentido de digitalizar a fita do depoimento. É um documento, como de outros roqueiros brasilienses, que devem fazer parte do audiovisual, do Museu do Rock que vai ser criado e que tem o Philippe à frente", diz.
Colaboraram Pedro Ibarra, Davi Cruz*, Franco C. Dantas*
*Estagiários sob a supervisão de José Carlos Vieira
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